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Carlos Ivan trata carnaval como compromisso sagrado

Carnavalesco do Bloco da Saudade é o terceiro enfocado da série Filhos do Carnaval

Publicado em: 27/01/2018 11:02

Olindense de nascimento, Carlos Ivan já prestou serviços à Pitombeira dos Quatro Cantos por décadas. Crédito: Peu Ricardo/DP

O sagrado e o profano estão ligados de forma umbilical à vida de Carlos Ivan Melo, de 75 anos. Morador de Olinda desde seu nascimento, ele foi testemunha das profundas mudanças na vida do município. As mãos que ganharam habilidade ao fazer andores e adereços para as procissões da Cidade Patrimônio logo passaram a ter valor também para os blocos da cidade, especialmente a Pitombeira dos Quatro Cantos, cujas fantasias e arranjos saíram de suas mãos por mais de 30 anos. Atualmente, suas criações podem ser vistas no Bloco da Saudade, ao qual presta serviços desde 1995. O carnavalesco é o terceiro perfil da série Filhos do Carnaval, que vai trazer em toda superedição, até o dia 3 de fevereiro, histórias de pessoas cujas vidas foram moldadas pela festa popular.

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A casa de Carlos Ivan, no Bairro Novo, se tornou um barracão informal para dar conta de tantas fantasias saídas de sua imaginação. No andar térreo, o carnavalesco conta com ajudantes para finalizar os detalhes dos trajes que os integrantes do Bloco da Saudade vão usar em seu 45° desfile, em homenagem a Olinda. As saias a serem usadas pelas mulheres são ricas em detalhes, com igrejas, o nascer do sol no mar e até o movimento dos ventos nos coqueiros da orla é reproduzido nas peças. O peso dos arranjos de cabeça, em homenagem ao céu da cidade e ao Santíssimo Salvador do Mundo e das atacas representando os caetés, moradores do local antes da chegada dos portugueses ilustram o nível de detalhismo em seu trabalho.

O interesse pelo carnaval começou cedo. Aos 14 anos, Carlos já começava a exercitar sua destreza ao ajudar na confecção de andores no Convento de Santa Tereza, acompanhado de uma tia. “Minha família sempre ajudava nisso e eu tinha curiosidade em ver os teatros da igreja, os presépios serem arrumados. Fiz os andores de Nossa Senhora do Carmo durante 34 anos, só parei agora. Na época, era natural fazermos arranjos e fantasias para os blocos e confeccionarmos itens sacros durante a Quaresma. Se você perceber bem, os desfiles carnavalescos são procissões. Nelas, há a insígnia, ou estandarte, o andor e a banda atrás. A organização é a mesma”.

A evolução lógica desse pensamento, segundo ele, foi assumir a confecção de fantasias, fazendo croquis e orientando costureiras, além de bolar e executar adereços. Seus desenhos das roupas de carnaval são feitos até hoje com guache e aquarela, técnica que exige grande técnica de quem a utiliza. Mais de cem deles, de várias décadas, são guardados em sua casa. Tudo, diz ele, foi aprendido na igreja. “Até pintar quadros aprendi no convento”. Em décadas passadas, mesmo trabalhando na Varig e na Prefeitura de Olinda, Carlos Ivan não deixou de trabalhar no Carnaval. A dedicação é total e dura o ano inteiro. “Nem dá tempo de brincar. Durante a Quaresma, já começo a pensar nas fantasias do ano seguinte”, explica.

A vida inteira passada em Olinda também o tornou um arquivo vivo do carnaval. Nascido no bairro do Varadouro, Carlos lembra vividamente de como a festa momesca acontecia na cidade. “Fui criado vendo a festa. Na segunda metade dos anos 40, acordávamos com o barulho dos carros, com o cheiro do lança-perfume. Os moradores decoravam as ruas com folhas de coqueiro e bandeiras de papel. Ninguém era profissional, todos eram voluntários. Havia uma ordem nos desfiles: as troças e os caboclinhos saíam de manhã. À tarde, era a vez dos blocos e dos maracatus e, à noite, os clubes. O Zé Pereira vinha de barco até o Varadouro e desembarcava às  18h. Todas as agremiações estavam à espera. Era um carnaval muito pacato, Olinda era praticamente vazia comparada a hoje. Na terça-feira, às 0h, éramos obrigados a encerrar a festa. A Quaresma começava”.

O Vassourinhas e o Flor da Lira foram alguns dos clubes e blocos que receberam a ajuda de Carlos em carnavais passados. Este ano, ele ainda foi incumbido de uma tarefa adicional: desenhar a roupa do Homem da Meia-Noite, já entregue. “Você não pode mexer em uma silhueta de roupa de época. Ele usa uma casaca. É muito difícil atualizá-la sem descaracterizá-lá”, afirma. Tanta articulação o levou à Academia de Artes, Ciências e Letras de Olinda, após escrever o livro O tesouro dos santos de roca, reflexo de sua erudição a respeito dos símbolos católicos. “Só o Sítio Histórico de Olinda tem 22 igrejas e 11 capelas. A religiosidade é algo muito profundo aqui. Outra coisa muito importante que aprendi é que beleza não é para ser poupada”, filosofa.

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