Último ato

Corpo de José Pimentel será enterrado nesta quarta-feira

O ator interpretou Jesus por 40 anos nas Paixões de Nova Jerusalém e do Recife

Publicado em: 15/08/2018 08:22 | Atualizado em: 15/08/2018 12:07

O corpo de Pimentel está sendo velado na Assembleia Legislativa. Imagem: Gabriel Melo/DP

É difícil descobrir alguém que tenha encenado Jesus Cristo mais vezes do que José de Souza Pimentel. Só em Fazenda Nova, no Brejo da Madre de Deus, foram 19 anos com o papel principal na Paixão de Nova Jerusalém, de 1978 a 1996. No ano seguinte, o ator natural de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, idealizou, dirigiu e, claro, interpretou o Messias na Paixão do Recife, no Estádio do Arruda. Resistente, superou dificuldades financeiras, falta de investimentos e chegou a montar reduzidas adaptações em Olinda e no Clube Português, até levar, em 2001, a Paixão ao Marco Zero. Em 2018, após 40 anos como Cristo, ele deixou de ser Jesus pela primeira vez. Ontem, às 9h, José Pimentel teve seu último ato. Faleceu aos 84 anos. O destino tem dessas ironias.

No dia 30 de julho, Pimentel sentiu um cansaço e foi levado ao Hospital Esperança, no Recife, onde ficou internado para diagnóstico e iniciou o tratamento de um enfisema pulmonar. O quadro de saúde se agravou a partir do último dia 8, quando ele foi transferido para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Foi diagnosticado com neoplasia biliar, um tipo de câncer desenvolvido na vesícula biliar, pequeno órgão abaixo do fígado. Respirando com a ajuda de aparelhos e submetido a sessões de hemodiálise, ele não resistiu. Nascido no dia 11 de agosto de 1934, faleceu três dias depois de completar 84 anos. 

O velório ocorreu na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), sob clima de comoção de familiares, amigos, classe artística e fiéis, que tinham nele a imagem de um propagador da mensagem de amor e dedicação para além do personagem. Não por acaso, o corpo foi velado ontem e será sepultado hoje com as vestes branca e vermelha, símbolo do manto sagrado. “Meu pai deixa um legado de luta, trabalho e amor à arte. Ele é um exemplo a ser seguido em diversos ângulos, seja na vida profissional ou familiar. Foram muitos anos dedicados ao teatro, com muito amor, perseverança e o principal, sem nunca desistir”, disse Lílian Pimentel, a única filha do artista.

Hoje, às 8h, um cortejo sairá da Alepe em direção à Capela do Cemitério de Santo Amaro, onde será realizada missa aberta ao público, às 10h. O sepultamento está marcado para as 11h, no mesmo local.

Presente no velório, a secretária de Cultura do Recife, Leda Alves, homenageou o ator e diretor de teatro com quem contracenou nos palcos. “O Recife agradece a Pimentel o fato de ele ter colocado a serviço do nosso povo todos os seus talentos, como homem de teatro, diretor, ator, cenógrafo, técnico de luz e som. Dedicou-se a cada um desses papéis impregnado de paixão e entrega. Esse é o grande exemplo que ele nos deixa”, disse. 

APEGO
Com mais de 60 anos de carreira artística, José Pimentel tinha apego ao personagem e ficou contrariado por ficar de fora da Paixão de Cristo do Recife em abril deste ano. O papel foi desempenhado pelo ator potiguar Hemerson Moura no espetáculo cancelado semanas antes da estreia, mas retomado depois, com menos recursos. “Ele ficava sentado na frente do palco, vi os olhos dele lacrimejando. Ele sentia falta de estar lá”, afirmou a neta, Bruna Pimentel. Em entrevista durante coletiva de imprensa na época da peça, ele chegou a afirmar que voltaria, em breve, a interpretar Jesus. Ao menos na lembrança de quem o assistiu em cena, já está eternizado.

Depoimentos

"Meu avô tinha uma essência fora do comum, uma humanidade ímpar. Quero levar isso comigo e vou passar para o meu filho, que se chama José Pimentel (4 anos). Ele foi um orgulho para a família. Tanta coisa que aprendi com meu avô.”
Bruna Pimentel, neta de José Pimentel e  produtora cultural

"José Pimentel teve uma participação marcante na história do espetáculo de Fazenda Nova graças à sua determinação. Com a morte, perdemos um dos grandes entusiastas do teatro pernambucano que, de forma incansável, deixa, como produtor, diretor e ator, um legado notável de grandes espetáculos.”
Robinson Pacheco, presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova

"Fui a primeira mãe dele na Paixão do Recife. Apesar de ser meio ‘pipocado’, as pessoas riam das reações dele. Ele se irritava quando era erguido de forma errada na cruz, e a gente ficava acalmando. Ele tinha uma interação maravilhosa no palco. Tinha um coração muito bom."
Vanda Phaelante, Atriz que interpretou Maria por 2 anos na Paixão do Recife

"Pimentel será lembrado sempre como uma pessoa carinhosa, um amigo acima de qualquer coisa e profissional ímpar. Recebi muitos ensinamentos, muitas broncas, reclamações, mas ele tinha uma dedicação e olhar carinhoso para mim e meus companheiros."
Ivo Barreto, ator que interpreta Judas na Paixão do Recife

SAIBA MAIS

1934
Nasce José de Souza Pimentel, em 11 de agosto de 1934, em Garanhuns, no Agreste de Pernambuco.

1944
Aos 10 anos, chega ao Recife para morar num casarão no bairro da Boa Vista.

1960
Descobre o halterofilismo. Campeão Pernambucano de Melhor Físico Juvenil e vencedor do prêmio de “Melhor Perna”.

1956
A partir do halterofilismo, é chamado para participar da encenação em Fazenda Nova, onde interpreta, como figurante, um soldado romano.

1956
No mesmo ano, vive Pôncio Pilatos no Drama da Paixão, do grupo Dramático Paroquial de Água Fria, no Recife. O seu primeiro papel.

1956
Em 11 de setembro de 1956, encena a primeira montagem de A Compadecida, texto de Ariano Suassuna. Faz o papel de Antônio Morais e do Encourado, o diabo.

1958
Pimentel é o demônio na cena do Horto das Oliveiras, na encenação em Fazenda Nova.

1959 
Na primeira experiência como diretor, como integrante do Teatro Adolescente do Recife (TAR), encena a peça A grade solene, escrita por Aldomar Conrado.

1960
Entra para o Teatro Popular do Nordeste (TPN), quando encena A pena e a lei, de Ariano Suassuna, com direção de Hermilo Borba Filho. A peça tem Geninha da Rosa Borges no elenco e faz temporada no Teatro do Parque.

1961
Escreve o texto Jesus, mártir do Calvário, no qual interpreta Pôncio Pilatos.

1963
Se destaca na TV, no Canal 6 (TV Rádio Clube), com Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Também participa de teleteatros na TV Jornal do Commercio. 

1965
Consolidado na TV e no teatro, participa de produções cinematográficas como O cangaceiro, premiado em Cannes, e ainda Nordeste sangrento, A morte comanda o cangaço e Riacho do sangue.

1970
Integra o elenco do longa Faustão, dirigido por Eduardo Coutinho, interpretando Zé das Mortes, um cangaceiro estilizado. Já tem cabelos longos e cavanhaque.

1970
O cantor Roberto Carlos lança a canção Jesus Cristo e Pimentel consegue sua autorização para incluir a faixa na encenação em Fazenda Nova, agora chamada de Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. 

1974
Em Nova Jerusalém, roda o musical A noite do espantalho, que tem no elenco os jovens cantores Alceu Valença e Geraldo Azevedo.

1977
Ingressa na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde foi docente do Departamento de Comunicação Social por 27 anos.

1977
É convidado para atuar em Batalha dos Guararapes e contracena com José Wilker e Renée de Vielmond.

1978
Produtor da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, interpreta Jesus pela primeira vez.

1988
Dirige o espetáculo Besame mucho, grande sucesso de bilheteria no Recife. 

1997
Sai da produção em Nova Jerusalém e estreia a primeira Paixão de Cristo do Recife, idealizada e dirigida por ele, no Estádio do Arruda. 

1998
É reconhecido com o título de Cidadão Recifense, conferido pela Câmara Municipal do Recife, a partir da proposta do vereador Cleurinaldo de Lima.

2001
O espetáculo Paixão de Cristo do Recife passa a ser encenado no Marco Zero, no Bairro do Recife Antigo, com entrada gratuita.

2010 
No especial em comemoração aos 50 anos da TV Jornal, José Pimentel dirige o remake Sobrado grande, o mesmo que atuou na década de 1960.

2017 
É incluído na lista dos Patrimônios Vivos de Pernambuco.

2018 
É lançado o livro José Pimentel - Para além das paixões, do Cleodon Coelho, parte da Coleção Memória, série da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). 

2018 
Após 20 anos como protagonista, ele deixa o papel de Jesus, que é interpretado pelo ator Hemerson Moura. Pela primeira vez, apenas dirige a peça.
 
(Mabson Rodrigues) 
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