RÁDIO CLUBE
Tapacurá, boatos e a Rádio Clube
Na ocasião do maior boato já massificado no Recife, a rádio mais antiga do Brasil foi fundamental para o desmentido e para ajudar a reduzir o caos
Por: Silvia Bessa
Publicado em: 04/06/2018 11:36
De boato, esse mal que vira de cabeça para baixo a rotina de uma cidade, não é de hoje que o Recife sofre. Registros históricos de 1975 revelam o poder de uma notícia inverídica que vai sendo repassada de boca em boca, gerando uma desordem coletiva, e destacam como as emissoras de rádio, a exemplo da Rádio Clube, foram fundamentais para acalmar os nervos de populares. Era uma segunda-feira. Lama e entulhos, resquícios de uma enchente ocorrida dois dias antes, cobriam ruas e residências.
“Por volta das 10h da manhã de 21 de julho de 1975, a cidade entrou em pânico. O centro fervilhava de gente e, nas avenidas principais, o movimento era intenso. De repente, foi como se um dedo gigantesco assanhasse violentamente o formigueiro humano. Centenas de milhares de pessoas, desesperadas, começaram a correr pelas ruas aos gritos e soluços. Um único objetivo move a multidão desatinada: fugir. Tapacurá estourou!”, narra o jornalista Homero Fonseca, em Tapacurá: Viagem ao planeta dos boatos (Cepe, 2011, 2ª ed.).
A barragem havia sido construída em 1973, no município de São Lourenço da Mata, e tinha capacidade de represamento de 170 milhões de metros cúbicos. Na época do boato, a Defesa Civil usava um esquema radiofônico para atenuar a inquietude da população diante do temor de novas enchentes. Episódios de 1966 e de 1970, com mortes e milhares de desabrigados, deixaram grandes traumas e prejuízos.
A capilaridade da Rádio Clube exigia envolvimento. “A Rádio Clube, a pioneira, mandou mantimentos para os pobres flagelados: roupas, remédios, alimentos, toalhas e cobertores para quem está no relento”, escreveu o então repórter e poeta José Soares sobre os estragos da cheia.
Coube à Rádio Clube e a outras emissoras, o papel principal na transmissão de boletins oficiais, com mensagens informando que Tapacurá não havia estourado; era boato.
Lembranças
Toda família pernambucana tem na memória afetiva um relato sobre o boato de Tapacurá. Conta-se que o escritor Ariano Suassuna ouviu o alerta e fez questão de uma sondagem com autoridades. Caminhou até o Quartel do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar da Av. 17 de agosto e lançou a pergunta ao sargento de plantão: “Há confirmação oficial da queda da barragem?”.
O oficial respondeu e aproveitou para dar conselho: “Não. Mas, se eu fosse o senhor, corria!”. Homero Fonseca diz no seu livro que a psicóloga Edelnete Siqueira parou em um posto para entender o que se passava para o desespero em massa. “O rádio está dizendo que a água já vem na avenida Caxangá”. Edelnete correu para a casa da mãe e, chegando lá, avistou o pavor das pessoas, com rádios portáteis nas mão.
Onde começou ninguém sabe, mas um comentário feito por um radialista de uma emissora local, na tentativa de desmentir a suposta catástrofe, teria contribuído para acelerar o boato, afirma a pesquisa de Homero Fonseca. “Somente após os insistentes boletins de rádio e televisão – alguns da própria voz do governador, desmentindo o rumor, a vida da cidade reordenou-se”, diz o jornalista. Por cerca de uma hora, mais de 1,2 milhão de pessoas ficaram reféns do pânico.
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