Dia Internacional do Orgulho LGBTI%2b

Do teatro ao YouTube, pernambucanos usam o entretenimento para refletir sobre vivências LGBTI+

O ator Cleyton Cabral e a youtuber Jardel Araújo levam a luta LGBT da vida para o trabalho diário

Publicado em: 28/06/2018 09:31 | Atualizado em: 28/06/2018 09:45

Cleyton Cabral é dramaturgo e ator, enquanto a estudante Jardel Araújo é youtuber. Foto: Ricardo Maciel/Divulgação e Victor Souza/Divulgação
O dia de 28 de junho de 1969 ainda estava em suas primeiras horas quando um grupo de oficiais da polícia invadiu o bar Stonewall Inn, frequentado pelas pessoas mais marginalizadas da comunidade LGBT de Nova York. Embora as revistas fossem constantes, os clientes revidaram a violência e iniciaram uma série de motins que ficaram conhecidos como o despertar do movimento LGBT - no compasso da contracultura que imperava entre os jovens daquela década. Por isso, hoje a data é conhecida como Dia do Orgulho LGBTI+, comemorada em todo o mundo.

Nos últimos 49 anos ocorreram várias conquistas sociais, políticas e jurídicas para essa comunidade. A sociedade, no entanto, ainda tem muito para avançar e isso tem gerado discussões constantes em várias instâncias, inclusive no entretenimento. Por isso, entrevistamos dois pernambucanos que tentam fazer do trabalho de entreter uma forma de provocar reflexões sobre as vivências de LGBTs: um dramaturgo e uma youtuber. Eles servem para mostrar como linguagens de artes milenares ou ferramentas contemporâneas estão sendo usadas para ampliar esse debate necessário.

A 'Revolução de Stonewall Inn' é conhecida como o inicio do movimento LGBTI . Foto: Internet/Reprodução

Reflexão no formato de espetáculo
Peça Solo de Guerra estreou em outubro de 2017. Foto: Ricardo Maciel/Divulgação
Foi no teatro que o olindense Cleyton Cabral encontrou meios para falar sobre vivência de pessoas LGBT e os desafios dessa comunidade na contemporaneidade. “Inicialmente, eu não queria ter de abordar temas como a violência contra pessoas LGBT, mas senti a necessidade como artista mesmo”, conta o ator e dramaturgo de 33 anos. “Temos esse lugar de nos colocar e viver realidades, de conversar sobre o que é importante. Ao mesmo tempo, é importante que as pessoas desliguem um pouco a TV para ter esse contato mais humano, íntimo, de reflexão e diálogo".

Seu primeiro trabalho com a temática gay foi Talvez sim, talvez não, que trata da história de atores, ex-namorados, que ensaiam uma peça juntos ao mesmo tempo que procuram por novos amores. Em 2016, o texto foi vencedor do 1º Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia, realizado pelo Governo do Estado. Recentemente, Cabral também ficou em segundo lugar na mesma premiação com a obra Desculpe o atraso, eu não queria vir, que mergulha na subjetividade de uma travesti para bordar questões de gênero e os desafios de pessoas não-binárias na sociedade.

Atualmente, ele segue colocando em prática, simultaneamente, suas habilidades como ator e escritor na peça Solo de guerra, um grito contra as violências psicológicas e físicas sofridas pelas pessoas LGBT no Brasil. O espetáculo autoral é um monólogo e conta sua própria vivência como homem gay, além de trazer a realidade de pessoas próximas, com dados reais da realidade brasileira - o país que mais mata LGBTs no mundo. Em 27 de julho, a peça vai estar na programação teatral do Festival de Inverno de Garanhuns.


“É um espetáculo muito forte e delicado, pessoas que não conheço chegam para mandar mensagens no Facebook do tipo ‘poxa, obrigado’ ou ‘eu estava precisando ver aquilo’”, diz o artista. “A peça fala de uma minoria, mas procura sensibilizar qualquer ser humano. É um grito, mas também é um abraço, um acalanto, principalmente em quem já passou por algumas situações, como estar no armário ou ser colocado de fora de casa pelos pais. Trata de muitas coisas nesse sentido”.

Após os prêmios e o êxito de Solo de guerra, é possível afirmar que o pernambucano tem se consolidado como um dos nomes que tem renovado a cena LGBT na dramaturgia local. “É, de certa forma isso tem se desenhado. É uma coisa que não parei para pensar. Só estou fazendo. Como artista, desejo que esse olhar venha mais de quem está assistindo e acompanhando”.

A internet como meio de visibilidade
Jardel Araújo em mesa de debate, ao lado da cantora Linn da Quebrada. Foto: Zito Junior/Divulgação
Quando questionada se prefere ser chamada por “ele” ou “ela”, Jardel Araújo diz não se importar. A recifense do Ibura, na Zona Sul, define seu gênero como não-binário. Politicamente, se apresenta como “bicha”. Esse assunto é um dos temas de seu canal no YouTube, que leva o seu próprio nome. Criado em 2016 atualmente possui 3,6 mil inscritos e 90 mil visualizações. Na página, a jovem de 22 anos usa de sua vivência para abordar questões de gênero e raça de forma didática.

Com o tempo, ela também passou a falar sobre moda, brechós e consumo consciente. Os vídeos mais vistos do canal são explicações em torno do curso de Serviço Social, do qual é estudante na UFPE há dois anos. Ela é a primeira de sua família a fazer faculdade. "Tento ser o mais didático possível. Muita gente nunca teve contato com esse tipo de conteúdo e acredito que os vídeos podem fazer as pessoas terem essa compreensão", diz.


Jardel admite que seu canal é um exemplo de como a internet democratizou a comunicação e trouxe debates que anteriormente ficam à margem da grande mídia tradicional. "A comunicação na internet tem sido uma ferramenta maravilhosa, algumas pessoas pararam de reproduzir preconceitos por terem acesso às discussões. Grande parte das minorias deixaram de se enxergarem como um ‘bicho de sete cabeças’. Junto com a educação, a comunicação é necessária para lutarmos por um lugar mais igualitário e menos opressor".

Quando a página no YouTube completou um ano, Araújo foi além da universidade e passou a ocupar outros espaços. Em 2017, dividiu mesa com a funkeira trans Linn da Quebrada na palestra Vivência de LGBTs e Periferia, realizada na Faculdade de Direito do Recife. “Foi muito fortalecedor, afinal, historicamente aquele espaço não é voltado para pessoas como nós por fazer parte de uma estrutura patriarcal. Apesar de ser na UFPE, o número de negros não é tão grande”. Na semana passada, a estudante também dividiu mesa com Graça Araújo (TV Jornal), Pedro HCM (Põe na Roda) e Marcionila Teixeira, do Diario, no lançamento da Aliança LGBT em Pernambuco.

“É gratificante ver que estou ganhando certa visibilidade, mas ao mesmo tempo sempre bato na tecla de que as coisas não mudaram 100%. Superestruturas do racismo e do machismo ainda permeiam a sociedade, desde a formação do país”, diz. Ao falar sobre a importância do Dia do Orgulho LGBT, a youtuber ressalta que “não estamos só comemorando a letra G”. “Existe uma invisibilização das outras siglas. Temos de lembrar que existem lésbicas, bissexuais, trans, não-binários. Esses corpos precisam ser lembrados, são os que mais sofrem violências. Temos de pontuar essas questões não só hoje, mas diariamente.
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