Cinema

Filme nacional Paraíso Perdido traz amor e afeto em história embalada por música romântica

Novo longa de Monique Gardenberg tem as pernabucanas Hemila Guedes e Julia Konrad

Publicado em: 31/05/2018 12:20 | Atualizado em: 31/05/2018 12:30

Hermila Guedes e Jaloo são responsáveis por algumas das melhores atuações do filme. Foto: Vitrine Filmes/Divulgação

"Tudo começou no dia 28 de julho de 1958", diz a cineasta Monique Gardenberg sobre a origem da história do novo longa-metragem, Paraíso Perdido, em cartaz hoje nos cinemas. A diretora cita a data de nascimento reforça o aspecto pessoal da obra, não de maneira autobiográfica, mas pela maneira como traz marcas da própria vivência e reflete as percepções da realizadora a respeito do país.

O Paraíso Perdido do título é o nome da casa noturna onde se passa maior parte da ação do filme. No local, um estabelecimento familiar administrado por José (Erasmo Carlos), se apresentam o patriarca e outros parentes, como o filho Ângelo (Júlio Andrade) e os netos Imã (Jaloo) e Celeste (Julia Konrad), além do agregado Teylor (Seu Jorge). O clã de músicos dá voz a um repertório de clássicos do cancioneiro romântico nacional, a exemplo de Você não vê, de Fernando Mendes, Minhas coisas, de Odair José e Escalada, de Augusto César. Além deste último, outro pernambucano que é cantado no longa-metragem é Johnny Hooker, com Amor marginal. A faixa, aliás, é a única canção contemporânea inclusa na trilha sonora, assinada por Zeca Baleiro.

Longe de ser uma narrativa de amenidades intercalada por apresentações musicais, a produção tem um grande número de subtramas mais ou menos densas. Há o policial Odair (Lee Taylor), que se aproxima da família de José ao ser contratado para fazer a segurança pessoa de Imã, vítima de recorrentes ataques homofóbicos do lado de fora da boate. O agente tem uma relação estreita com a música, já que a mãe Nádia (Malu Galli) era cantora até perder a audição. Outra personagem fundamental é Eva (Hermila Guedes), ex-presidiária e mãe de Imã e Celeste, que retorna à família após um longo tempo na prisão, onde se apaixonou por Milene (Marjorie Estiano). Em liberdade, as duas vivem um triângulo amoroso com Odair.

Um grande mérito do filme é a diversidade de personagens. De Imã, drag queen encarnada pelo músico paraense Jaloo à Nádia, que conversa em Libras com o filho, há uma riqueza de tipos raramente vistos no audiovisual, dando caráter bastante inclusivo à obra. O elevado número de personagens, no entanto, impossibilita o melhor desenvolvimento de alguns deles, a exemplo de Teylor, explorado quase que unicamente nos números musicais. Outro fator negativo é a maneira nem sempre natural como o roteiro interliga todas as narrativas, exagerando no uso de coincidências. Mas as figuras se mostram cativantes o bastante para que se releve algumas dessas conveniências do roteiro.

Logo no início da projeção, o personagem de Erasmo Carlos se dirige à audiência e convida o público a deixar de lado os problemas, enfim, a realidade, e embarcar naquele espaço. E, de fato, a boate/filme Paraíso Perdido se mostra um espaço de acalanto e afeto inserido em um mundo brutal e imperfeito. Lugares assim fazem falta.

+ Músicos
Além de Erasmo Carlos, Seu Jorge, Jaloo e Júlio Andrade, outros músicos foram cotados para o filme. Inicialmente a diretora pensou em Johnny Hooker para o papel de Imã, mas acabou considerando que o pernambucano não tinha as características ideais. Já para o papel de Ângelo ela chegou a imaginar Fernando Catatau (Cidadão Instigado) como intérprete, mas pensou ser arriscado trazer mais um não ator para o elenco.

[3 perguntas // Monique Gardenberg, roteirista e diretora

É o seu primeiro filme desde Ó paí, ó (2007). O que manteve você longe do cinema por tanto tempo?

 Eu não me afastei nunca. Esse tempo todo fiquei tentando fazer filmes, me envolvi com projetos mais ambiciosos, que não dependiam da minha vontade, da garra, da luta. Passei três anos adaptando A caixa-preta, do (escritor) Amós Oz. Fiz muitos tratamentos até ficar satisfeita e agora o roteiro está indo para uma coprodução internacional.É uma história que passava em Israel, onde volta e meia a situação não é boa, isso se tornou um complicador. Depois passei dois anos adaptando Boca do inferno, da Ana Miranda, para TV. Isso também depende de uma TV querer fazer, estou em conversas para tirar isso do papel. E, para completar, havia o desejo de fazer um Ó paí, ó 2.

E como Paraíso Perdido se encaixa nesse processo?
Essas coisas foram patinando na minha vida, me deixando muito angustiada. Pensei que tinha de fazer uma história minha, que dependesse da minha vontade, ter um grupo de atores sensíveis que estejam comigo nesse sonho de filmar. Resolvi sentar para escrever e não parei mais. E ainda escrevi uma história muito atual, que não poderia esperar muito para ser filmada.

De onde veio a história para o filme?
Tudo começou no dia 28 de julho de 1958, quando eu nasci. É o fruto de uma vida, de como eu a experimento, das coisas que eu passei, do Brasil onde estou, do momento em que a gente vive. É um momento muito assustador, em que o Brasil começa a sentir censuras, perseguições, execuções primárias de pessoas que só queriam o bem comum, de redes sociais marcadas pelo ódio, pelo preconceito, racismo. Um país que começa a revelar um estado de exceção. Tudo isso era motivo de muita angústia, precisei me dar uma trégua, mostrar um lugar onde existe o oposto: afeto, tolerância, liberdade.
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