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Exposição de pernambucano retrata como a natureza é usada para vender imagem do país

Sobremarinhos - Capitanias e Tiranias foi ameaçada de censura ao 'narrar como a natureza serviu para ocultar o terror da ditadura'

Publicado em: 20/05/2019 18:31

Deus é fuzileiro, de Gilvan Barreto. Foto: Gilvan Barreto/Divulgação
Uma mulher de biquíni em uma praia, com um copo de bebida na mão e uma frase: “Brazil, see you there” (“Brasil, vejo você lá”). Essa era uma das propagandas oficiais do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) em 1983. Por muito tempo, a sensualidade da mulher brasileira foi usada para atrair estrangeiros, uma imagem desenhada desde o Brasil colônia, quando o país era descrito pelos portugueses como um paraíso exótico de índias seminuas. A questão é um dos alvos da exposição multimídia Sobremarinhos - Capitanias e tiranias, do fotógrafo pernambucano Gilvan Barreto, inaugurada no último sábado (18) em Fernando de Noronha. A mostra reúne trabalhos do artista sobre o uso da natureza como ferramenta para vender a imagem do país no período do regime militar, traçando um paralelo com o cenário político atual.

“O Brasil está mudando radicalmente, e a natureza se tornou um dos alvos principais do atual presidente. Então, achei adequado lançar essa exposição em Noronha”, conta Gilvan. Em abril deste ano, Jair Bolsonaro fez uma declaração polêmica sobre o assunto. “O Brasil não pode ser um país do turismo gay. Quem quiser vir fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, o Brasil não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay”, afirmou, na ocasião. A declaração foi interpretada como estímulo ao turismo sexual e à homofobia no Brasil e repudiada publicamente pelo Governo de Pernambuco e pela Prefeitura do Recife. 

Através de fotografias, colagens, recortes de jornais, serigrafias, interferências com materiais de pesca e cartões-postais, o trabalho do artista é focado principalmente em questões políticas e na relação do homem com a natureza. “Quero narrar como a natureza serviu para ocultar o terror da ditadura e para destruição do pensamento crítico”, diz Gilvan. Para o curador da mostra, Eder Chiodetto, a exposição fala de um país como uma terra em transe, na qual a lógica sucumbiu, o ódio se alastrou e o diálogo político foi corrompido. “Toda arte, em toda parte, será política, e Gilvan faz de sua arte um manifesto humanista em prol da tolerância, da justiça e das reparações históricas aos oprimidos”, define.

A exposição ocorre na Sala Miguel Arraes, na Vila dos Remédios. “Ameaçaram a nossa produtora com mensagens agressivas e deixaram claro que não iria ter exposição. Isso é censura. Ficamos com medo e procuramos a Administração da Ilha, que nos deu suporte e conseguimos estruturar o nosso acervo em tempo hábil”, revelou Gilvan, sem citar os responsáveis pelo ato. 

A partir de múltiplas linguagens, a exposição resgata trabalhos anteriores do fotógrafo: Sobremarinhos, que retrata a vida no fundo do mar, a investigação do passado presente em Moscouzinho e continuada em O livro do sol, que evidencia a relação de plantas e animais que dependem da água para sobreviver.
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