Música

'Não se pode cair no quanto pior melhor. Temos que ajudar o Brasil', diz Caetano Veloso

Depois de apoiar as candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), o cantor defende a 'oposição vigilante e responsável' ao governo Jair Bolsonaro

Publicado em: 21/11/2018 11:31

"Chico Buarque, o mais leal petista da nossa música popular, nunca usou a Lei Rouanet. Eu próprio nunca a usei diretamente". Foto: François Guillot/AFP

Depois de apoiar as candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT) à Presidência da República, Caetano Veloso defende a “oposição vigilante e responsável” ao governo Jair Bolsonaro, em entrevista ao Estado de Minas/Diario. O cantor e compositor critica a postura do “quanto pior, melhor” e avisa: “Temos que ajudar o Brasil e seus representantes a permitirem o prosseguimento da maturação da democracia entre nós”. Confira a conversa na íntegra:

Na campanha presidencial, você militou ativamente nas redes sociais e palanques. O que significa a vitória de Jair Bolsonaro, futuro presidente da República? Em artigo publicado no New York Times, antes da votação, você afirmou que o país enfrentava a “tempestade de conservadorismo populista”. O que você espera, já que a maioria da população escolheu e apoia Bolsonaro?
Fiz campanha para Ciro Gomes no primeiro turno e pra Haddad no segundo. Não gostei da jogada do PT de manter até quase o fim a candidatura simbólica de Lula e de colocar Haddad numa situação difícil – da qual, aliás, ele saiu engrandecido. Que tenha havido segundo turno e que este tenha chegado a assustar a direita, que era obviamente destinada à vitória, é muito significativo. Houve uma mudança na cena política no espírito das manifestações de 2013, que pediam que se encerrasse o ciclo da “velha política” e foi crescentemente inclinando-se à direita. Agora o presidente do Brasil é Bolsonaro. E eu o respeito como tal. Uma oposição vigilante e responsável deve poder se mover. O que não se pode é cair num “quanto pior, melhor”. Temos que ajudar o Brasil e seus representantes a permitirem o prosseguimento da maturação da democracia entre nós. E a afirmação do nosso estilo peculiar.

Como você avalia a posição de Ciro Gomes na campanha do segundo turno e depois de abertas as urnas? Ele não parece inclinado a apoiar a união das oposições ao governo Bolsonaro. Disse ter sido “miseravelmente traído por Lula e seus asseclas”. A oposição vai se dispersar antes mesmo da posse do presidente eleito?
Gostei quando Ciro, depois do resultado da eleição, disse que não era homem de mágoa, que fazia política. Depois me engajei na campanha de Haddad, coisa que ele não fez. Mas agora acho que a posição dele pode coincidir com o que eu disse antes: armar uma oposição que não seja submissa à hegemonia do PT. Mas nunca me tornei antipetista.

Na sua opinião, por que Ciro Gomes, Fernando Haddad e as forças à esquerda foram derrotados nas eleições presidenciais? Onde erraram? Naquele comício carioca, Mano Brown advertiu o PT para o fato de ter se desconectado das bases. “Se não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”, advertiu o rapper. Você concorda?
No dia mesmo do comício da Lapa, só falei porque Brown tinha dito aquelas coisas. A maioria das pessoas na rua reagia de modo negativo à atitude de Brown. E eu, que achava que o que ele dizia tinha muito a ser aproveitado e que não podia servir apenas como sinal de fracasso do comício, quis falar imediatamente depois dele para que o evento pudesse prosseguir e se enriquecer com o que ele tinha dito. Acho que Brown foi bem Mano Brown naquela hora. Ele não podia não ser diferente da turma de artistas que, no Rio, queriam apenas abrilhantar o comício de Haddad e Manuela. Ele trouxe a notícia de que, na área de onde ele vinha, em São Paulo, as pessoas próximas tinham se desligado do PT. Ou o PT tinha se desligado delas. De fato, no Capão Redondo, Bolsonaro teve mais votos do que Haddad. Os números não escondiam: quanto mais alta a renda e a escolaridade, maior o apoio a Bolsonaro: havia um corte de classe nítido. Mas em áreas da periferia e das favelas de São Paulo e do Rio – assim como em pequenas bolsas no Nordeste –, a adesão a Bolsonaro e a recusa da “velha política” se vez ver.

Tudo indica que o Ministério da Cultura (MinC) será extinto, transformado em uma secretaria do Ministério da Educação. No início do governo Temer, a mesma ideia foi defendida pelo Planalto, mas houve recuo depois da pressão da classe artística. O que vai ocorrer se Bolsonaro levar a extinção adiante? Há possibilidade de um diálogo dos artistas com o presidente eleito? Bolsonaro e seus aliados também têm criticado duramente a Lei Rouanet.
As críticas à Lei Rouanet são tão frequentemente absurdas que nem dá para discutir aqui. Criou-se um mito – no sentido exato do termo – de que artistas mamam nessa lei e por isso votam no PT. A lei é de incentivo fiscal para quem põe dinheiro em produção cultural. Foi criada no governo Collor por Rouanet (Sergio Paulo Rouanet, diplomata e filósofo carioca, ex-secretário nacional de Cultura), que foi chamado pra tentar salvar a área da devastação que o primeiro ministro do MinC de Collor tinha trazido para o cinema e o teatro. Chico Buarque, o mais leal petista da nossa música popular, nunca usou a Lei Rouanet. Eu próprio nunca a usei diretamente – houve um contratante, que, aliás, não me pagou o que me deve, que pedia incentivo para as turnês que produzia. Parece que não vai haver Ministério da Cultura no governo Bolsonaro. Mas a cultura se move. E mesmo a Lei Rouanet pode ser reaproveitada por Paulo Guedes e seus superliberais em outras pastas.

Como você avalia o fato de o juiz Sérgio Moro assumir um ministério no governo Bolsonaro? Ele vai para a pasta da Justiça, diretamente ligada a questões envolvendo censura. Vários artistas temem a volta de limitações à liberdade de expressão. Se for necessário, você topa conversar com o ministro Moro sobre a censura? 
Agora só podemos avaliar sua atuação no cargo. Claro que é impossível não se buscar conexões entre a velocidade com que se tirou Lula, então favorito, do jogo eleitoral, o rendimento impressionante dos casos do apartamento em Guarujá e do sítio em Atibaia, com a elevação de Moro ao status de ministro logo depois da eleição. Qualquer esquerdista, petista ou não, que demonstre desconfiança não merece ser chamado de meramente paranoico. O que não quer dizer que a Lava-jato não trouxe nova visão do perfil das punições penais no Brasil. Antes era impossível imaginar alguém rico ou poderoso na cadeia. Esperemos para ver como Moro se sai no enfrentamento da corrupção e do crime organizado. E claro que, se houver censura de qualquer tipo, estou disposto a conversar com quem quer que seja sobre a questão. Acho que todos os criadores, jornalistas e professores devem reagir a projetos de censura. Espero que Moro não tenha inclinação para esse tipo de coisa.
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