Arte

Diretor do Museu da República, Charles Cosac tem que driblar falta de verba

Charles Cosac assumiu a direção do Museu Nacional da República no início do ano e quer montar uma agenda de exposições sobre a história da arte no Brasil

Publicado em: 05/05/2019 12:02 | Atualizado em: 05/05/2019 12:09

Charles Cosac: 'o museu é laico, apartidário, lindo e maravilhoso'. Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília.
Quando Charles Cosac aceitou assumir a direção do Museu Nacional da República, ao qual se refere como o MNR, não sabia que a instituição não dispunha de orçamento próprio. Descobriu quando desembarcou em Brasília, no início do ano, para substituir Wagner Barja na direção. Decidiu ficar porque sempre teve vontade de trabalhar em um museu. Fez isso nos anos 1980, quando foi estagiário de uma instituição em São Francisco, nos Estados Unidos. Tinha como função ler papéis com dúvidas deixadas pelos visitantes, pesquisar e responder.

“Acho que eu estaria fadado a trabalhar em museu pela minha formação, mas o destino me levou para a edição de livros e depois esticou para a Biblioteca Mário de Andrade. Daí, surgiu a oportunidade (em Brasília). Eu me senti um pouco velho, mas o desejo foi mais forte de aceitar”, conta o diretor, que tem mestrado em história da arte pela Universidade de Essex (Inglaterra).

Aos 55 anos, Charles Cosac é uma das referências em edição de livros de arte nas últimas décadas. Em 1996, ele criou a editora Cosac & Naify, especializada em edições impecáveis dedicadas às artes, à literatura e a disciplinas como antropologia, filosofia e sociologia. A Cosac entrou em falência e fechou as portas em 2015. Em janeiro de 2017, ele foi convidado para dirigir a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, uma instituição com orçamento médio de R$ 11 milhões.

Quando soube que o museu brasiliense não tinha orçamento, Charles até pensou em desistir. “Não me contaram isso”, garante. “Mas o pessoal que trabalha aqui há 10 anos é muito legal, me recebeu com muito carinho. Cheguei em Brasília sozinho, sem conhecer ninguém, e vi a dificuldade deles, refleti essas dificuldades em mim. O momento político não é o mais favorável, há muitas expectativas, mas, como na biblioteca, acho que o museu é laico, apartidário, lindo e maravilhoso. E luto nessas quatro frentes. Ele não tem partido político, não tem religião e tem um objetivo que é estipulado pela lei. Então, não é tão complicado assim."

Cosac dividiu o museu no que chama de frentes: uma de exposições, outra de manutenção. Ele quer mudar o perfil das exposições e trazer para a instituição mostras historiográficas porque acredita que a vocação do museu é, também, pedagógica. Para o próximo ano, o diretor negocia a vinda de coleções como a de Sérgio Fadel, a da Fundação Edson Queiroz e a de João Carlos de Figueiredo Ferraz, além de obras pertencentes ao Banco Central, que ele gostaria de expor permanentemente no mezanino. São acervos capazes de contar a história da arte brasileira de maneira cronológica. Para Cosac, o museu estava excessivamente mergulhado na arte contemporânea quando o público não conhecia, ainda, a história da arte do Brasil. “Eu sou meio didático. Acho que, no frigir dos ovos, o que me preocupa mais é a educação, mais até do que audiência. O museu tem que educar e o museu pode educar inclusive vazio”, acredita.

O diretor também quer rever as exposições de artistas de Brasília no Museu Nacional. Com a perspectiva de inauguração do Museu de Arte de Brasília (MAB) em 2020, ele acredita que haverá espaço para a produção brasiliense em locais mais apropriados. Cosac conta que tentou o Espaço Oscar Niemeyer, pensando no local para exposições da cidade, mas não conseguiu. Diz também que agora tenta a Galeria Fayga Ostrower, da Funarte. Em entrevista, ele conta quais são os planos para o Museu Nacional da República.

Qual foi sua primeira impressão do Museu Nacional?
Quando a gente entra num lugar pra ficar, você entra com olhar especulativo. O museu está em boas condições, minha nota ´´e B+, às vezes B. B-... Dei B. Isso já era um ponto a favor do meu trabalho porque o museu está em condições de receber, tem o elementar. Claro que existem deficiências, mas nunca fui a nenhum museu que não tivesse deficiências.

Quais são as deficiências?
Coisas superficiais. O museu não tem problema estrutural algum. A parte estrutural está perfeita. O que o museu precisaria é de uma pintura, o que não é tão oneroso, e a troca de piso, que o próprio escritório do Oscar Niemeyer recomendou. São reformas superficiais. Gostaria que o museu fosse iluminado por fora, o que é mais complicado, e também em torno do museu. Os meninos andam de patins aqui, tem torneios. E sonho em transformar esse pátio em uma concentração de esportes leves, como vôlei, peteca, frisbee, tenho que ocupar esse espaço.

Mas ele não é já bem ocupado? Tem shows, festivais de teatro, feiras...
Mais ou menos. Não. Tem dia que é perigoso sair daqui à noite, quando fico até mais tarde. E não tem muita sinalização. E tem o terminal rodoviário, que atrapalha. Pra pegar Uber, você tem que dar muitas explicações até ele entender. Não é tão fácil assim.

Você falou de coisas estruturais, mas está assumindo um museu que não tem orçamento e essa é uma das maiores dificuldades dele…
A gente está fazendo uma Associação de Amigos, que já foi lançada. Não é de amigos e patronos, são pessoas, profissionais liberais, geralmente brasiliense, ou filhos de candangos ou profissionais que vieram de Brasília. Eu não queria boleto, então é um grupo de pessoas que querem bem, a priori, que são vários círculos concêntricos. Como diretor do museu, coloco o museu no centro, depois Brasília, depois Brasil, depois o mundo. São pessoas que estariam entre museu e Brasília. A verdade é que existem profissionais liberais que têm interesse no destino dos equipamentos culturais da Secretaria de Cultura, existe expectativa em relação ao MAB, ao próprio Teatro Nacional, isso tudo está latente. A associação de amigos e CNPJ nosso me permitiria inscrição em vários projetos de fomento à cultura, ao restauro e a melhorias que podem ser feitas. Assim conseguiria dar conta do não orçamento. E as exposições, estou dialogando com várias entidades, que seriam entidades mais fortes. Seriam exposições de perfil mais museológico, didático, paradidático, que é um aspecto que precisa ser explorado. E no mezanino, estamos dialogando que boa parte da coleção do Banco Central fique aqui permanentemente. Isso permitiria ter sempre à mostra um panorama bem rico da arte no Brasil no século 20.

Qual a vocação desse museu?
Eu me preocupo muito com público, o nosso público não é iniciado, mas o fato de não ser iniciado não quer dizer que não possa absorver. Acho que, num museu sem dotação, tudo que posso criar enquanto produto é educação. Essa educação pode se dar através do mero olhar, trazendo crianças, jovens e adolescentes que um dia possam pensar “quero ser artista e trabalhar nesse museu”, criando um sentimento de posse e de propriedade. Eu venho para cá diariamente de Uber e o que mais escuto é “nunca entrei aí”.

No entanto é um museu muito visitado, está entre os mais visitados do Brasil...
Mas, o problema é que a arquitetura dele é muito contundente e estamos tentando criar o miolo do museu. As pessoas vêm até segunda-feira, quando está fechado. Elas vêm tirar fotos na frente do museu e isso é um grande ganho para nós. É um ponto positivo que me fez enfrentar esse projeto. Existe um público, um museu, um endereço, tudo é muito convidativo, basta converger todos esses pontos em benefício do museu. Faltam aqui exposições mais historiográficas.

Esse museu tem sido um espaço para os artistas de Brasília e exposições de arte contemporânea que não são historiográficas. Isso vai continuar?
Pretendo mesclar. Tenho adoração pelo (Wagner) Barja, é um herói pra mim. A gente diverge em visões historiográficas. Acho que o Barja não fazia convites, ele aceitava convites. Eu já faço convites. A grande diferença é essa. Se eu detecto que uma exposição está acontecendo e ela poderia enriquecer o museu, peço que venha. Barja tinha uma visão mais contemporânea do museu. Agora, acho que o Museu Nacional da República não pode ser um museu de arte contemporânea, tampouco um museu para os laureados no FAC. Claro que a gente está vendo espaços alternativos para alojar essas outras exposições. E a Secult pretende abrir o MAB no primeiro semestre do ano que vem. Isso nos põe em posição frágil de um lado e mais aberta de outro. Frágil porque grande parte do acervo bom deste museu não é nosso, é do MAB e vai ser repatriado para o MAB; então, a gente vai perder. A gente vai ter o MAB como opção expositiva e isso vai aumentar o leque de possibilidades.

Você tem ido às galerias da cidade. O que viu? O que acha da cena brasiliense
Estou fascinado. Não conhecia. Toda segunda-feira visito três galerias na parte da tarde para me familiarizar com panorama local, que não é exclusivamente local porque tem artistas de fora, mas tenho visto coisas surpreendentes. Um panorama pungente, novo. O mercado de arte ainda é frágil, mas é nascente. Sinto que as pessoas, infelizmente, preferem as galerias paulistanas às brasilienses, mas acho que isso tudo é questão de tempo.

Você disse que o museu não é para contemplados do FAC. Isso quer dizer que não vai haver exposição de artistas locais?
Acho que nosso público é um público humilde, é o público da Rodoviária que predomina. Tem o público de terça a quinta que vem e vai nos vernissages, e tem o público estudantil. O Barja falava de museu espelho, mas eu falava “não estou me vendo e não acho que essas pessoas estejam se vendo”. É muito contemporâneo, são ocupações. Acho que elas (as pessoas) prefeririam ver coisas históricas, que contassem uma história, que desse sensação de pertencimento: quem são os artistas do Brasil, o que é o Museu Nacional da República, quais são os outros museus que existem, o que é o patrimônio histórico?  Acho que é mais fácil uma coisa datada, arte de X a Y. Eu sou meio didático. Acho que no frigir dos ovos, o que me preocupa mais é a educação, mais até do que audiência.

Para isso precisa de dinheiro e o museu não tem orçamento. Como imagina fazer isso?
As exposições teriam que ser pagas pelos expositores. A gente está fazendo projeto na Lei Rouanet. Por enquanto, pelo menos até 2020, não posso ter nenhuma iniciativa pessoal de fazer uma exposição porque a gente não tem recurso para isso.

Você está acompanhando a redução dos patrocínios com as crises na Petrobras e na Ancine? O que você espera para a área de artes visuais? As coisas vão ficar mais difíceis?
Não vão ficar impossíveis. Minha família trabalhou diretamente com cinema, são orçamentos totalmente distintos. O valor de um filme, de um espetáculo e de uma exposição são bem diferentes. Se vão limitar a arrecadação da Lei Rouanet, esse limite ainda nos permite expor. Com R$ 350 mil faço uma exposição nota A, na base da austeridade. Não preciso de R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões. Aí também vai da boa vontade das pessoas: não adianta você superfaturar sua obra para encarecer o seguro, inviabilizar a vinda. Isso sempre tem. Uma coisa que aprendi em todo lugar que trabalhei é que sempre tem uma abelha rainha, um novilho de ouro e um espírito de porco. Essas três figuras existem e parte do meu trabalho é saber lidar com esses personagens que são típicos. Não vejo nenhuma particularidade nesse museu vis a vis dos outros museus. Claro que é sui generis um museu sem dotação, mas que remédio? O que posso fazer?

 
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