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Documentário reflete sobre sociedade brasileira a partir das pornochanchadas

Histórias que Nosso Cinema Não contava reúne trechos de 27 produções do gênero

Publicado em: 27/08/2018 15:05 | Atualizado em: 27/08/2018 15:05

Dirigido por Fernanda Pessoa, longa constrói o panorama social e político do Brasil a partir do nos anos 1970. Foto: Boulevard Filmes/Divulgação

Quase sempre relegadas a um papel menor - ou simplesmente ignoradas - na história do cinema nacional, as pornochanchadas ganham merecida atenção no documentário Histórias que o nosso cinema (não) contava, em cartaz desde a quinta-feira passada nas salas do Cinema da Fundação do Derby e do Museu. Dirigido por Fernanda Pessoa, o longa constrói o panorama social e político do Brasil nos anos 1970, a partir das imagens de 27 filmes produzidos no período.

"Aprendi muito sobre o período assistindo a esses filmes e é essa visão que pretendo mostrar ao espectador, partindo de um conhecimento empírico vindo do próprio cinema", explica a cineasta sobre o documentário. Sem entrevistas ou narrações, a produção utiliza apenas trechos das pornochanchadas. Os títulos foram selecionados a partir de pesquisa entre mais de 150 obras da época.

Se em uma leitura superficial é fácil enxergar apenas o teor de entretenimento das comédias eróticas brasileiras, um olhar mais aguçado revela muito da sociedade e suas transformações. "Do chamado ‘milagre econômico’ à repressão e às torturas, tudo foi retratado pelo cinema popular da época, implícita ou explicitamente”, acrescenta Pessoa. Um dos exemplos mais incisivos é E agora, José?Tortura do sexo, de Ody Fraga, que tem algumas cenas apresentadas no documentário.

O filme, de 1979, tem um protagonista que é preso e torturado pelo regime militar, algo ousado para a época, mesmo considerando o processo que o país já estava em um processo de abertura política e redemocratização. E agora, José? acaba sendo pioneiro ao abordar a questão, embora frequentemente o crédito seja dado a Pra frente Brasil (1982), de Roberto Farias, tido por muitos como o primeiro filme a fazer um comentário direto sobre a ditadura, ainda durante o regime.

"Sem ter vivido o período da ditadura militar, já que nasci um ano após a abertura democrática, encontrei nos filmes nacionais do período um grande material histórico, ainda pouco analisado dentro desta perspectiva", avalia Fernanda Pessoa, sobre a imersão nas produções do gênero. Ela comenta que teve dificuldades para conseguir encontrar os filmes pesquisados para o documentário, por conta do descuido na preservação das obras, problema recorrente na cinematografia brasileira e ainda mais grave no caso das pornochanchadas, ainda vistas com preconceito ou descaso.

"Essa difícil busca revelou o quanto a memória do cinema nacional não está sendo preservada. Filmes de importância histórica e estética não estão disponíveis ao público", lamenta. "Estou muito feliz que o filme finalmente chegue ao público em geral, o que sempre foi um grande objetivo durante a realização, já que a pornochanchada sempre teve um diálogo muito grande com o público 'não especializado'", acrescenta a diretora.

Sem didatismos ou uma ordem cronológica visível, o documentário funciona como um pot-pourri da nossa pornochanchada, porém com foco não exatamente no sexo. Há trechos que mostram desde personagens conversando sobre tópicos relacionados com a economia, como alta da gasolina e desemprego, a passagens que trazem comentários até sobre comunismo e guerrilha. E a despeito da passagem do tempo, muitas das questões retratadas décadas atrás seguem pertinentes e atuais. É um rico e importante resgate sobre um expressivo e pouco revisitado pedaço da história do cinema brasileiro.
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