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Artes plásticas

Avesso a exposições, Corbiniano Lins tem obra para ser apreciada fora de museus

Pintor e escultor olindense morreu no sábado (10), aos 94 anos

Publicado em: 12/03/2018 14:00 | Atualizado em: 12/03/2018 14:11

"Não posso viver sem fazer esculturas", dizia o artista. Foto: Alcione Ferreira/DP

Quem circula pelas ruas do centro do Recife provavelmente já se deparou com algumas das obras do artista plástico olindense Corbiniano Lins, que morreu neste sábado (10), aos 94, anos. Com obras na Praça da Independência, Avenida Guararapes e em outros espaços públicos da cidade, Corbiniano tem uma produção visível, mas um nome não necessariamente tão conhecido do grande público. O pintor e escultor estava há 30 dias internado no Hospital Albert Sabin, na Ilha do Leite, e, segundo laudo médico, a causa da morte foi insuficiência renal. Casado com Débora, ele teve oito filhos e deixa oito netos e dez bisnetos.

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As esculturas em formas femininas estão entre os trabalhos mais característicos do autor, mais reconhecido pela produção em pedra e metal. Entre as produções destacadas do artista, disponíveis em espaços públicos, estão O mascate, na Praça da Independência, Estátua, da Avenida Guararapes e o painel em cerâmica Revoluções pernambucanas (1817, 1824, 1948), na praça General Abreu e Lima, na Avenida Cruz Cabugá. Fora do estado, tem peças expostas no Museu de Arte Moderna de São Paulo, além da escultura Iracema, em cimento armado, na orla de Fortaleza.

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Nascido no dia 2 de março de 1924, foi um dos expoentes da Arte Moderna no Recife a partir dos anos 1950, ao lado de nomes como Abelardo da Hora, Celina Lima Verde, Francisco Brennand e Reynaldo Fonseca. Corbiniano Lins. Corbiniano também participou, junto a outros artistas locais, do processo de implantação da lei municipal (Nº 16.292/97) que obriga os edifícios com mais de mil metros quadrados a reservarem espaço para "escultura, pintura, mural ou relevo escultórico".

Responsável pelo livro Corbiniano Lins: Um olhar sobre sua arte (Funcultura, 135 páginas), o escritor e crítico pernambucano Weydson Barros Leal descreve o artista como uma figura tímida. "Era um gigante, como homem, como ser humano. Um gigante muito silencioso, recluso. Acho que até por isso viveu tanto, por se guardar muito bem. A obra dele falava por ele", afirma. "Quem vê essas esculturas lindas pode identificar que era um homem dedicado à beleza, à contemplação", define.

Sobre o fato de Corbiniano ser menos conhecido em relação a outros artistas do estado, o crítico destaca que o problema não tem a ver especificamente com a produção do escultor. "Isso não é um pecado do Recife, de Pernambuco ou da arte. É uma questão humana. Nós nem sempre nos preocupamos em saber de onde vem a beleza", reflete. Ele também credita o desconhecimento ao fato de as obras estarem predominantemente em espaços públicos. "As pessoas estão sempre passando com pressa", diz, acrescentando que, "independentemente do público, a obra existe, está lá, existe, vai sempre embelezar o lugar". "O reconhecimento na arte é algo extremamente complexo, é muito difícil. O grande valor independe do reconhecimento. Isso vale nada. Depois que o tempo passa, é a obra que fica, a obra vai permanecer", defende.

Ainda que sua obra tenha sido exposta em galerias, a cidade sempre foi o museu do trabalho de Corbiniano Lins. Acessível, talvez nem sempre seja apreciada com atenção devida. Está à mostra para quem caminha pelas ruas ou circula dentro de carros ou ônibus, sendo vista quase sempre em momentos pouco propícios para a contemplação. Talvez a maneira como esculturas estão integradas ao ambiente urbano tornem a visão delas tão natural quanto de elementos arquitetônicos ou outros itens que compõem a paisagem e, não raro, passam despercebidos no olhar.
Espaços públicos foram os principais destinos da produção do artista: Blenda Souto Maior/DP

A naturalidade da presença dos traços e formas talhadas por Corbiniano casa com a personalidade do artista. Discreto e reservado, se destacou no ofício não pela imponência ou exuberância de suas criações. O arrojo de sua produção não vem de um detalhismo excessivo, mas da precisão e requinte da composição das formas, econômicas, mas singulares. A simplicidade se mostrava presente até na feitura: as esculturas, muito frequentemente formas femininas, eram modeladas em isopor, com uma simples faca de cozinha. O material depois encaminhado para uma fundição e, por fim, retocado e finalizado pelo artista.

"Eu pintava, mas sempre tive uma inclinação para a escultura", disse em entrevista para o Viver, em 2014. As primeiras incursões nas telas foram a partir de 1940, enquanto as esculturas viriam apenas na década seguinte. Foi aluno da antiga Escola de Aprendizes Artífices de Pernambuco e integrou o Ateliê Coletivo de Olinda, ao lado de Abelardo da Hora, Gilvan Samico e outros nomes.

"É uma coisa que é parte de mim. Não posso viver sem fazer esculturas", afirmava o artista, que continuava a produção mesmo em idade avança. Chegou a produzir três esculturas, duas de grande porte, para sua última exposição, em 2014, acontecimento raro em sua carreira. "Preparar material para expor é um compromisso muito sério, no qual você depende de muitas pessoas. Não é o mesmo processo de esculpir uma obra, no qual estou sozinho", relatou à época.

O escultor foi também tema de um documentário, dirigido por Cezar Maia. Intitulado Corbiniano, o filme resgata a biografia e produção do artista, além de registrar um caso curioso: a retirada, não autorizada, de uma escultura dele fixada no muro do prédio da Compesa, na Boa Vista. O "sequestro" foi uma espécie de proposto em relação à má conservação da obra, que posteriormente foi devolvida à companhia de saneamento.

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