Superação

Pedro de Lucena: menino com autismo não-verbal é promessa como escritor

Trabalho de Pedro será publicado em coletânea de textos da Oficina Literária Paulo Caldas, a ser lançada nesta terça-feira (27).

Publicado em: 27/11/2018 08:17 | Atualizado em: 28/11/2018 21:20

Pedro de Lucena escreve com metodologia de comunicação alternativa e é hábil com as palavras. Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP (Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP)
Pedro de Lucena escreve com metodologia de comunicação alternativa e é hábil com as palavras. Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP (Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP)

Sentado em uma cadeira plástica, Pedro de Lucena balança a perna por baixo da mesa na qual está apoiado um tablet. A partir de estímulos sensoriais dados por um pedagogo que o acompanha, ele começa a digitar letra por letra no equipamento. “Eu devo dizer definitivamente que a fama está chegando”, reproduz, depois de alguns minutos, a voz mecânica que traduz às pessoas ao redor o bom humor do menino de 20 anos sobre a entrevista que está concedendo. Pedro é autista não verbal, condição que compromete o desenvolvimento da fala e está presente em 25% das pessoas inseridas no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

Durante mais da metade da vida, viveu sem conseguir expor suas ideias para o mundo exterior. Nesta terça-feira (27), dá mais um passo como uma promessa da escrita pernambucana, ao lançar um trabalho na nova coletânea de textos da Oficina Literária Paulo Caldas. Até o fim da infância, os pais sequer sabiam se Pedro conseguia ler. Como o menino não falava, a comunicação restrita a gestos simplificava a convivência a um jogo de incompreensões.

Aos 12 anos, Pedro e a família foram apresentados à comunicação facilitada, uma metodologia da comunicação alternativa baseada em técnicas de apoio físico, comunicativo e emocional que estimulam a exposição de pensamentos por meio da escrita. O processo de escrever é acompanhado por um profissional e realizado com um aparelho eletrônico como um tablet.

Desde então, Pedro começou a transpor seu mundo em texto e descortinou aos pais uma versão de si surpreendente. “Percebemos que ele compreendia o que era apresentado na escola e desenvolveu uma capacidade intelectual e de pensamento evoluída, um vocabulário erudito”, conta o economista e servidor público Carlos Lucena, 46, pai de Pedro. Uma das formas encontradas de estimular o garoto a continuar a escrever depois da conclusão do ensino básico foi matriculá-lo em aulas de prosa e poesia. Pedro passou a ter aulas online na oficina que o escritor Paulo Caldas ministra há oito anos e cujo objetivo é apresentar aos alunos as teorias e práticas das técnicas de produção literárias.
Escritor Paulo Caldas ministra oficina há oito anos e celebra nova coletânea de textos. Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP (Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP)
Escritor Paulo Caldas ministra oficina há oito anos e celebra nova coletânea de textos. Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP (Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP)

Foi apresentado aos conceitos de personagem, cena, cenário e diálogo. Descobriu que melhor do que adjetivar é descrever as ações e sequências. Está entendendo o que faz a inspiração se transformar em processo criativo e como aplicar técnicas para seduzir o leitor. Com aulas semanais, passou a escrever textos que eram lidos pelos alunos das classes presenciais e discutido por escritores iniciantes e profissionais. “Ele, aleatoriamente, já usa técnicas que um escritor de certa experiência também usa. É hábil na construção de metáforas e de símiles. A primeira vez que li um texto de Pedro já trouxe logo para a aula, era impressionante”, descreve Paulo Caldas.

Uma das produções de Pedro é o conto Viajante do Silêncio, um dos 28 trabalhos que compõem a coletânea Vinte e oito cantos de solidão, fruto da oficina literária. O livro será publicado na noite desta terça, às 19h30, no Clube Alemão de Pernambuco. As reuniões, ao longo de oito anos, já fomentaram a publicação de cerca de 30 livros. Por lá, passaram nomes como André Balaio, vencedor do Off FLIP 2016, e Rômulo César Melo, vencedor do segundo prêmio Pernambucano de Literatura e finalista do Lima Barreto, da Academia Carioca de Letras. Pedro, que lançou neste ano o e-book de poesias Parabólicas e tem sete poemas publicados na Revista Subversa de Literatura Luso-Brasileira está entrando em um time de escritores com 11 menções em prêmios. Se depender dos elogios que vem atraindo, ele está certo sobre a chegada da fama.
 
Prêmios da Oficina Literária 
André Balaio venceu o Off FLIP 2016 (contos);
Paulo Caldas, ao lado de João Gratuliano e Camilla Inojosa, foram finalistas dos prêmios Edmir Domingues (poesia), Vânia Carvalho (romance) e Elita Ferreira (literatura infantil) da Academia Pernambucana de Letras.
Camilla foi finalista também dos prêmios Ganymédes José, da UBE-RJ e do Carlos Drummond de Andrade (poesia) do SESC Brasília; 
Rômulo César Melo venceu o segundo prêmio Pernambucano de Literatura, foi finalista do Lima Barreto, da Academia Carioca de Letras, do prêmio Paulo Leminski do governo do Paraná; 
José Leão venceu o prêmio 40 anos da Sobrames – PE (contos) 
Flávia Suassuna conquistou o prêmio Cidade do Recife (romance)

Outras produções da Oficina Literária
Nos últimos seis anos, a Oficina lançou as coletâneas “Viva Carrero” (2014), uma homenagem a Raimundo Carrero, com 47 participantes; “Todo Amor Vale a Pena” (2015); “O Dito pelo não dito” (2016) e “Insólitos” (2017). Além desses, em 2013, durante a Fliporto/Olinda, a Oficina produziu o lançamento coletivo de livros dos participantes: “Amor e Traição” (de Maria Duarte), “Doce Amargo” (de Newma Cunha), “Minimalidades” (de Rômulo César Melo), “Na escuridão das brenhas” (de Roberto Beltrão), “Presenças” (de Maria Batista Almeida) e “Um Certo Capitão Vidraça” (de Márcio de Mello).A Oficina, durante esse período, motivou os participantes a lançaram livros de forma individual; sendo assim, vieram a público “O Primeiro Natal da Rainha Benquerer” e “Guerreiro papa-léguas” (Antônio Carlos do Espírito Santo); “Círculo Amoroso”, “Porto dos Amantes” e “Os olhos do dono” (Paulo Caldas); “Sete Assombrações em retratos falados” (Roberto Beltrão); “O olho do Leviatã” (Marcello Trigo); “Dois nós na gravata”, “Bad Trip” e “O Colecionador de Baleias” (Rômulo César Melo); “Quebranto”, “Assovios da Mata”, “Malassombro”, “A Maldição Circular”, “Algumas Assombrações do Recife Velho” (André Balaio); “Lápis mágico”, “Antônio com ‘m’” e “Interrogação” (Camilla Inojosa); “Encontro de contos em cada canto”, (Aldemiro Lima) e “Encruzilhada das Lembranças” (Glauce Brennand).
 
Um texto para Maria Bethânia

Pedro busca inspiração para os próprios textos na vida, explica. Geralmente, escreve são sobre as angústias que vive, as descobertas que a comunicação têm proporcionado e reflexões sobre o mundo que o circunda. Ele tem aulas pela manhã, com a ajuda de dois facilitadores, e desenvolve os textos também a partir de conversas que tem com eles ou por estímulos que nascem das aulas. É o caso do texto quietude, que escreveu depois de ouvir a voz da cantora Maria Bethânia. Uma das metas dele é fazer com que o material chegar às mãos da cantora. 

Leia abaixo o texto:

Quietude

Acalma minha alma com a paz do teu cantar
Me envolve com teu sossego até raiar o sol
Afasta de mim o medo do desprezo e da solidão de
um coração vazio e sem ninho para repousar

Quero a quietude dos acordes da tua voz
Embalando minhas ilusões de menino e
minha indolência jovial
Seguirei as ondas do teu canto magistral
Como um errante Dom Quixote em busca da sua
Dulcineia armorial

Decifras minhas reais intenções
através do enigma do burburinho ressonante das 
palavras exatas do teu cantar. Que às vezes sem 
nexo encontra o côncavo e o convexo do meu
simples caminhar

E assim me reencontro, me refaço e volto ao meu 
estado de ser original.  
 
Serviço
Lançamento da coletânea de textos da Oficina Literária Paulo Caldas.
Vinte e oito cantos de solidão (Edições Bagaço) – R$ 30 (130 páginas)
Horário: nesta terça-feira (27), às 19h30
Local: Clube Alemão de Pernambuco - Estrada do Encanamento, 216, Parnamirim 
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