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Romance de pernambucano narra a saga do pai na tentativa de matar presidente da República

Livro Meu Velho Guerreiro, de Álvaro Filho, foi premiado pela Academia Pernambucana de Letras e será lançado neste primeiro semestre no Brasil e em Portugal

Publicado em: 03/03/2018 19:45 | Atualizado em: 02/03/2018 21:01

Escritor teve o livro premiado pela APL. Foto: Líbia Florentino/divulgação
Em artigo de 1934 para a revista Esquire, Ernest Hemingway escreveu: “Todos os bons livros se parecem: são mais reais do que se tivessem acontecido de verdade”. Isso é bem preciso no caso de Meu velho guerrilheiro, obra de Álvaro Filho, cujo ponto de partida foi uma previsão. Antes mesmo da reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, o pai do escritor pernambucano falava sobre um provável golpe no país. Embora a família tentasse demovê-lo do contrário, frisando o quanto o Brasil é um país diferente da época do regime militar, ele relutava. “Insistia que as pessoas não deixariam ela (Dilma) continuar, pois já havia tido um avanço popular muito grande. E acabaria aparecendo alguém para ‘acabar’ com o presidente substituto. Quando começou a se configurar o golpe, percebi que ele está, na realidade, vivendo à nossa frente”, diz Álvaro. 

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No livro, o pai é transfigurado em personagem mítico e excêntrico, oscilando entre a clarividência e uma suposta demência. Chamam-no de “O oráculo de Olinda”. Misto de Profeta Gentileza e de Antônio Conselheiro do século 21, é descrito como um homem que “olhava pela janela e não via o mar, via o futuro”, cuja voz tinha um mau-agouro. Revoltado com o golpe, toma para si a missão de matar o presidente. 

Ao colocar em prova a sanidade do pai, o narrador também lança o olhar para o passado, recuperando a convivência do progenitor com o avô, já em seus últimos dias de vida. A perda da lucidez é aceita com docilidade, sem grandes sofrimentos ou revoltas. As cenas são reconstruídas em tom poético, observando a velhice com ternura. “Também é uma maneira de suspeitar da minha memória. Quando ela vai começar a me trair? Será que já não está me traindo? Aprendi a não ter muitas certezas. Desconfio de quem tem”, pontua. Os olhares também se voltam para a mãe, a avó e os dois irmãos, cada um descrito com sua carga de problemas, desconfianças, habilidades ou a falta delas. 

A afetividade está por toda parte em Meu velho guerreiro, em uma escrita inspirada pela intimidade com o assunto e por uma forte relação com os lugares e as coisas. Elementos aparentemente simples dão contorno às cenas, modelando-as como metáforas - a cadeira que era do avô, a janela que emoldura o pai, o mar que é visto ao longe, o barco que singra o mar. As águas, aliás, estão presentes ao longo de toda a narrativa (influência declarada de Hemingway, em especial de O velho e o mar), assim como as paisagens de Olinda. “Acho que no momento da escrita eu estava passando um pouco por esse fascínio pelos clássicos. Além disso, Hemingway foi para Havana, que é paroquial como Olinda, tinha mar e era quente”.

Diferentemente das obras anteriores, nesta Álvaro assume um tom contemplativo e sério (este é o primeiro livro sem nenhuma piada, segundo ele próprio). Em questão de segundos, o narrador vai das imagens concretas – “um pescador de olhos azuis como o mar; o balançar das ondas. A brisa fresca e salgada no rosto” - a uma atmosfera onírica: “Sonhava em ser livre como os pescadores. Sonhava em ser livre”. O tom é sempre de reflexão, seja por parte do narrador, do pai ou do “menino meu pai” (como ele se refere ao progenitor quando rememora sua infância). A busca por liberdade é recorrente.

“Foi meu primeiro ato de rebeldia literária, pois saí da minha área de conforto. Quando escrevi outros livros, as pessoas tentavam me achar neles (...). Neste, projetei o que eu gostaria de ser, exagerei muita coisa. Fico preocupado porque as pessoas entendem o que querem entender, mas não posso deixar de contar a história. Fiquei aliviado depois que escrevi. Fiquei feliz”, comenta. 

A forma de disposição do texto também tem papel importante: os parágrafos sempre com quatro linhas, os capítulos do mesmo tamanho, uma repetição de palavras e frases sistemática, como se a cada instante evocasse um mantra. Nada disso foi à toa. O texto dá voltas em si mesmo para reforçar pontos, com a maestria de quem, como o próprio pai, domina a didática. Álvaro escreve como um bom professor dá aula ou como um bom palestrante ministra conferência, mantendo a atenção do público: confunde, mas não cansa. Provoca algum desconforto, mas da maneira como a literatura deve, de fato, causar. 

Aliás, método não faltou na produção do livro. Com a disciplina de jornalista experiente, ele escreveu a obra em 30 dias: cerca de duas horas e meia a cada noite, de olho no prazo fatal para inscrição em um prêmio da Academia Pernambucana de Letras. Venceu. “Me livro com certa velocidade (da obra) porque ela me consome. Fico pensando na história o dia inteiro. Vou para a natação e não paro de pensar. Não entendo como as pessoas passam um ano pra escrever um livro”.

Se, em um primeiro momento, o texto dá a impressão de ser impregnado por questões políticas de ontem e hoje, revela-se, mais adiante, um belo ensaio sobre relações familiares. Álvaro explica a ligação entre os temas: “Tudo tem a ver com a preocupação com os filhos. Se hoje o meu pai tem 75 anos e está preocupado com a situação do Brasil e do mundo, tem a ver com o sentimento dele em relação aos filhos. Herdei isso dele. Um dia meus filhos podem me perguntar: ‘Estava acontecendo aquilo tudo e você não fez nada?’. Pelo menos escrevi um livro. Foi minha forma de tentar trazer esse debate”. 

Meu velho guerrilheiro terá lançamento simultâneo no Brasil (pela editora Jaguatirica) e em Portugal (pela Gato Brabo), onde Álvaro vive. O itinerário de divulgação da obra deve começar na Feira do Livro de Lisboa, em junho, seguir para Paraty, em julho, e só depois chegar até Recife e Olinda.

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