Música

Show de banda russa Pussy Riot no Recife será réplica ao conservadorismo

Publicado em: 18/04/2019 09:31 | Atualizado em: 19/04/2019 13:30

Popularidade do grupo veio pela essa coragem de usar a arte para lutar por direitos de mulheres e de LGBTs na Rússia. Foto: Rick Kern/WireImage
O mundo inteiro assistia à disputa entre França e Croácia na final da Copa do Mundo de 2018, realizada na Rússia, quando pessoas encapuzadas invadiram o campo no começo do segundo tempo. Um instante de tensão em época de ataques terroristas. O suspiro de alívio veio quando se constatou que os invasores eram mulheres bem conhecidas, principalmente no país que sediava o campeonato: Maria Alyokhina, Nadya Tolokonnikova e Yekaterina Samutsevich. A banda punk russa Pussy Riot fazia um protesto contra seu maior alvo: o presidente Vladimir Putin, espectador na tribuna de honra do estádio naquele dia.

O ato trouxe o quarteto de volta às manchetes mundiais pelo mesmo motivo pelo qual elas se tornaram famosas, com intervenções artísticas sem hora ou lugar marcados para acontecer. Em 2012, fizeram um concerto improvisado e não autorizado em frente à Catedral de Moscou, incluindo uma “oração punk” contra Putin. Foram condenadas por “vandalismo e intolerância religiosa”, conquistando admiração de setores do Ocidente e recebendo apoio de nomes como a cantora Madonna. Elas cumpriram penas de dois anos de prisão e, após saírem, relataram tratamentos abusivos na cadeia.



A sonoridade do grupo não difere muito das bandas feministas de punk rock do movimento "riot grrrl", iniciado na década de 1990. Sendo assim, a popularidade veio mesmo por essa coragem de usar a arte para lutar por direitos de mulheres e LGBTs na ex-União Soviética, que ainda resiste ao liberalismo moral das potências ocidentais. Justamente por isso, é irônico que Pussy Riot venha pela primeira vez ao Brasil três meses depois da guinada conservadora liderada por Jair Bolsonaro. Serão apenas dois shows: no Recife, dentro da programação do Abril Pro Rock desta sexta-feira (19), e em São Paulo, no sábado. Como elas não costumam se apresentar com formação completa, quem virá ao país é Nadya Tolokonnikova, ao lado de outros membros do coletivo.

O produtor cultural pernambucano Paulo André Moraes, responsável pelo APR há 27 anos, conseguiu fechar o show com o grupo em outubro do ano passado. “É a banda feminina engajada mais popular na atualidade. Uma atração perfeita para o histórico de um festival independente. Estamos fazendo uma leitura do momento social, que é o papel do curador de arte. Casou perfeitamente com a discussão que queríamos levantar neste ano.”

A vinda da banda russa acabou servindo de gancho para uma noite totalmente composta por atrações femininas locais e nacionais, que inclusive fogem do rótulo do rock mais “pesado” que o festival vinha abraçando nos últimos anos. São elas, em ordem de apresentação: Coco de Umbigada (PE), Demonia (RN), 808 Crew (PE), Arrete (PE), Sinta A Liga Crew (PB), Pussy Riot (Rússia) e Letrux (RJ), um dos maiores nomes da atual música pop brasileira nacional.

A carioca Letrux, um dos novos fenômenos da música popular nacional. Foto: Bruno Machado/Divulgação
A noite com bandas femininas já era um desejo antigo de Paulo André, que procurou agregar nomes interessantes que foram aparecendo durante viagens e eventos culturais em Pernambuco. “Desde o início, o Abril trouxe a cultura popular aliada com a cultura pop no Recife. Isso chegou à exaustão na década de 1990. Diante disso, eu fico muito feliz com a volta disso através do Coco de Umbigada, por exemplo, e atrações de maior apelo de público, como Letrux. Eu não diria que é uma ‘volta às origens’, mas uma certa retomada”, diz Moraes, que montou a lineup ao lado de Guilherme Moura e Alcides Burn e contou com menos patrocínios que nas últimas edições.

A iniciativa de promover o “empoderamento feminino” causou certa polêmica nas redes sociais. “Foi-se o tempo que esse festival era coisa de rock” e “Não vou para o APR, porque ele deixou de ser um festival para ser palanque político” são alguns dos comentários. Paulo André rebate: “O público do rock pesado, que terá enfoque no sábado, ainda é responsável por trazer o Nordeste inteiro ao festival. É o nosso público fiel. Mas, de fato, o mundo não é mais o mesmo. Não dava para ficar com aquela mesma proposta da geração manguebeat para sempre. Isso que as pessoas precisam entender.”

Debate em tempos de crise
Capa do livro Um Guia Pussy Riot Para o Ativismo. Foto: Mocup/Divulgação
O show de Pussy Riot também estimulou o lançamento do livro Um guia Pussy Riot para o ativismo (Ubu Editora, 288 páginas), escrito pela integrante Nadya Tolokonnikova e publicado no Brasil recentemente. O evento paralelo ao festival será realizado nesta quinta-feira (18), a partir das 15h, no auditório do Cais do Sertão (Avenida Alfredo Lisboa, s/n, Bairro do Recife). O encontro também contará com uma roda de diálogo sobre “feminismo e ativismo político em tempos de crise”, em parceria com o coletivo Mete a Colher.

Tradutora do livro e pesquisadora Jamille Pinheiro Dia. Foto: Tereza Maciel/Divulgação
Participam da conversa a tradutora do livro e pesquisadora Jamille Pinheiro Dias, a jornalista e produtora cultural Lenne Ferreira, da Aqualtune Produções, Mãe Beth de Oxum, e Mônica Benício, ativista de direitos humanos e viúva da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018. A poetisa Isabelly Moreira e MC Lillo farão performances para o público.

“É muito oportuno que Um guia Pussy Riot para o ativismo esteja sendo publicado e que a Nadya e o Pussy Riot estejam vindo ao Brasil nesse momento. Precisamos qualificar, nacional e internacionalmente, nossas perspectivas sobre o perigo dos discursos autoritários. Além disso, a explosão feminista que tem ecoado com cada vez mais força em nosso país, mesmo com a ascensão do reacionarismo, só tem a ganhar com a presença delas”, diz Jamille.

“Algo que a Nadya traz de bastante peculiar e potente para esse debate é a ideia de que é preciso desconfiar e mesmo ‘tirar onda’ da voz patriarcal, mostrando que o humor é uma das melhores formas de solapá-la. Um exemplo de suas ações políticas relatadas no livro foi a invasão que ela e seus colegas fizeram à Casa Branca de Moscou, ocasião em que projetaram um gigante Jolly Roger, aquela caveira das bandeiras piratas, na fachada do prédio. Essa vocação que combina performance artística e protesto com humor transparece na escrita do livro”, continua.

Serviço do show
Festival Abril pro Rock 2019
Quando: sexta-feira (19) e sábado (20), a partir das 20h
Onde: Baile Perfumado (Rua Carlos Gomes, 390, Prado)
Quanto: R$ 120, R$ 60 (meia) e R$ 70 (social + 1 kg de alimento não-perecível), à venda no site sympla e na loja Disco de Ouro.

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