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Entrevista

'Ganhar menos é ganhar mais', diz Denise Fraga sobre trocar a TV pelo teatro

Atriz chegou a recusar convites na televisão para se dedicar aos palcos e cumpre temporada de A Visita da Velha Senhora, de quinta a domingo, no Teatro Santa Isabel

Publicado em: 23/05/2018 15:00 | Atualizado em: 23/05/2018 12:18

A montagem, dirigida por Luiz Villaça, tem com principal pilar questionar até onde as pessoas são capazes de ir pelo dinheiro. Foto: Cacá Bernardes/Divulgação


Aos 53 anos, a atriz Denise Fraga se inspira em mensagem do dramaturgo alemão Bertolt Brecht que procura "divertir para comunicar". A missão é provocar a reflexão através do humor com o espetáculo A visita da velha senhora, que estreia temporada nesta quinta-feira (24) e vai até o domingo (27), com sessões às 20h, no Teatro Santa Isabel, no Recife. Ao lado de mais 12 atores, Denise protagoniza o enredo que lança olhar sobre questões atuais através de texto do suíço Friedrich Dürrenmatt, de 1955. A montagem, dirigida por Luiz Villaça, tem com principal pilar questionar até onde as pessoas são capazes de ir pelo dinheiro. "Me identifico com isso. Se consigo fazer rir e fazer pensar, estarei feliz. O Dürrenmatt também faz esse exercício da captura da plateia. A peça cumpre a função de lazer e as pessoas saem de lá com a alma em movimento", explica a artista. "A gente dá muito assunto para o jantar", provoca. 

Na montagem, ela repete temáticas abordadas por outros vieses nas peças A Alma Boa de Setsuan (2008) e Galileu Galilei (2015), ambas de autoria de Brecht. Com enredo simples, a peça conta a história de uma milionária que retorna para a cidade em que nasceu após 30 anos e faz uma proposta aos cidadãos de Güllen. Ela promete um bilhão como recompensa se alguém matar Alfred Krank, o homem que a deixou grávida por um casamento de interesse. O texto é adaptado por Christine Röhrig, Denise Fraga e Maristela Chelala e se encaixa em probelmas da sociedade atual. "É uma discussão sobre justiça. O legal é trazer esses assuntos dentro de uma grande tragédia e no timing cômico. Tem hora que o público se questiona: eu estou rindo de quê?", comenta o pernambucano Tuca Andrada, que está no elenco no papel de Alfred Krank. 

O texto clássico já foi encenado em vários países para tratar as fragilidades dos valores morais quando o assunto é dinheiro. "O autor é genial. Destila cenas cheias de ironia, onde as pessoas riem e vão entrando em contato com o desmoronamento moral de uma cidade inteira que só pensa no dinheiro. Os personagens começam a justificar o injustificável", reflete Denise. A atriz apaixonada pelo teatro convida o público a fazer uma imersão na experiência. "Nós esperamos o público na porta para dizer: 'Estou  aqui de verdade e vou te contar uma história'. Somos 13 atores em cena, para falar com uma plateia, com celulares desligados, e em estado de mergulho. É um grande ritual de reflexão, de construção desse templo de ideias", aponta. 

Serviço
A Visita da Velha Senhora
Quando: Quinta a sábado, às 20h e domingo, às 18h
Onde: Teatro Santa Isabel (Praça da República, 233 - Santo Antônio)
Ingressos: R$ 70 (Platéia) e R$ 50 (terceiro piso) 
Informações: 3355-3323

"Se consigo fazer rir e fazer pensar, estarei feliz. A peça cumpre a função de lazer e as pessoas saem de lá com a alma em movimento", explica a atriz.  Foto: Cacá Bernardes/Divulgação
Entrevista // Denise Fraga

Por que fazer teatro?
O teatro é uma grande tribuna para você dizer o que quer através de um autor. O grande barato de fazer é me apropriar das palavras de um autor para dizer o que quero. Foi assim com todas. Essa vontade de dar voz a pessoas. Através da reação da plateia, ouço aquele murmúrio, eles dizem: ‘Obrigada por dar palavras aquilo que sinto e não sei dizer’. Estamos cada vez lendo menos. Com essas ‘porrinhas’ de celulares na mão, lemos pequenas frases o dia inteiro. Isso faz com que o teatro fique ainda mais precioso. Ele prende a atenção das pessoas por duas horas e percebemos que estamos todos vivos.

Considera o humor um gatilho para a reflexão de assuntos delicados?
Dürrenmatt diz que comédia é a expressão do desespero. Acredito nisso, sim, e em como o humor é revolucionário. Faz com que você se enxergue de fora. Ele cria potência na comunicação e garante que a mensagem está sendo assimilada. Ninguém ri daquilo que não entende. Ele requisita inteligência.Tenho visto isso acontecer com essas peças que divertem e levam a pensar. Gosto daquela risada “pior que é”, ela é seca e dá uma morrida no final quando a gente age e reconhece ser daquele jeito. 

A história trata de assuntos comuns aos dias de hoje e provoca diversas reflexões. O que mais te tocou no texto?
O real incômodo é que nem tudo pode ser justificado pelo dinheiro. Foi um movimento meu, me angustia muito justificar tudo por dinheiro. Em nome do nosso emprego, do nosso chefe, temos que pagar o leite das crianças e alguma concessão vamos fazer. A pessoa acha que não pode deixar de aceitar a promoção, muitas vezes acho que é importante saber que ganhar menos é ganhar mais. Saber disso para entrar em contato consigo mesmo, olhar no espelho e se reconhecer.

Esse ‘deixar de ganhar’ foi algo que ocorreu com você, que abriu mão dos projetos na TV para fazer teatro?
Adoro fazer televisão. Tenho feito teatro há alguns anos e nos últimos convites já estava comprometida com a turnê. Somos 19 pessoas viajando. Se uma cidade não der certo pode ser um tiro n’água. Tivemos patrocínio, pois sem isso ninguém conseguiria fazer, mas não cobre todo o custo. Tem que topar ganhar menos. Somos elenco de 13 atores, ganho menos, mas ganho tantas outras riquezas. E fico muito feliz assim. Tenho uma história muito bonita na TV e a felicidade de fazer projetos pessoais como Retrato Falado, A mulher do prefeito, O Auto da Compadecida. Esse é meu comprometimento com o que estou vivendo e é muito importante para mim. Me comprometo em ser instrumento de comunicação.

Hoje em dia os artistas precisam ser engajados?
Eu acredito nas revoluções individuais e nas revoluções diárias. Eu acho que todo médico, jornalista ou advogado precisa. Ser engajado é estar preocupado com o coletivo. Sou humanista, não sou de esquerda ou de direita. Quero um mundo melhor e não me coloque rótulos para não minimizar meu discurso.
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