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'Não esmoreçam e fiquem de pé', diz trecho de Bandeira da Fé, canção título do novo disco de Martinho da Vila

Lançado em meio à turbulência política, álbum exalta a mulher, o samba, o carnaval e a negritude

Publicado em: 29/10/2018 15:10

'O Brasil está confuso, todo mundo anda muito raivoso e as pessoas acabam ficando meio doentes com isso', diz o sambista, sobre cenário político do Brasil. Foto: Leo Aversa/Divulgação


Em fevereiro último, quando completou 80 anos, o sambista Martinho da Vila lançou o álbum Alô, Vila Isabeeeel!!! (Sony Music), em homenagem à escola de samba homônima, e anunciou que aquele seria o seu derradeiro disco. No entanto, para a alegria dos fãs, o cantor voltou atrás e lançou, na última sexta-feira (26), o CD Bandeira da fé (Sony Music), com canções que exaltam a mulher, o samba, o carnaval e a negritude. O 48º álbum de Martinho vem para celebrar a idade redonda e colocar em pauta temas importantes e ainda atuais que marcaram a sua carreira. “Eu não pretendia mais gravar, porque estamos em uma fase de transição na indústria fonográfica. Hoje em dia, o disco físico já não rola muito. Quando você compra um carro novo, por exemplo, não vem nem com toca-discos. O lance agora é gravar uma música ou duas e colocar na internet”, explica o músico, que mudou de ideia após sua gravadora sugerir um álbum comemorativo. 

O já conhecido samba que dá nome ao disco foi composto por Martinho e Zé Catimba no período das Diretas Já. A música foi lançada por Luiz Carlos da Vila em 1983 e, no ano seguinte, regravada por Agepê. Para esse novo trabalho, o artista mudou algumas palavras da faixa e chegou ao conceito do álbum. “Eu revirei o baú e trabalhei nessas músicas que estavam guardadas. Quis falar das coisas que eu falo sempre e registrá-las mais uma vez. Ainda tem algumas canções engavetadas que não entraram nesse disco”, revela. 

Um dos trechos da música Bandeira da fé diz: “Vamos levantar a bandeira da fé / Não esmoreçam e fiquem de pé / Pra mostrar que há força no amor / Vamos nos unir que eu sei que dá jeito / E provar que nós temos direito / Pelo menos à compreensão”. A canção ressurgiu às vésperas da eleição presidencial, em que tanto se discutiu a importância da democracia e da liberdade de expressão. “Eu pensei no momento atual do Brasil e me lembrei dessa composição, que fala da fé no sentido de acreditar que tudo vai dar certo. E a gente está precisando muito dessa fé”, observa. 


Questionado sobre a política do nosso país, o artista, que visitou o ex-presidente Lula em Curitiba, preferiu não atestar o seu posicionamento. “O Brasil está confuso, todo mundo anda muito raivoso e as pessoas acabam ficando meio doentes com isso. Por isso, não participei de nada, não dei apoio a ninguém e fiquei só cuidando da minha vida particular e profissional”, esclarece. 

Neste novo CD, Martinho divide os vocais com o filho Tunico da Vila (Baixou na avenida) e com as filhas Mart’nália (A tal brisa da manhã) e Juju Ferreirah (O sonho continua). Essa última música conta ainda com a participação do rapper Rappin’ Hood. “Ele e a Juju fizeram um rap, mas estavam enrolados para terminar. E aí perguntaram se eu não queria entrar nessa parceria. Topei, mexi um pouco nela e saiu essa mistura de samba com rap em uma letra que fala sobre a negritude”, explica.

Disco conta com participações do rapper Rappin' Hood e da jornalista Glória Maria. Foto: CG

Além dos filhos e do rapper paulistano, o músico convidou a jornalista Glória Maria para narrar versos da canção Ser mulher. “Eu quis fazer uma grande mistura nesse disco e resolvi colocar poesia junto com a música. Escrevi Ser mulher e percebi que a Glória Maria se encaixava perfeitamente nela, por ser mulher, negra e com filhas adotivas (a poesia fala de adoção). Eu dei um toque para ela, que é minha chapa, e ela adorou a ideia. Não se trata de uma poesia declamada, ela é falada ritmicamente”, comenta. 

PERNAMBUCO
Em dado momento da entrevista ao Viver, Martinho perguntou com bom humor: “Está tudo certo na minha terra?”, referindo-se a Pernambuco, estado pelo qual ele nutre um carinho especial. Vale ressaltar que o sambista já foi condecorado cidadão honorário do município de Jaboatão dos Guararapes e homenageou Pernambuco na música Onde o Brasil aprendeu a liberdade, do disco Batuque na cozinha (1972). 

No novo álbum, a faixa Baixou na avenida presta um tributo ao frevo e às tradições da folia pernambucana. “Essa música nasceu há três anos para ser um samba-enredo da Vila Isabel, quando o tema foi Memórias do pai Arraia, que homenageava Miguel Arraes. Mas eu queria misturar o frevo com o samba e os parceiros acharam que o caminho era outro. Coloquei nesse disco do jeito que ela tinha que ser, com a primeira parte com mais frevo, e a segunda com mais samba”, finaliza. Bandeira da fé foi produzido pelo próprio Martinho e conta com os músicos Gabriel de Aquino (violão), Alan Monteiro (cavaco), Gabriel Policarpo (percussão), Bernardo Aguiar (também na percussão) e João Rafael (baixo acústico).


ENTREVISTA - MARTINHO DA VILA » Cantor e compositor

O que você está preparando para a turnê do disco Bandeira da fé
Eu fiz aniversário em fevereiro, mas a festa continua o ano inteiro. O disco será lançado em um show inusitado e diferente, no dia 3 de novembro, no Theatro Municipal do Rio. A primeira parte vai ser dedicada ao novo disco, e a segunda parte aos sucessos da minha carreira. Depois, em dezembro, levo o show para São Paulo e não vejo a hora de ir para Pernambuco também. Quando tocar Baixou na avenida, o público vai ferver. 

Algumas de suas músicas, como Você não passa de uma mulher, Disritmia e Mulheres já foram consideradas machistas. Nos shows, você já chegou a mudar algumas dessas letras. Hoje em dia, você tem mais cuidado com isso no momento da composição? 
Eu penso, escrevo, gravo e pronto. Às vezes, as pessoas não entendem e interpretam de uma forma errônea, mas depois começam a analisar a letra e percebem que não se trata de machismo. Por exemplo, a música Mulheres, hoje, não é mais vista dessa maneira e tem diversas interpretações por aí. 

Você ainda está cursando a faculdade de Relações Internacionais? Por que escolheu este curso? 
Eu fui fazer faculdade porque sou embaixador de boa vontade da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), e a parte prática da relação internacional eu já tenho muito, mas a teoria eu não tinha, então eu fui para a faculdade fazer um curso como ouvinte, que não precisa fazer prova, e está lá só para adquirir conhecimento mesmo. Fiz apenas três anos de curso presencial, porque o quarto ano é como uma especialização destinada para os alunos que desejam ser diplomatas e é neste ano que eles se preparam para as monografias. Como nada disso me interessa mais, fiz os três anos e atingi meu objetivo.
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