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Segunda noite do 27º Abril Pro Rock evidencia a globalidade da causa feminista

Publicado em: 20/04/2019 13:21 | Atualizado em: 20/04/2019 15:12

Nadya Tolokonnikova vestiu camiseta com estampa "Quem matou Marielle?". Foto: Pei Fon/Divulgação
A segunda noite da 27ª edição do festival Abril Pro Rock, realizada nesta sexta-feira (19) no Baile Perfumado, Zona Oeste do Recife, já parecia suficientemente política por apostar em uma programação apenas com artistas mulheres, conhecidas por discursos engajados no palco ou nos bastidores. A vocalista do coletivo Pussy Riot, por exemplo, foi presa por protestar contra o presidente Vladimir Putin em 2012. O tom ativista do festival ficou ainda mais evidente quando Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco, entrou em cena duas vezes para entoar discursos e lançar um questionamento: "Quem mandou matar Marielle Franco?".

"O Estado brasileiro ainda não respondeu essa pergunta. Só que dessa vez vamos tirar eles da zona de conforto. Existe uma revolução em curso e eles estão desesperados. Temos que deixá-los cada vez mas medo do que estamos construindo. Não se enganem, não podemos continuar na zona de conforto”, disse a ativista e arquiteta, durante uma pausa no show da cantora carioca Letrux. "Não caiam no conformismo de acreditar que, pelos acusados estarem sendo acusados nesse momento, a resposta já chegou".

Letrux, sucesso na cena nacional. Foto: Pei Fon/Divulgação

Letrux, nome artístico de Letícia Novaes, foi uma das headliners da noite. Apresentou o show do aclamado álbum Em noite de climão (2017). Essa foi a quarta apresentação da carioca em Pernambuco com o mesmo conceito do disco: roupas e iluminação vermelha, músicas como Ninguém perguntou por você, Puro disfarce e Amoruim. Por isso, não houve tanta surpresa ou ar de ineditismo. Acabou sendo o show mais "contemplativo" da cantora no estado.

Mônica Benício durante show de Letrux. Foto: Pei Fon/Divulgação
"Quando eu era ‘jovenzinha’, tinha uma banda de punk rock e meu sonho era tocar nesse festival. Cá estou eu. Obrigado Abril Pro Rock”, revelou a cantora, em tom de descontração. O inesperado ficou por conta de um cover de Human nature, de Madonna, música que casa bem com o conceito da edição do festival. “Eu adoro shows com dinâmicas de sensações. Gosto de sair de casa para ser feliz, ser despertada, para ser provocada e pensar coisas. A arte não é só entretenimento, mas também é questionamento e psicanálise”, disse, em outro momento.

Beth de Oxum e Coco de Umbigada. Foto: Pei Fon/Divulgação
Quando as luzes vermelhas de Letrux cessaram, o segundo palco do Baile Perfumado recebeu Coco de Umbigada, com voz da matriarca Beth de Oxum. O grupo de referência na cultura popular pernambucana apresentou suas faixas de coco e, em busca de uma linguagem mais pop que dialogasse com o evento, usou caixas de papelão na cabeça, com desenhos de fitas cassetes que lembravam rostos. Eles definiram o conceito como “cabeça de rádio”. Beth também fez fortes discursos contra racismo, machismo e homofobia.

O coletivo russo Pussy Riot, na ocasião representado pela integrante Nadya Tolokonnikova, subiu no palco sob expectativa do público pelo ineditismo no país. Era tipo de show que se vê “uma vez na vida”, como vários presentes no evento gostavam de ressaltar. Acompanhada por um DJ e dois dançarinos mascarados (incluindo uma mulher brasileira), ela exibiu uma performance excêntrica, de atitude punk, sonoridade eletrônica e uma estética “cibernética”. 

Nadya Tolokonnikova, sem gorro. Foto: Pei Fon/Divulgação
Logo após a terceira música, o telão exibiu textos que possibilitaram maior comunicação com o público - o inglês com sotaque russo é relativamente difícil de compreender. "Essas músicas que apresentaremos para vocês hoje nunca foram lançadas. Divulgaremos na Rússia em breve e, pelo teor, é muito possível que sejamos presas”, dizia parte do trecho. “A cada dia, o atual poder político da Rússia se importa mais construir palácios para os homens ricos, enquanto o povo está cada dia mais faminto e frustrado. Existem muitas pessoas procurando por mudança. Nós acreditamos que essa mudança pode acontecer”, finalizou, arrancando aplausos do público.

Durante uma hora e meia, o público contemplou a performance de Nadya certa com certa estranheza, sem entender o idioma da das faixas, mas se esforçando para se conectar uma com uma estética nada usual no Brasil, sobretudo numa capital como Recife. 

Mônica Benício entrega camiseta para Nadya Tolokonnikova. Foto: Pei Fon/Divulgação
Mônica Benício voltou ao palco, desta vez usando o simbólico gorro do grupo russo para falar novamente sobre a importância da representatividade de minorias dos espaços políticos. "A vinda do Pussy Riot para o Brasil nesse momento é importante porque mostra que não estamos sozinhos, essa luta é global”. No final, a carioca abraçou a russa, transparecendo que a globalização da causa que move ambas ativistas. Também demonstrou a articulação entre essas novas frentes políticas de esquerda com a vinda do coletivo russo. Nadya fez o resto do show com uma camiseta de estampa “Who killed Marielle?”.

A programação ainda contou com show da banda punk Demonia, de Natal (RN), que abriu a noite. Em seguida, se apresentam as pernambucanas 080 Crew, com participação da DJ Karla Gnom, e Arrete. Ambas demonstraram a força de um hip hop local e feito por mulheres. Sinta A Liga Crew também deu voz a um line up não apenas feminino, mas feminista com orgulho, sem se incomodar com as críticas que emergem das redes sociais polarizadas da atualidade. Em tempos em que artistas, figuras públicas e instituições estão sendo pressionadao a tomar posicionamentos, o festival fez questão sem qualquer cerimônia. 

Sinta A Liga Crew. Foto: Pei Fon/Divulgação
A tímida quantidade de pessoas no Baile Perfumado comprovou que o Abril Pro Rock já não é mais aquele evento de proporções gigantescas, com cobertura da extinta MTV Brasil e patrocínio da empresas como Petrobrás. Ainda assim, o festival provou que quer resistir ao realizar uma noite que saiu da tradição do "pesado" e certamente ficou na história de sua linha do tempo, tentando conversar com o zeitgeist quando horizonte é incerto para as políticas culturais do Brasil. 

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