Teatro

Paulo de Castro realizará Paixão de Cristo, mas sem menções à obra de José Pimentel

Peça contará com novo texto e elenco, enquanto filha do ator falecido detém os direitos do espetáculo original

Publicado em: 12/01/2019 18:38 | Atualizado em: 12/01/2019 19:25

De acordo com o novo documento, o espetáculo terá o nome "Paixão do Recife a Jesus, a Luz do Mundo". Foto: Paulo Paiva/DP

A disputa pela Paixão de Cristo do Recife, capitaneada pelo produtor Paulo de Castro e Lilian Pimentel (filha de José Pimentel), ganhou mais um episódio nesta semana. Uma liminar assinada pelo desembargador Roberto da Silva Maia, da Primeira Câmara Cível do TJ-PE, proferiu que a Associação de Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), presidida por Paulo de Castro, poderá realizar uma peça sobre a trajetória de Jesus desde que não utilize o nome de José Pimentel ou o título Paixão de Cristo do Recife. 

A informação difere de uma notícia publicada no Diario de Pernambuco nesta sexta-feira (12), alegando que a justiça havia derrubado a liminar e "concedido do direito a Paulo de Castro para realizar a Paixão de Cristo do Recife". Um direito de resposta foi solicitado pela defesa de Lilian Pimentel.
 
A ação do desembagador se trata de um "agravo de instrumento" que atinge uma decisão interlocutória proferida pelo juíz Valdereys Ferraz Torres de Oliveira, da 17ª Vara Cível da Capital, que proibia o produtor e a Apacepe de utilizarem o nome ou imagem de Pimentel e realizarem uma peça intitulada Paixão de Cristo: a Paixão de Pimentel. A medida judicial foi resultado de uma ação da filha e herdeira do ator, que entrou na justiça em dezembro de 2018 para impedir a encenação da montagem.

O novo documento compreende que a história da Paixão de Cristo pertence aos ditos bíblicos, ligados a fé cristã, e está situado no âmbito do domínio público, sem nenhum peso hereditário, podendo ser executada por qualquer pessoa. No entanto, continua considerando que a realização da Paixão de Cristo do Recife criada por José Pimental (incluindo seus textos de encenação, a utilização do nome e sobrenome do autor e título do espetáculo) pendente da autorização de sua família.

Sendo assim, a Paixão de Cristo da Apacepe será encenada com o título Paixão do Recife a Jesus, a Luz do Mundo. Contará com um novo elenco e texto mais simples, "com maior identificação do povo, através da utilização de linguagem mais simples". Nesta montagem, Bruno Garcia ficará com papel de Jesus. 

De acordo com o advogado da Apacepe, Gilberto Marques, a Paixão do Recife a Jesus, a Luz do Mundo será realizada no Marco Zero, local em que Pimentel encenou sua peça durante décadas. "Já pedimos a autorização para a Prefeitura do Recife desde abril ou maio de 2018". Ele ainda explica que a autorização da Gama Produções, que realizou o espetáculo em 2018, foi específica para aquele ano.

Lilian Pimentel, atual detentora dos direitos da Paixão de Cristo do Recife, vai realizar a peça original tendo Hemerson Moura no papel de Jesus. O ator foi escolhido em um concurso feito por José, antes de sua morte em 14 de agosto.

Rodrigo Scholtz, advogado da família Pimentel, ressalta que ainda não recebeu a intimação pelo agravo de instrumento de Roberto da Silva Maia. "Ficamos sabendo disso através da notícia do Diario. De qualquer forma, a liminar nos beneficia já que nos dá o direito sobre a memória intelectual. Qualquer pode fazer a Paixão de Cristo, mas não a Paixão de Cristo do Recife".
Confira na íntegra a liminar:

PRIMEIRA CÁMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0015385-76.2018.8.17.9000

AGRAVANTES: associação dos produtores de artes cênicas de pernambuco
AGRAVADAS: lilian de oliveira pimentel e outra

Relator: Des. ROBERTO DA SILVA MAIA 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA/OFÍCIO N.
006/2019 - GDRM

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão interlocutória proferida pelo juízo da 17ª Vara Cível da Capital - Seção B, o qual, na ação de obrigação de fazer e não fazer c/c tutela de provisória de urgência de n. 0054682-38.20188.17.2001, deferiu o pleito liminar formulado para determinar aos réus/agravantes que se abstenham de fazer citar, compartilhar, convocar pessoas, expor, escrever, homenagear, inscrever, angariar patrocinios, divulgar na imprensa, em redes sociais ou fora delas, utilizar a imagem, o nome o legado e a obra de José de Souza Pimentel e, via de consequência, não promover o espetáculo intitulado Paixão de Cristo: a paixão de Pimentel, bem como a realizarem convocação geral no prazo de 20 (vinte) dias, visando à comunicação dos interessados acerca da desistência da realização do evento por eles, através da publicação em 02 (dois) jornais de grande circulação, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o descumprimento da obrigação de realizar convocação geral, e de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por espetáculo promovido.

Em suas razões recursais, os agravantes defendem que a história da Paixão não veio de Fazenda Nova para o Recife, mas pertence aos ditos bíblicos e à fé cristã, à História. Está, portanto, situada no âmbito do domínio público.

Acrescentam que a forma de contar “não guarda o condão hereditário” e que o novo espetáculo se chamará “Paixão do Recife a Jesus, a Luz do Mundo”. 

Requerem a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, para que a decisão seja suspensa, a fim de que os agravantes possam livremente realizar, dirigir e produzir, em sua plenitude, a Paixão de Cristo do Recife, com a denominação que entenderem, inclusive “Da Paixão do Recife a Jesus, a Luz do Mundo”, desde que não utilizem o nome de José de Souza Pimentel.

É o que interessa relatar, para os fins da presente decisão.

DECIDO.

Como é sabido, a atribuição de efeito suspensivo a agravo de instrumento requer a análise dos requisitos constantes do art. 300, caput, do CPC[1], quais sejam, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e a probabilidade do direito.

O perigo de dano, a meu ver, é patente. O espetáculo conhecido como “Paixão de Cristo da Recife”, que é tradicional na celebração do período de Semana Santa local, apresenta uma produção de elevadíssima magnitude e cuja realização depende de verbas de patrocinadores públicos e privados, além de um planejamento de médio prazo minucioso, porquanto seus bastidores movimentam uma série de fornecedores, trabalhadores, transportadores etc.

E dizer, não se organiza uma peça de tamanha grandeza sem disponibilidade razoável de tempo, tempo este que, no presente caso, corre em desfavor dos interessados.
Por outro lado, a grande repercussão cultural, social e econômica da exibição da peça com inspiração bíblica toma de interesse público sua continuidade, vez que mantém a tradição cultural da cidade do Recife, ligada à fé religiosa de parte de sua população. Nesse cenário, merecem proteção específica os bens jurídicos mencionados, que já são tutelados pelo ordenamento jurídico constitucional pátrio.

A probabilidade do direito, por sua vez, também reputo existente, ainda que parcialmente.

A parte agravada, na origem, suscita a autoria do saudoso José Pimentel sobre os textos da encenação da Paixão de Cristo do Recife”, a utilização do sobrenome do ator, autor e produtor no título do novel espetáculo e destaca a inexistência de autorização, seja dele, quando em vida, seja de sua família, após sua morte.

É sabido que a essência da Paixão de Cristo, enquanto peça teatral que retrata a via crucis vivida por Jesus Cristo desde sua prisão pelos romanos até sua ressurreição, é retirada do texto da Bíblia Sagrada, livro religioso base da profecia cristã sem autoria definida e, portanto, de domínio público, nos termos do art.45, II, da Lei n. 9.610/98[2].

A dramatização dessa passagem bíblica, portanto, pode ser executada por qualquer pessoa, física ou jurídica, sem preocupar-se com a atribuição de sua autoria ou com qualquer tipo de indenização. Esse ônus, portanto, cabe somente às obras que se insiram fora do âmbito do domínio público, consoante se observa do art. 33, caput, da Lei n. 9.610/98[3], em interpretação a contrario sensu.

A legislação de regência, todavia, protege os direitos do autor que haja laborado com criação intelectual. Com efeito, o diploma legal sob análise insere as adaptações e outras transformações de obras originais, desde que apresentadas como criação intelectual nova, dentro do espectro de proteção do direito autoral (art. 7º, XI[4]).

No caso em apreço, não há qualquer divergência sobre a autoria do texto encenado n’A Paixão de Cristo do Recife até o ano de 2018: a parte autora/agravada afirma e a parte ré/agravante não nega que o texto documentado nos autos originários sob IDs 38725039, 38725041, 38725042 e 38725043 e datado de janeiro de 1995 é, sim, de autoria do próprio José de Souza Pimentel, o que é corroborado pelo próprio documento de IDs 38725114 38725116, que traz a ficha técnica do espetáculo, da qual consta a própria APACEPE - Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco, agravante, na qualidade de produtora e José Pimentel, entre outras funções, como autor do texto. Há, inclusive, a ressalva de que o texto da Paixão de Cristo do Recife será diferente daquele encenado em Fazenda Nova - também de autoria de José Pimentel -, com maior identificação com o povo, através da utilização de linguagem mais simples, menos rebuscada. 

Veja-se, portanto, que a elaboração da Paixão de Cristo do Recife foi dotada de originalidade criativa, de modo que não se poderá afirmar que seu texto é um plágio daquele que, à época servia de base para a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, nem mesmo que o fato de ser inspirada nos versículos bíblicos a mantém no domínio público.

Ao contrário, o art. 14 da Lei n. 9.610/98[5] é claro ao atribuir o status jurídico de titular de direitos do autor àquele que adapta obra caída no domínio público, o qual só poderá se opor a outra adaptação se esta se verificar como sendo uma cópia da sua. Outros sim, os direitos intelectuais independem de registro, que é facultativo (arts. l8[6] e 19[7] da Lei n. 9.610/98).

Nesse diapasão, é clarividente que a utilização do texto criado por José Pimentel, anexado ao processo originário, requer autorização sua e, diante de seu falecimento, de sua família, por força da transmissão dos direitos relativos à obra (arts. 22[8]; 24, incisos I a IV e êlº[9]; 28[10]; e 29, I e VIII, g[1 1], todos da Lei n. 9.610/98).

A inexistência da mencionada autorização expressa, portanto, fulmina qualquer tentativa dos agravantes de se utilizarem da obra original para contracena-la no espetáculo pretendido.

Ultrapassada essa questão, a demanda recursal trata, ainda, do nome a ser dado ao espetáculo.

Sem delongas, os arts. 12[12] e 20[l3] do Código Civil, cujos parágrafos únicos legitimam os parentes neles arrolados, conferem ao lesado o direito à reparação pela violação de direitos da personalidade e pelo uso não autorizado de imagem.

Complementando os referidos dispositivos legais a Súmula 403/STJ prescreve que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

Dessa forma, acaso obtenham sucesso em conseguir viabilizar a encenação da peça visada, não poderão os agravantes, sem autorização da família de José de Souza Pimentel, utilizar nome, imagem ou qualquer escrito a ele referentes.

Por fim, em relação ao nome a ser atribuído à nova obra artística almejada, pelo princípio da autonomia da vontade, podem os agravantes a nomear da maneira que bem entenderem.

Todavia, é importante registrar que em 02.01.1997 a Sociedade Teatral de Fazenda Nova formalizou o depósito do registro da marca “Paixão de Cristo” tal como notoriamente conhecida através dos informes publicitários amplamente divulgados, pedido este que foi concedido em 21.05.2002, nos autos do processo n. 819832324, que tramitou no INPI - Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. O prazo de vigência da exclusividade expira em 22.05.2022.

Referida exclusividade, ainda, foi deferida na modalidade mista, razão pela qual engloba não apenas a exclusividade figurativa, mas também a nominativa[ 14].

Destarte, muito embora o nome Paixão de Cristo seja livremente utilizado em diversas exposições cênicas por todo o Brasil, é importante destacar que a detentora da exclusividade de sua utilização é a Sociedade Teatral de Fazenda Nova, razão pela qual não poderão os agravantes obterem autorização judicial para se utilizarem do conjunto de palavras registrado.

Diante do exposto, defiro parcialmente a tutela provisória recursal requerida para que os agravantes possam encenar o espetáculo inspirado na via crucis sofrida por Jesus Cristo, com inspiração bíblica, desde que, salvo autorização expressa de autor ou sua família, acaso aquele seja falecido, se utilizem de texto original, ainda que adaptando as narrativas religiosas para o contexto artístico.

Ainda, deverão abster-se de utilizar ou fazer referência a, ainda que com intenção de homenagem, o nome, a imagem, escritos e qualquer elemento que remeta à memória ou obra de José de Souza Pimentel, relacionados ou não com a peça “Paixão de Cristo do Recife”.

Por fim, os réus deverão, ainda, atribuírem ao pretenso espetáculo título que não ameace ou viole a exclusividade concedida pelo INPI à Sociedade Teatral de Fazenda Nova no processo de registro n.819832324.

Intime-se a parte agravada para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias.

Oficie-se o juízo da 17ª Vara Cível da Capital - Seção B, comunicando o deferimento parcial da pretensão liminar recursal.

Após, à conclusão.

Cópia da presente servirá como ofício.

Publique-se. Intimo-se. Cumpra-se.

Recife, 09 de janeiro de 2019.

Roberto da Silva Maia

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