Literatura

Professor da UFPE investiga estrutura poética de A Divina Comédia em novo livro

Anco Márcio Tenório Vieira mostra como a simetria matemática e a cabala influenciaram na composição dos versos de Dante Alighieri

Publicado em: 25/04/2018 15:10 | Atualizado em: 25/04/2018 15:10

Descrição de inferno feita por Dante e representada em ilustrações como a de Gustave Doré (1832-1883) segue como referência

Tão reconhecida quanto complexa, a obra-prima A divida comédia, é marcada por alegorias, simbologias e inúmeras possibilidades de leituras. Dante, a poesia e sua forma cristã (Editora UFPE, 200 páginas, R$ 25), de Anco Márcio Tenório Vieira, é um novo trabalho a se debruçar sobre o poema, investigando como o autor integrou conceitos religiosos à estrutura poética. O livro será lançado quinta-feira (26), no Centro Cultural Benfica (Rua Benfica, 157, Madalena).

"É a mais importante obra épica da Idade Média. Ela está para o período como a obra de Virgílio, Eneida, está para o mundo latino, assim como os dois épicos (Ilíada e Odisseia) de Homero estão para o mundo grego. Ou Os Lusíadas (de Camões) para a língua portuguesa", explica Anco Márcio, que é professor da pós-graduação em letras da UFPE.

O pesquisador acrescenta, ainda, outra contribuição do autor: a idealização de uma nova forma para a expressão religiosa na literatura. Enquanto a religiosidade cristã havia encontrado forma própria em outras áreas, como música (canto gregoriano), pintura (sem perspectiva, através dos ícones) e arquitetura (igrejas góticas), a literatura, antes de Dante, carecia dessa expressão.

"A literatura era considerada a forma artística mais desprezada das ciências da Idade Média", afirma o autor. "Dante inverte essa situação e coloca em patamar igual ao da teologia".

Esse formato inaugurado por Dante é a terza rima, com a poesia estruturada em unidades de três versos, com simetria matemática. O numeral 3, considerado por Pitágoras e pelo simbolismo islâmico como o primeiro dos números, é evidenciado em outros aspectos de A divina comédia, como na divisão do livro em três os cânticos (Inferno, Purgatório e Paraíso). Por sua vez, o numeral remete também à Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), as tentações de Cristo no deserto e o total de vezes que Pedro negou Jesus, entre outros.

Embora seja de imediato associada à religiosidade cristã, A divina comédia parte de um contexto mais amplo e tem relação, ainda, com a filosofia e, especialmente, com a cabala (judaica, cristã e islâmica). "Sem colocar a poética em posição de subalternidade em relação à teologia, Dante extraiu dessas doutrinas religiosas (seja por subtração, seja por adição), não apenas uma parte substanciosa da matéria fabulatória e formal de sua poética, mas também, e não raras vezes, vários dos seus pressupostos", descreve Anco Márcio em seu livro.

O autor lembra também que a ideia popularizada de inferno parte da visão estabelecida pelo poeta florentino nos versos de A divina comédia. "Dante é tão forte que virou adjetivo. Quando algo é terrível, a gente diz que é dantesco", lembra. "São poucos escritores na história da literatura cujo seu nome ou sua obra viraram adjetivos".
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