MÚSICA

Mulheres no comando das pickups

Apesar da falta de oportunidades, profissionais mostram resistência e talento na discotecagem

Publicado em: 08/04/2018 17:12 | Atualizado em: 08/04/2018 17:17

DJ Pax, Nadejda e Nat P. mostram como lutam e vencem as barreiras na música. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP

Dados da Brazil Music Conference (BRMC) - conferência que reúne o mercado da música eletrônica e entretenimento da América Latina - revelam que somente 1,7%  das DJs atuantes são mulheres, enquanto 98,3% são homens. Ao traduzir essas porcentagens em números, um ranking da revista britânica DJ Mag mostra que de cem artistas  comandando as pickups, apenas quatro representam o time feminino. Apesar desses números alarmantes, cada vez mais as mulheres estão conquistando espaço em um cenário  composto majoritariamente por homens: a música. A DJ brasileira ANNA é um bom exemplo disso. Ela foi a primeira mulher a levar o prêmio de Melhor DJ Underground da Rio Music Conference e tem se firmado com consistência dentre os grandes expoentes da música eletrônica mundial. Além dela, nomes nacionais como os de Mara Bruiser, Eli Iwasa e  Ingrid já chegaram a integrar a lista publicada pelo site SheJay, que nomeou as “melhores DJs do mundo”.

 (Shilton Araújo/Esp.DP)
Shilton Araújo/Esp.DP

 
Na noite pernambucana não é diferente. Profissionais femininas estão mostrando que o talento com a discotecagem não pertence somente aos homens. A DJ Pax, residente do Clube Metrópole, começou no mundo da mixagem há 14 anos e sempre observou uma preferência pelos artistas do sexo masculino. “A discriminação é sentida na  vivência, nas contratações, nas tentativas, nas conversas, nas negociações, nas articulações e, notoriamente, como resultado óbvio: nos line-ups”, conta. Para Pax, o nível de  dificuldade para as mulheres terem acesso ao mercado da música continua. “Não ocupamos nossos espaços porque nossas oportunidades não são proporcionais ao nosso  talento. E, na maioria dos casos, quando estamos na cena é porque nossa competência é maior que o desdém”, diz. Ela ainda salienta a desvalorização profissional, sobretudo,  para as mulheres. “Temos que criar festas 'de mulheres' para curtir 'na paz' o som que garotas fazem e por isso somos desqualificadas. A maioria nem cachê ganha. E, quando  ganha, é quase sempre menor ao de uma estrela da sua relevância midiática”, completa. 

 (Shilton Araújo/Esp.DP)
Shilton Araújo/Esp.DP


Nat P. é outra DJ do estado que luta para mostrar o seu trabalho sem distinção. “Cresci vendo apenas DJs homens fazerem sucesso. Entretanto, nos dias de hoje já  é mais comum vermos mulheres nesse cenário. Acredito que ainda há um grande caminho a ser percorrido, mas isso não me desanima. Conheço várias meninas que são muito  boas, e sei que juntas podemos mostrar para a sociedade que existem mulheres igualmente capazes de comandar as pickups”, conta Nat. 

Conhecida por tocar ritmos como o funk  e o brega - com algumas letras de cunho machista -, Natália conta que a discriminação parte dos colegas de carreira e, até mesmo, do público das casas noturnas. “Além de existir  o preconceito por achar que uma DJ mulher pode não ser tão boa quanto um DJ homem, existe uma anormalidade em ter uma mulher comandando a pista de uma festa. E ainda  existem os julgamentos machistas para quem trabalha com o mesmo estilo musical que eu”, finaliza.

 (Shilton Araújo/Esp.DP)
Shilton Araújo/Esp.DP

 
Foi da dificuldade em encontrar espaço para as mulheres nas cabines que a recifense Nadejda Maciel teve o ímpeto de criar um selo para mulheres, a MaddaM. “Realizamos eventos só com mulheres atuando em todas as áreas. Desde a designer que cria as artes, as DJs, a fotógrafa... Em todas as áreas do evento, tentamos empregar mulheres. O projeto nasceu do desejo por mudança e todas as envolvidas têm recebido mais convites para tocar, e também a resposta do público é bastante incentivadora”, explica. Nadejda acredita que as discussões que envolvem questões de gênero e inclusão têm feito com que os produtores repensem a formatação dos seus eventos. “Há uma certa expectativa e fantasia em torno da mulher DJ. O que acaba atingindo sua apresentação. Desde a vestimenta ao repertório. E, na ânsia de ser bem recebida pelo público, pode se perder a identidade artística e profissional. Infelizmente, muitas ainda atuam no amadorismo, o que faz com que as críticas ao trabalho das mulheres neste cenário sejam fortes e muitas vezes cruéis”, diz. Nadejda finaliza contando que a maior dificuldade que encontra em exercer a profissão é a aparência ofuscando o conhecimento técnico da profissional. “Ninguém pergunta se estamos discotecando porque nós amamos a música, ou onde encontramos aquela seleção musical fruto de uma pesquisa diferenciada. Mas muitos comentam sobre a roupa, o cabelo e a maquiagem. Me pergunto muito: Quando isso vai acabar?”, indaga.
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