Música

Chico Buarque apresenta o repertório do seu mais recente álbum no Teatro Guararapes

Além das nove faixas de Caravanas, o espetáculo traz 10 canções de diferentes décadas

Publicado em: 03/05/2018 08:21

Bolero, blues, futebol e samba completam as demais faixas do CD, que Chico apresenta, de quinta-feira até domingo, no Teatro Guararapes. Foto: Facebook/Reprodução

Na época da censura, nos anos da repressão, Chico Buarque foi considerado o mais produtivo e engajado compositor de músicas de protesto e também um dos autores mais perseguidos pelos censores. Muito anos se passaram e o clima político no país mais uma vez é tenso e a divisão partidária do Brasil, dia após dia, é mais clara. Talvez fosse de esperar que o mais recente trabalho do compositor, o álbum Caravanas, levantasse a bandeira de protesto, dado seu posicionamento. A primeira impressão (audição) é que não. E não é, de fato. Os tempos são outros, mas não seria Chico Buarque se não houvesse entrelinhas para os ouvidos apurados.

Caravanas é um disco cheio de canções atualíssimas e inspiradas em referências que vão de Shakespeare ao Dream Team do Passinho - grupo de funk carioca. Amores platônicos ou não, mudança de sexo, redes sociais, certezas e incertezas da vida cotidiana permeiam as nove canções do álbum, lançado em agosto do ano passado, onde sete são inéditas e duas nunca estiveram em um disco seu. Desde o final de 2015, Chico foi gravando, no estúdio da Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, à medida que ia compondo. Depois, quando as inéditas estavam prontas e gravadas, juntou Dueto, composta para a peça O Rei de Ramos, de Dias Gomes, e lançada no disco Com açúcar, com afeto, de Nara Leão, em 1980; e A moça do sonho, parceria com Edu Lobo para outra peça, Cambaio, de João Falcão, de 2001, e consagrada por Maria Bethânia.

Dueto, por exemplo, reforça a atualidade das canções. Nesta faixa, Chico canta com a neta, e também cantora, Clara Buarque. A canção, de melodia leve, puxada para o jazz e não menos encantadora, fala daquela história de amor juvenil que todo mundo já teve um dia. A paixão escrita nos astros, cartas, tratados e que ninguém ousará dizer o contrário. A regravação atualiza a letra e incorpora as novas “plataformas de amor” como Tinder, Telegram, Instagram. Chega a ser engraçado a maneira pouco familiar que o septuagenário recita as palavras. Outra parceria familiar é com o neto Chico Brown, irmão da Clara, que compôs a música Massarandupió. Com arranjo de Luiz Claudio Ramos, a letra do avô praticamente descreve as aventuras da infância do neto, na praia da Bahia.

O espetáculo é dedicado a Wilson das Neves, que faleceu no ano passado. Para relembrar uma canção composta com o parceiro e tradicional baterista de várias turnês, Chico interpreta Grande Hotel. Os músicos que acompanham o cantor são seus fiéis companheiros de palco: o maestro, arranjador e violonista Luiz Claudio Ramos, João Rebouças (piano), Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera (percussão), Jorge Helder (contrabaixo), Marcelo Bernardes (flauta e sopros) e Jurim Moreira (bateria), substituindo das Neves. Graças a essa equipe de peso é que a harmonia de Caravanas flui.

Em Tua Cantiga, primeira música de trabalho e que abre o álbum, Chico reabriu a parceria com Cristóvão Bastos, 30 anos após lançar uma das mais belas composições do artista, Todo o sentimento. Bastos explica que a melodia da nova canção nasceu inspirada na Polonaise em G minor de Bach, compositor barroco tão influente na formação da música brasileira, de Villa-Lobos e suas Bachianas a Pixinguinha e seus contrapontos no saxofone. Mas a canção de amor eterno enfrentou algumas pedras logo que foi lançada, em julho de 2017.  O cantor foi acusado de machismo devido ao trecho da canção que fala: “Quando teu coração suplicar/Ou quando teu capricho exigir/Largo mulher e filhos e de joelhos vou te seguir”. A música trouxe debates e  duras críticas nas redes sociais que foram respondidas em sua página oficial. “Será que é machismo um homem largar a família para ficar com a amante? Pelo contrário. Machismo é ficar com a família e a amante”. No mesmo dia, a mensagem foi modificada, acrescentando a parte “Diálogo entreouvido na fila de um supermercado...” indicando que o comentário não seria de Chico ou de sua assessoria. Bom… polêmicas à parte, outro fato curioso desta canção é o trecho “roubado” do Soneto CXVI de Shakespeare “Mas teu amante/Sempre serei/Mais do que hoje sou/Ou estas rimas/Não escrevi/Nem ninguém nunca amou”.

As caravanas, canção que encerra e inspira o título do disco, é, antes de tudo, uma crônica carioca atualíssima, inspirada num fato cada vez mais corriqueiro no verão: o conflito provocado pela polícia e alguns garotos valentões da Zona Sul, quando da chegada dos ônibus que trazem os garotos das favelas e dos subúrbios para as praias da área. Sempre suspeitos de roubos e arrastões, os garotos são parados pela polícia e intimidados por valentões, o que gera a confusão. A melodia, do próprio Chico, é conduzida harmônica e ritmicamente por seu violão, parte de Caravan, um tema clássico do jazz, de Duke Ellington, uma espécie de beguine, ritmo caribenho. Nesta canção, o arranjo do Maestro divide espaço com o beatbox executado por Mike, músico do Dream Team do Passinho.

Bolero, blues, futebol e samba completam as demais faixas do CD, que Chico apresenta, de hoje até domingo, no Teatro Guararapes. O repertório traz ainda 19 canções de diferentes décadas. Retrato em branco e preto (1968), Mambembe (1972), As vitrines (1981), Partido alto (1990) e tantas outras estão na lista. A abertura do show com Minha embaixada chegou, de Assis Valente, é a única não autoral do roteiro.

Serviço
Caravanas, show com Chico Buarque e banda
Quando: 03 a 06 de maio
Horários: Quinta e sexta: 21h30 Sábado: 21h;
Domingo: 20h (Os portões serão abertos 1h antes)
Onde: Teatro Guararapes, Centro de Convenções (Av. Prof. Andrade Bezerra, s/n - Olinda)
Ingressos: Plateia - R,00 (inteira) R,00 (meia); Balcão - R,00 (inteira) R,00 (meia)

Entrevista - Luiz Claudio Ramos  //  maestro, arranjador e violonista

Conhecido como Maestro, Luiz Claudio Ramos, 68 anos, está há quase 30 responsável por produzir musicalmente os discos de Chico Buarque. Em entrevista ao Diario, ele fala sobre a parceria com Chico, seus projetos e o momento político vivido no Brasil.

Como começou sua parceria com Chico Buarque?
Comecei atuando como músico em Bárbara, arranjo de Edu Lobo. Desde então participei de vários discos. No show Chico e Bethânia, além de atuar como músico participei da elaboração das harmonias das músicas cantadas pelo Chico, o que  se  chamou “arranjo de base”.  O meu primeiro arranjo foi Mulheres de Atenas. Passei a produzir musicalmente os discos desde Chico Buarque (1989), já fazendo vários arranjos. A partir de Paratodos minha participação foi maior, inclusive como parceiro em Outra Noite.

O senhor seria o ourives por trás das canções do Chico? É assim que você se vê?
Me considero um assessor cuja função é traduzir musicalmente as intenções do Chico. Ele apresenta a canção acompanhado ao violão, eu primeiro tenho que “entender” a música e a letra, e depois passamos a discutir os vários aspectos do arranjo. Tem introduções do Chico, outras minhas e algumas em parceria.

Como foi estrear Caravanas sem Wilson das Neves?
Foi lembrando com saudade do querido companheiro. Músico excepcional, dono de uma linguagem própria.

Chico tem um bom hiato entre uma turnê e outra, entre um disco e outro. Quais são seus outros parceiros e projetos?
Fiz há alguns anos um disco instrumental com meu velho amigo e parceiro Franklin da Flauta com músicas nossas. Também fiz vários arranjos para vários artistas, inclusive uma pré-produção para um disco  de O Coronel de Macambira, texto de Joaquim Cardozo e músicas de Sérgio Ricardo, peça encenada em 1967 pelo TUCA do Rio. Tenho o projeto de gravar os arranjos para violão de músicas de Tom Jobim.

Você está com Chico há mais de 40 anos, passaram juntos pelo período da repressão, onde cantar certas canções era visto como um ato “impróprio”. Hoje, o momento político está bastante confuso, as pessoas caminham em extremos. Como o senhor avalia este ponto em que o Brasil se encontra?
Eu, que sempre fui otimista e que mesmo na época da ditadura tinha mais esperanças, ando preocupado com o mundo. Não entendo haver Havaí e Noruega, Sudão e  Finlândia. Não entendo posturas nacionalistas,discriminatórias, seletivas e radicais. Não entendo haver guerra. Muito triste com a constatação da dimensão da corrupção, especialmente no nosso país, e do desprezo e prepotência dos poderosos pelos menos favorecidos. O que eu quero para o futuro do mundo é mais democracia, mais  igualdade e  oportunidades iguais para todos. 
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