Cinema

Sérgio Rezende filma O Paciente, sobre os últimos 36 dias da vida de Tancredo Neves

Diretor diz que longa é um thriller médico e retrata 'aquele momento agudo da vida brasileira'

Publicado em: 02/01/2018 18:07 | Atualizado em: 02/01/2018 17:52

Esther Góes e Othon Bastos como Risoleta e Tancredo Neves em cena do longa-metragem, que deve estrear no segundo semestre de 2018. Crédito: Desirée do Valle/Divulgação

Figura central no processo de redemocratização do Brasil, Tancredo Neves, mineiro de São João del-Rei, além de ter gestos decisivos no plano político, foi protagonista de um drama agudo e de final trágico, semelhante às grandes histórias do cinema. Presidente eleito indiretamente, mas ainda não empossado, ele caiu doente, com um diagnóstico anunciado de diverticulite. Tancredo morreu antes de assumir o cargo, em 1985, naquele que seria o ato simbólico do fim da ditadura militar que governava o país desde 1964.

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Em 2018, ano em que os cidadãos brasileiros irão novamente às urnas para escolher diretamente seu presidente, os últimos dias de Tancredo, passados em leitos de hospitais em Brasília e São Paulo, serão revividos na telona. O paciente tem estreia prevista para o segundo semestre.

“Não é um filme biográfico, não é sobre a carreira política do Tancredo, mas sobre esse episódio dramático que é a morte dele e os 30 e poucos dias que antecedem isso”, afirma Sérgio Rezende, que dirigirá a adaptação do livro homônimo do historiador Luís Mir, no formato do que ele chama de um thriller médico.

Com Othon Bastos no papel principal, Esther Góes como Risoleta Neves e Paulo Betti e Leonardo Medeiros interpretando os médicos Pinotti e Pinheiro Rocha, o longa teve suas filmagens concluídas e está em fase de pós-produção.

O roteiro de Gustavo Lipsztein se vale dos registros históricos de Mir, classificados por Sérgio Rezende como “um livro técnico, não romanceado, escrito a partir de prontuários, que reconstitui o dia a dia da doença dele”. Por isso, a narrativa resgata a sequência de acontecimentos, iniciada com uma suspeita de apendicite, posteriormente divulgada como diverticulite, mas que na verdade era um tumor, retirado pelos médicos – fato escondido dos noticiários.

“A trama é conduzida pelos médicos e o drama, por Tancredo e Risoleta”, afirma Rezende, cuja filmografia inclui diversos títulos relacionados à personagens e episódios da história brasileira, como Zuzu Angel (2006), Guerra de Canudos (1997), Lamarca (1994) e Mauá - O imperador e o rei (1999).

Em O paciente, a história começa dois dias antes da data da posse, quando Tancredo já apresentava sintomas negativos, como febre e mal-estar, e se estende até o fatídico 21 de abril de 1985, quando sua morte foi anunciada pelo porta-voz Antônio Britto, interpretado por Emílio Dantas. A internação decorrente das dores abdominais durante a cerimônia no santuário Dom Bosco, em Brasília, a transferência do Hospital da Base do Distrito Federal para o Hospital das Clínicas em São Paulo, entre outros momentos emblemáticos do processo acompanhando pela população em clima de apreensão e consternação estão representados, mas, segundo a direção, “90% das cenas se passam dentro dos quartos dos hospitais”.

DEMOCRACIA A angústia vivida pelo personagem principal, atordoado pela impossibilidade de tomar posse como o primeiro civil em 25 anos e ciente da importância que esse fato teria para a nação, é o ponto central do filme, na visão do ator que interpreta Tancredo. “Ninguém sabe ao certo o que aconteceu dentro do hospital com esse homem, que fez toda a trajetória para chegar ao poder e não conseguiu. Ele queria ser a democracia, não apenas presidente. Não queria deixar nenhum rastro para o golpe militar se reerguer, e havia uma desconfiança em torno do Sarney (vice de Tancredo). Por isso não estou fazendo o Tancredo político, eu me preocupo com os 36 dias, humanamente, que esse homem passou internado e que ninguém sabe o que ele sofreu, o que passou na cabeça dele. Por isso aceitei o papel”, diz Othon Bastos, que ganhou um “reforço” na calvície proporcionado pela equipe de maquiagem.

Se ninguém sabe o que efetivamente se passou na mente de Tancredo, a pessoa que esteve mais próxima do presidente eleito foi sua mulher, Risoleta Neves. Testemunha dos fatos da época como cidadã, a atriz Esther Góes, que interpreta a futura primeira-dama, diz que se emocionou com o roteiro. “Eu estava na campanha das Diretas-Já a mil. Era presidente do Sindicato dos Artistas, profundamente envolvida. Mas quando as eleições indiretas prevaleceram, assim como muita gente, fiquei frustrada, com a sensação de que era uma manobra para não haver diretas. Então acompanhei de longe a situação, pela TV. Vi muito essa figura da Risoleta, mas não era algo que me atingia especialmente. Quando li o roteiro, fui tomada por uma emoção enorme. Fiquei profundamente tocada, como há tempos não acontecia.”

Esther faz um paralelo da época das Diretas-Já com o momento atual da política brasileira. “Eu me lembrei dos palanques, das multidões, aquela vontade de terminar a ditadura e voltar à democracia, uma emoção espetacular, que transformou o Tancredo em um ícone, um herói desse processo”.

Dona Risoleta não é a única familiar de Tancredo a aparecer no filme. Além dos filhos Tancredo Augusto (Mário Hermeto) e Inês Maria (Luciana Braga), o neto Aécio Neves, na época com 24 anos e secretário pessoal do avô, também está presente. Lucas Drummond, o ator carioca de 26 anos escalado para o papel e que faz sua estreia em longas, deixa claro que a construção do personagem passa pela separação do Aécio atual – senador eleito por Minas Gerais, candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais e alvo de inquéritos em andamento – daquele que apenas iniciava a vida pública.

“Fazer um personagem real é um grande desafio, porque as pessoas esperam o que já conhecem dessa pessoa. Mas o ator tem que entregar aquilo que o personagem representa para a trama. O Aécio do filme, pouco se sabe sobre ele, ainda não era uma figura pública, como hoje. Não estava envolvido em nenhum tipo de polêmica, como está hoje. O maior desafio foi me desvincular da imagem que eu mesmo tenho dele atualmente e me aproximar daquele Aécio jovem, de 24 anos, que é braço direito do avô, seu grande ídolo, que ele vê ele cair doente prestes a tomar posse”, diz Lucas, adiantando que seu personagem aparece bastante no longa, até pela intimidade que desfruta com o protagonista.

No processo de elaboração do roteiro e personagens, a família de Tancredo Neves não foi procurada pela produção, que preferiu se valer dos livros – Tancredo Neves: O príncipe civil, de Plínio Fraga, além do já citado O paciente – e arquivos jornalísticos de texto, foto e vídeo. “O filme não é uma denúncia. É uma representação de um livro que está aí. Quem quiser reclamar que reclame do livro. Não é contra ninguém. Pega os fatos”, afirma Othon Bastos.

“Procuramos fazer o melhor filme possível. Sei que não estou fazendo um blockbuster, mas quero que, num ano político, o filme possa conversar com a sociedade num nível menos superficial. Insisto em que não é sobre o Tancredo. É sobre aquele momento agudo da vida brasileira no final da ditadura”, diz o cineasta.

*O repórter viajou a convite da produção do longa

Quem é quem


Confira os personagens históricos e os atores que os interpretam na tela

Tancredo Neves - Othon Bastos
Risoleta Neves  - Esther Góes
Dr. Pinotti  - Paulo Betti
Dr. Pinheiro Rocha - Leonardo Medeiros
Dr. Renault - Otávio Muller
Antônio Britto porta-voz – Emílio Dantas
Aécio Neves - Lucas Drummond

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