Música

Identidade e cosmopolitismo marcam segundo disco do pernambucano Barro

Somos traz o músico como um cancioneiro popular contemporâneo, mesclando raízes regionais com o pop global

Publicado em: 06/10/2018 14:57 | Atualizado em: 24/05/2020 19:36

Somos foi produzido ao lado de Guilherme Assis e Ricardo Fraga, parceiros de Barro desde a estreia solo em Miocárdio. (Foto: Louise Vas/Divulgação)
Somos foi produzido ao lado de Guilherme Assis e Ricardo Fraga, parceiros de Barro desde a estreia solo em Miocárdio. (Foto: Louise Vas/Divulgação)


Em uma atmosfera de forte segmentação da sociedade por questões políticas e sociais, o cantor e compositor pernambucano Barro traz a coletividade como nó para emendar seu segundo álbum de estúdio, lançado nas plataformas digitais no dia 27 de setembro. Somos conta com dez faixas inéditas, explorando ainda mais o cosmopolitismo consagrado em Miocárdio (2016) para abordar relações humanas, identidade e reflexões sobre a atualidade. “Somos do tempo do recomeço, do retrocesso [...] Somos futuro do imperfeito, do presente, passado obscuro”, diz o refrão da canção que intitula o disco.

Resgatando raízes nordestinas sem desligar suas antenas sintonizadas com o pop global, Felipe Barros assume a posição de “cancioneiro popular contemporâneo”. O álbum traz todo o potencial lírico regional para uma era eletrônica dominada por sintetizadores, samples e processamento de voz. Logo na abertura, é possível sentir o coco de roda, enquanto os tradicionais folguedos tomam conta de Cavalo Marinho, feita em parceria com Hugo Linns.

Semblantes de Alceu Valença, Marco Polo, Lula Côrtes e Lenine estão estampados em Não vim para passar batido, gravada com Jéssica Caitano - o artista define a faixa como um “crossover” entre Dominguinhos e Massive Attack.

Apesar de flertar com o universo digital, Barro não abandonou a proposta do consagrado álbum “conceitual” e “amarrado”, fazendo os ouvintes degustarem uma história com início, meio e fim - algo que tem se perdido com a efemeridade do consumo via streaming. A capa do disco eterniza uma ilustração de Apolo Torres, pintada em um muro do bairro do Torreão, na Zona Norte do Recife.

Somos foi produzido ao lado de Guilherme Assis e Ricardo Fraga, parceiros de Barro desde a estreia solo em Miocárdio. As sessões foram realizadas em estúdios do Recife, Triunfo e São Paulo entre setembro de 2017 e maio de 2018. A ficha técnica ainda conta com nomes como Dengue (Nação Zumbi), Chiquinho (Mombojó), Sofia Freire e a franco-senegalesa Anaïs Sylla. Mariana Aydar e Amaro Freitas também aparecem como parceiras. A mixagem foi de Gustavo Lenza, com masterização de Felipe Tichauer - dupla que já foi consagrada com o Grammy Latino.

Outro fator importante é que o lançamento vem dois anos após o álbum de estreia, responsável por colocar o recifense na rota de festivais de destaque da cena alternativa nacional. Apesar de já ter experiência de quase dez anos na Bande Dessinée, foi esse cotidiano de shows solos ao lado de Guilherme e Ricardo que amadureceu o trio de músicos como produtores. Isso tornou o álbum ainda mais aberto para experimentações e possibilidades, fincando Barro como um relevante nome para a cena musical.

Entrevista - Barro, cantor

 (Foto: Louise Vas/Divulgação)
Foto: Louise Vas/Divulgação


Como você explica o conceito que rege o álbum?
É sobre coletividade. Estamos vivendo um momento muito enfático da história, em que há uma segmentação extrema de pessoas pelas questões políticas e tudo mais. Isso já vem de um tempo. Para mim, é importante falar sobre essa dimensão coletiva, tanto do ponto de vista de um encontro “entre dois” ou como sociedade. No âmbito da sonoridade, eu quis explorar mais esse lado dos programadores, sintetizadores, samples e processamento de voz. O álbum cria essa atmosfera mais eletrônica.

Miocárdio foi um disco mais orgânico. Por que decidiu investir nessa sonoridade mais eletrônica neste trabalho?
A minha vontade era de criar uma sonoridade que pudesse trazer vários elementos. Tem músicas que partem de sintonias e ideias simples, mas quando você cria essa textura sonora ousada, o resultado termina sendo mais inovador. Eu costumo dizer que a faixa Eu só queria é um crossover entre Dominguinhos e Massive Attack. Existe esse universo do Sertão, do cancioneiro lírico e poético, e que ao mesmo tempo flerta com o trip hop. Tornar essas junções fiéis e representativas foi um desafio para mim.

Você está na cena musical há mais de 10 anos, mas costuma dizer que amadureceu após gravar Miocárdio. Por que?
Existem amadurecimentos de várias ordens. O que eu mais noto é no canto: como minha voz se mescla com todas essas sonoridades, ocupando esse lugar de vocalista que só apareceu no primeiro disco solo. Agora, eu me sinto mais livre. Também tive mais tempo para experimentar. O álbum também é um encontro entre três produtores musicais: eu, Guilherme e Ricardo. Cada um com suas potencialidades e características. Após o Miocárdio, fizemos vários shows que serviram como laboratórios. Descobrimos inquietações estéticas, quais sons poderíamos usar e explorar.

Em músicas como Seja você e Liberdade, existem discursos sobre identidade. Acha que esse também é um dos temas que norteiam o seu álbum?
Sim. O disco começa com Seja você, que fala sobre o individual, e termina com Somos, que aborda a sociedade. Também há a questão de vivermos em um tempo que possui uma identidade, é um momento em que vivemos juntos. Eu também fiz um percurso de dois anos tocando, expondo, fui me encontrando. Se expor também é a chance de se confrontar com quem você é e quem você quer ser. Quando eu canto “seja você”, também é para mim mesmo.

Na música Não vim para passar batido vemos muito de Alceu e Lenine. Existe uma intenção de se reafirmar como um “cantor popular” pernambucano?
Eu estou falando do meu trajeto. Eu conheci muita gente, pude sair do Recife e ter essa vontade louca de justificar minha existência dessa terra. Essa música tem essa narrativa do cancioneiro nordestino, com toda essa a métrica e jogo de palavras, além de elementos da geografia. O Nordeste é o meu lugar de fala e, ao mesmo tempo, um celeiro importante da música no Brasil. Eu fico feliz de me inscrever de uma nova maneira dentro de um percurso traçado por tanta gente importante. É um orgulho fazer parte disso.

Ouça o disco:


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