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Livro de autores pernambucanos desvenda como o rock chegou no Recife

Pesquisa de Ebis Dias e Fabiana de Oliveira traz textos, fotografias e personalidades que descrevem como a sociedade pernambucana recebeu o ritmo norte-americano na década de 1950

Publicado em: 04/08/2018 14:02 | Atualizado em: 24/05/2020 18:57

A obra é fruto de uma pesquisa que contou com entrevistas, imersão bibliográfica e levantamentos no Arquivo Público do Estado. (Foto: Gabriel Melo/Esp. DP e Diario de Pernambuco/Arquivo)
A obra é fruto de uma pesquisa que contou com entrevistas, imersão bibliográfica e levantamentos no Arquivo Público do Estado. (Foto: Gabriel Melo/Esp. DP e Diario de Pernambuco/Arquivo)

"O Rock’n Roll tem esse poder de entrar no corpo dos jovens e provocar reações de drogas. É um opium musical que ataca os nervos, o coração, a consciência”. O trecho da matéria do Diario da Noite, publicada em 3 de outubro de 1958, pode servir de modelo para entender como a mídia pernambucana reagiu ao início do fenômeno do rock no Recife. O ritmo de origem americana foi recebido com entusiasmo por jovens, ocupou salas de cinema de bairros, salões de festas da alta sociedade e teve certo destaque nas páginas da imprensa local. Além da música, chamava atenção o impacto comportamental importado dos Estados Unidos.

Apesar disso, as narrativas dos livros que propõem uma “historiografia” da música pernambucana não dão enfoque nessa fase específica do rock, ainda na década de 1950. Foi procurando preencher esse vácuo que o professor de música Ebis Dias Santos Filho e a antropóloga Fabiana de Oliveira Lima se uniram para escrever A chegada do rock no Recife nos anos 1950 (Editora UFPE, 187 páginas, R$ 30), lançado neste sábado (4), na loja Passa Disco (Galeria Hora Center, Rua da Hora, 345, Espinheiro), a partir das 15h.

Rock no Aero Clube domina jovens. Diario de Pernambuco, 9 de junho de 1957.
A obra é fruto de uma pesquisa que contou com entrevistas, imersão bibliográfica e levantamentos no Arquivo Público do Estado, resultando em um conjunto significativo de textos, fatos, fotografias e personalidades ligadas aos primórdios do rock no Recife, descrevendo como a sociedade pernambucana recebeu o ritmo. Por aqui, o gênero acabou ganhando muito mais adesão pela influência de filmes de Hollywood do que as bandas propriamente ditas. As películas deram origem a um grupo social que incorporou o estilo de vida personificado em nomes como James Dean e Marlon Brando.

Eram nas salas dos cinemas que os jovens tinham acesso ao cenário cultural do exterior, incorporando questionamentos e anseios dos ianques. Depois que os longas-metragens entravam em cartaz, suas trilhas apareciam nas listas de discos mais vendidos nas lojas recifenses, a exemplo do compacto Rock around the clock, de Bill Halley, tema de O balanço das horas (1957). O rebolado de Elvis Presley era reproduzido em festas no Aero Clube, em Boa Viagem. O local chegou até a realizar competições de dança e de melhor banda. Os jovens da aristocrática Zona Norte daqueles tempos também fizeram eventos de rock no Clube Náutico Capibaribe. Músicos como Geraldo Lemos e Geraldo Rocha davam ritmo às noites. 

Geraldo Rocha e sua banda no Diario de Pernambuco, 11 de janeiro de 1959.
A obra também mostra que a visão da imprensa também acabou se voltando para o fenômeno social da “juventude transviada”, ou dos “play boys” (foi nessa época que surgiu o termo, que é em inglês justamente pela influência estadunidense). Jovens com casacos de couro, topetes e lambretas protagonizaram brigas em clubes e praticavam vandalismos ao patrimônio público. Muitos deles sequer eram punidos por pertencerem a famílias de sociedade pernambucana. Histórias inusitadas envolvendo esse movimento são esmiuçadas no livro, que acaba se tornando uma breve imersão em uma capital pernambucana que tentava adotar o American Way of Life de forma desordenada e desigual.

Entrevista - Ebis Dias Santos Filho e Fabiana de Oliveira Lima // autores do livro

Podemos considerar a chegada do rock no Recife como uma expressão do imperialismo cultural dos EUA na América Latina?
Ebis: Sim. Fazemos uma menção ao Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between the American Republics, órgão criado para fazer com que os governos latinos apoiassem os EUA na Guerra Fria. Após a Segunda Guerra Mundial, chega ao Recife uma propaganda difundida pelos meios de comunicação vislumbrando uma “forma moderna” de vida ligada ao american way of life. Nos jornais, conseguimos encontrar muitas propagandas de empresas como Coca-Cola, Toddy e Jeep. Nas colunas sociais, surgem termos em inglês para se referir à alta sociedade. Ao mesmo tempo, existia outro Recife, marcado pela miséria.

Fabiana: Na verdade, o governo americano não esperava que o rock fosse ter esse efeito fora do país. No começo, também era combatido lá por ser ligado a uma cultura negra e demasiadamente “agressiva” na visão das classes mais altas. Com o tempo, se criaram versões mais leves, com artistas brancos, a exemplo do Elvis Presley, que ainda assim foi bastante combatido. Mas o rock sempre foi contracultura. Surgiu como o efeito de uma juventude que queria ser diferente dos adultos. Com o rock, o jovem passa a ser uma figura enigmática.

A “juventude transviada” foi um fenômeno exclusivo na classe média branca?
Fabiana: Não podemos afirmar isso, mas em maioria, foi sim. Esse fenômeno aconteceu justamente como uma imitação dos teenagers do american way of life. Eram adolescentes que não precisavam trabalhar, pois os pais tinham alto poder aquisitivo. Eles tomavam conta da cidade pela noite, cometiam pequenos delitos, além de casos de violência contra as mulheres. Algumas ocorrências se tornaram extremas, como citamos no livro. Ao analisar os jornais, conseguimos perceber que os nomes de muitos jovens eram suprimidos. Havia um receio que as identidades fossem divulgadas, por serem ligados à classe média alta. A polícia, inclusive, fazia duras críticas aos jornalistas.

O livro cita uma breve competição entre o rock e o frevo. Ela foi de fato relevante?
Ebis: Isso aconteceu por um motivo curioso. Em 1957, a estreia do filme Balanço das horas chamou muita atenção da imprensa mundial porque os jovens dançavam e faziam atos de vandalismo nas sessões. No Recife, essa premiere no cinema São Luiz foi noticiada pelo Diario de Pernambuco como a “Chegada oficial do rock no Recife”. No entanto, nesse mesmo dia, em 20 de fevereiro, ocorreu algo inédito na cena do frevo. A canção Anunciação Nº 1, de Nelson Ferreira, foi a música mais ouvida do país no carnaval. Ao mesmo tempo, a polícia conseguiu abafar os atos de vandalismo no São Luiz. Assim, se criou uma narrativa de que “Pernambuco derrotou o rock”. Mas no geral, não existiu essa disputa naquela década. Os dois gêneros conviveram pacificamente nos clubes.
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