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Viver
100 anos Rádio Clube

História da rádio que cresceu junto com o Recife

Movimento dos simpatizantes da telegrafia sem fio harmonizava com uma década de transformações no Brasil e no estado

Publicado: 23/04/2018 às 10:08

Foto: Leonardo Dantas/Cortesia/

Foto: Leonardo Dantas/Cortesia/

Foto: Leonardo Dantas/Cortesia
O Recife do início dos anos 20 era o retrato de uma década que acabou marcada por uma grande transformação social, cultural, das artes, da política e do reordenamento territorial em Pernambuco. Aumentava o fluxo migratório de muitos agricultores para as fábricas nos centros urbanos, tinha-se conhecimento da manifestação da Semana de Arte Moderna e das rebeliões dos oficiais de baixa e média patentes do Exército, depois chamadas de “tenentismo”. Aqui, a inquietude tomava um grupo de senhores intitulados amadores da telegrafia sem fio do Recife. Eles acabaram se tornando pioneiros da rádio do Brasil ao fundarem a Rádio Clube e serem persistentes na busca tanto de novos associados quanto de autoridades entusiastas para expandir o projeto e “vulgarizar” - para usar uma expressão daqueles anos - a utilização das chamadas “ondas hertzianas” para transmissão da voz. 

Desembarcava no Recife nesta época Oscar Dubeux Pinto, nome que acabou por ser pilastra fundamental para a Rádio Clube vir a se tornar uma potência em pouco tempo. Tinha apenas 14 anos e atraía a atenção de todos em virtude da sua pesquisa a partir do aproveitamento de aparelhagens em desuso da I Guerra Mundial e que eram utilizadas em embarcações de pequeno e médio porte, como lembra Renato Phaelante, pesquisador e estudioso dos mais respeitados quando o assunto é rádio no estado. Oscar, conhecido como Oscarzinho Dubeux, chegou na cidade com o objetivo de trocar conhecimentos e acabou tendo o talento reconhecido. Integrou-se à Rádio Clube, onde trabalhou como operador e técnico. 

Como testemunha dessa história estava Abílio de Castro, locutor pioneiro da Rádio Clube de Pernambuco, que depois ajudou com seus depoimentos a reconstituir o passado. Por volta de 1920 e 1921 a cidade tinha uma população de 238.843 pessoas, de um total de 2.154.835 mil habitantes de Pernambuco. Recife representava 11% do estado; hoje o percentual fica em torno de 17%. 

Segundo o historiador Leonardo Antônio Dantas, especialista em pesquisas e publicações de livros históricos em Pernambuco, o movimento do Porto do Recife dos anos 20 era impulsionado pela ajuda das alvarengas, espécies de embarcações rústicas que faziam transportes de fardos pesados de propriedade da Companhia de Serviços Marítimos de Pernambuco. 

Na Fábrica Lafayette, na Rua 1º de Março, nº8 - lembra Dantas - eram anunciadas cartas de jogar; e a loja Ramiro & Filho prometia vender “chapéus de sol e de cabeça” e a Farinha Nestlé propagava que “era alimento completo para os meninos de peito” e “um substituto inestimável para o leite das mães”. Ainda que houvesse poucos com condições de pagar, já havia quem alugasse automóveis das garagens da Ford e União pelo preço de 15$000 (contos de réis, a moeda da época) cada hora. 

A Rádio Clube era vista como uma necessidade. Tito Xavier era responsável pela transmissão de músicas de forma clandestina. Existia uma proibição para a radiodifusão e pode ser justificada assim a busca do presidente da Rádio Clube, Augusto Pereira, para que a burocracia fosse vencida e a rádio se regulasse. Transmitia-se de forma precária e para poucos  óperas e outras obras clássicas. Ouvia-se rádio por receptores e fones de ouvidos. 


No Recife do início dos anos 20 os meios de comunicação limitavam-se a jornais. O Diario de Pernambuco já estava em circulação desde 1825. Funcionavam o recém-fundado (1919) Jornal do Commercio, o Jornal do Recife, A Província, o Diario do Estado. Circulavam ainda outros vespertinos, como o Jornal Pequeno (que publicou notícia sobre a fundação da Rádio Clube e que serve de prova documental do feito), A Rua, A Notícia, A Noite e as revistas ilustradas A Pilhéria e Rua Nova. Décadas seguintes, após a reorganização da Rádio Clube em 1923, o rádio ganha espaço junto à população da cidade, mantendo-se como um meio forte até hoje. 

Passeio à praia e costumes 
Banho de mar era recomendado para fins terapêuticos para curar suposta fraqueza nas pernas, o sistema nervoso e casos de anemia. Para entrar no mar as mulheres usavam calças até o tornozelo e trajes compridos. Era costume dos homens usar calções abaixo do joelho. A praia da moda nas redondezas da Capital era a de Olinda. Foi uma mudança de hábitos natural porque as famílias aos poucos deixaram os banhos de rio no Capibaribe e buscavam os “banhos salgados”. 

Mulheres sem voto e no trabalho 
As mulheres não tinham direito a voto nesta época, mas já eram vistas trabalhando sobretudo no atendimento ao público. Foi uma novidade trazida e implantada no início do século pela Casa Alemã de Júlia & A. Dardelein. Para motivar as moças do comércio, o Club Carnavalesco Filhos de Candinha promovia sorteios de cadernetas da Caixa Econômica entre as mulheres; a Singer fazia concursos de bordados feitos por suas máquinas; e a Casa Gondim vendia artigos importados. 

Dinheiro, usinas e  produção 
Pernambuco tinha 55 usinas, mais de mil engenhos, 809 engenhocas para produção de doce de rapadura e 42 refinarias de açúcar. Destacava-se  com a produção de algodoeira, cerca de 15 mil toneladas, que seguiam para exportação e para atender à demanda de oito diferentes fábricas de tecidos. Café, cocos, criação de bovinos, equinos, ovinos e suínos figuravam no topo da produção. O dinheiro passava por uma rede bancária de dez estabelecimentos. 

bondes e trens urbanos 
Dois meios faziam o transporte coletivo dos anos 20 no Recife: os bondes e os velhos trens urbanos, que surgiram em 1867. Tinham o apelido de Maxambomba e o destino poderia ser os bairros da Encruzilhada, Beberibe ou Campo Grande e, em outra composição da Great Western, Estrada da Batalha, Ferro Sul, entre outros. Pernambuco era ligado por estrada de ferros a Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte e contava com um movimentado porto marítimo. 
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