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Pernambucano Ciel Santos negocia cultura popular e androginia em primeiro álbum

Publicado em: 09/05/2019 17:01 | Atualizado em: 17/07/2020 23:34

O trabalho visual traz o artista em uma estética que negocia o renascentismo com o Sertão, como uma nobreza sertaneja (Foto: Diego Cruz/Divulgação)
O trabalho visual traz o artista em uma estética que negocia o renascentismo com o Sertão, como uma nobreza sertaneja (Foto: Diego Cruz/Divulgação)


O cantor e compositor pernambucano Ciel Santos cresceu na zona rural de Bezerros, num vilarejo chamado Sacapurana. Nesse contexto, ser uma criança “afeminada” foi quase uma experiência labiríntica. “Costumo dizer que andava pelos becos, já que as ruas acarretavam xingamentos”, relembra, agora com 34 anos, em entrevista ao Viver. Filho de agricultores, ele só começou a compreender seus traços identitários quando se tornou artista, ingressando no Papanguarte Balé Popular de Bezerros, bastante tradicional no município do Agreste pernambucano.

Ciel teve oportunidade de conhecer diversas linguagens da cultura popular, dançar e encenar. O canto, no entanto, não lhe era tão permitido. "Diziam que a minha voz era muito fina, feminina, e que eu deveria cantar como homem", recorda. Décadas depois, essa incoerência entre corpo masculino e voz feminina é justamente um de seus principais ganchos performáticos. É um elemento andrógino que articula sonoridades da cultura popular, letras que resgatam aspectos da vivência interiorana e a liberdade de "ser", com uma encenação de perspectiva teatral.

Isso tudo está presente no espetáculo Enraizado, feito para celebrar o disco homônimo lançado no último dia 3 de maio, o primeiro da carreira. A apresentação será neste sábado, às 19h, no teatro da Caixa Cultural, no Bairro do Recife. "É um espetáculo alinhavado no teatro, as músicas se constroem amarradas em um texto roteirizado. A luz é teatral, o figurino também, além do comportamento cênico", explica o artista.

 (Foto: Diego Cruz/Divulgação)
Foto: Diego Cruz/Divulgação


Quando ainda morava em Bezerros, Ciel realizou um show que serviu como termômetro para decidir se investiria ou não na carreira musical. “Aluguei o único clube da cidade e lotou. O dono do Manhattan Café Theatro, que fica no Recife, estava presente e me chamou para trabalhar lá”, recorda. O período na casa de shows da Zona Sul durou sete anos, ao mesmo tempo em que ele tinha aulas no Conservatório de Música. Em 2017, realizou o primeiro espetáculo do projeto Enraizado, no Espaço O Poste. A demanda para a gravação do álbum veio do próprio público naquela noite.

Disponível nas plataformas digitais, o disco é composto pelas canções autorais do show, duas delas feitas em parceria com Maurício César, que assina a direção musical. “Desde o começo, eu disse que queria apostar na cultura popular. Colocar coco, fechar os olhos e me sentir em uma roda. Colocar afoxé, ouvir e me sentir em um terreiro. A música que abre o disco se chama Licença, pois todos os brincantes da cultura popular pedem licença quando começam uma apresentação".

O trabalho visual, com direção de Jota Gomes e fotos de Diego Cruz, traz o artista em uma estética que negocia o renascentismo com o Sertão, como uma nobreza sertaneja. Na capa, Ciel divide espaço com seus pais, irmãos e sobrinho. É, de fato, uma exaltação às raízes, menos no que diz às tradições conservadoras do interior.

Capa de Enraizado. (Foto: Diego Cruz/Divulgação)
Capa de Enraizado. (Foto: Diego Cruz/Divulgação)


"Já escutei coisa do tipo 'você está sujando a cultura popular, não temos espaço para gays'. Algumas manifestações são bem machistas, apontando que não se pode fazer isso ou aquilo. E nesse nicho, temos poucos artistas declaradamente homossexuais, ao mesmo tempo que eu não sou novidade. Colocar uma saia e um batom hoje em dia não é muita coisa, mas sim uma questão de ter atitude e fazer. Temos espaços sendo ocupados, ainda bem", relata.

"Como consequência, consegui atingir um público LGBT que está conhecendo esse mundo da cultura popular através de mim. Um amigo de Caruaru, que faz drag queen, me fez enxergar isso. Tem muita gente dessas gerações novas que não conhece coco ou afoxé, mas consegue se aprofundar quando vê alguém que o representa. É um trabalho de educação e preservação", finaliza.

Assista ao clipe:



SERVIÇO
Show Enraizado, de Ciel Santos
Onde: Caixa Cultural Recife (Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife)
Quando: sábado (9), às 19h
Quanto: R$ 30 e R$ 15 (meia)
Informações: (81) 3425-1915
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