Raízes

Fotobiografia detalha trajetória de João Câncio, criador da Missa do Vaqueiro

João Câncio - O Padre Vaqueiro foi organizado por Vandeck Santiago, com 60 fotografias do homem que gritou contra a injustiça e a desigualdade no Sertão

Publicado em: 13/06/2019 09:12 | Atualizado em: 17/07/2020 23:57

João Câncio (centro) acompanhado por vaqueiros (Foto: Fred Jordão/Divulgação)
João Câncio (centro) acompanhado por vaqueiros (Foto: Fred Jordão/Divulgação)


Pernambuco comportou algumas figuras católicas marcantes pela dissonância ao conservadorismo vigente na metade do século 20. Esse “catolicismo progressista” nos remete a dom Helder Camara, famoso opositor da ditadura militar. Mas fora do clima tropical úmido da Região Metropolitana do Recife, adentrando no semiárido do Sertão, existe a figura de João Câncio. Era um padre que não via adversidade em trajar chapéu, gibão e guarda-peito para cavalgar junto com vaqueiros, frequentar vaquejadas. Pelo contrário, sentia-se muito bem assim.

Na década de 1970, durante um passeio por Serrita, onde era pároco, o religioso avistou uma cruz fincada no solo, paisagem comum no Nordeste. Descobriu que lá estava enterrado o corpo de Raimundo Jacó, vaqueiro misteriosamente assassinado cinco anos antes. Naquele espaço de difícil acesso, decidiu iniciar uma solenidade para homenagear o rapaz: a Missa do Vaqueiro, realizada até a atualidade. O episódio da cruz serve como ponto de partida na fotobiografia João Câncio - O padre vaqueiro, que delineia a trajetória do padre e do evento religioso em 120 páginas e 60 fotos.

O texto e a pesquisa são do jornalista Vandeck Santiago, editor-executivo do Diario de Pernambuco. As fotografias são do arquivo da Fundação João Câncio, além de Fred Jordão e Alcir Lacerda. Editado pela DG Design Gráfico, com apoio cultural da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), o livro ainda conta com uma apresentação de Helena Câncio, viúva do biografado que morreu em 1989 após um enfarte. O lançamento será nesta quinta-feira (13), a partir das 19h, no Museu Cais do Sertão, no Bairro do Recife, dentro da programação do projeto Tengo Lengo, Tengo, ação do Governo do Estado que marca os 30 anos da morte de João Câncio e de Luiz Gonzaga. Uma exposição sensorial e interativa também será inaugurada no mesmo horário. O exemplar da fotobiografia será vendido por R$ 30.

Registro da primeira Missa do Vaqueiro (Foto: Arquivo da Fundação Joao Câncio/Divulgação)
Registro da primeira Missa do Vaqueiro (Foto: Arquivo da Fundação Joao Câncio/Divulgação)


“O livro conta a história da tradicional Missa do Vaqueiro, grande evento religioso, cultural e político, a partir da história das pessoas, em particular do seu idealizador e criador, o padre João Câncio, mas também de outros personagens importantes”, explica Vandeck. “Quem são as pessoas que orbitam e orbitaram em torno dela? Como era o padre que teve a ideia de fazer, em plena caatinga, uma missa que representa um grito contra a injustiça e a desigualdade? Quem eram os vaqueiros que o acompanharam na empreitada? Quem era o poeta e repentista que estava lá desde o início?”, questiona o escritor, citando algumas das temáticas presentes.

Santiago pesquisou em jornais, leu bibliografia existente sobre o tema e viajou até o Sertão para entrevistar vaqueiros, a viúva, poetas e outros que conviveram com Câncio. A primeira parte, intitulada Um grito de justiça no Sertão, descreve os precedentes do padre e a história do assassinato do vaqueiro Raimundo Jacó, que coincidentemente era primo de Luiz Gonzaga. O relacionamento próximo de João com o Rei do Baião é ressaltado como definitivo para a realização da missa. Comovido pela morte do parente, o músico da cidade de Exu financiou as primeiras edições da missa e foi um dos responsáveis pelo seu apelo midiático. Foram juntos ao Rio de Janeiro divulgar a missa na imprensa do Sudeste.

João e Gonzaga no Rio de Janeiro para divulgar a missa (Foto: Arquivo da Fundação Joao Câncio/Divulgação)
João e Gonzaga no Rio de Janeiro para divulgar a missa (Foto: Arquivo da Fundação Joao Câncio/Divulgação)


Detalhes sobre a vida pessoal também aparecem com certo ineditismo, como a história de João com Helena, que ainda era uma adolescente quando eles começaram a relação amorosa. Um escândalo quando chegou a público. “Eu ganhava um amor e perdia minha identidade. Fui ridicularizada publicamente e perdi amizades. Foram tempos difíceis”, relata a viúva, em trecho da apresentação da obra.

A segunda parte, Os artistas têm de ir aonde o lombo do cavalo está, diz respeito ao impacto no universo artístico. Além de Gonzaga, que fez músicas para a missa, existem poesias de Pedro Bandeira, documentários e teses acadêmicas. A última fase investiga o surgimento dos próprios vaqueiros, com visão histórica e quase antropológica que demonstra uma colonização um pouco diferente do litoral, similar ao desbravamento do oeste nos Estados Unidos. “Quando comecei a pesquisa, tive muita dificuldade por não ter o básico”, diz Vandeck. "Então, essa não é uma obra definitiva, não tem um viés acadêmico, mas lançamos bases para quem quiser avançar. Coloquei as fontes das informações para quem deseja conhecer ou aprofundar estudos sobre a missa", finaliza.

 (Foto: Vandeck Santiago/Divulgação)
Foto: Vandeck Santiago/Divulgação
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