Cinema História de Van Gogh é revisitada em animação feita com pinturas inspiradas na obra artista Primeiro filme produzido inteiramente com quadros a óleo foi feito a partir de 65 mil quadros pintados por 125 artistas

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 03/12/2017 15:01 Atualizado em: 03/12/2017 21:51

Artistas contratados pela produção fizeram curso para aprender técnica e estilo do pintor. Foto: Europa Filmes/Divulgação
Artistas contratados pela produção fizeram curso para aprender técnica e estilo do pintor. Foto: Europa Filmes/Divulgação

Vincent van Gogh (1853-1890) não foi exatamente um artista de sucesso ao seu tempo. Ainda que reconhecido por alguns de seus pares, era inseguro sobre a qualidade da própria produção e enfrentava dificuldades financeiras - reza a lenda que vendeu apenas um quadro em vida, entre as cerca de 900 pinturas a óleo de sua autoria. Tido como um dos maiores pintores de todos os tempos, o holandês fascina tanto pelo legado artístico quanto pela biografia conturbada, marcada por depressão, surtos psicóticos e morte precoce, aos 37 anos. Parte dessa jornada trágica é retratada na animação Com amor, Van Gogh, em exibição nos cinemas desde a quinta-feira.

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Artista tardio, ele começou a se dedicar ao ofício com 27 anos e produziu, ao longo de uma década, cerca de duas pinturas por semana. Da mesma maneira como Van Gogh foi prolífico no relativamente breve período de atividade, o filme também foi construído com base em uma extensa produção: 125 artistas pintaram mais de 65 mil telas utilizadas na animação. Artesanal, o trabalho envolveu a pintura, frame por frame, da gravação original, feita com atores. O longa-metragem custou cerca de R$ 18 milhões.

Anunciado como o primeiro longa-metragem feito exclusivamente partir de pinturas a óleo, o título atesta que o mutirão artístico envolvido não foi um esforço gratuito. Ao mesmo tempo em que reverencia as obras e o personagem central, o resultado causa impacto e emociona. Ainda que na maior parte do tempo busque-se emular características de Van Gogh e o resultado seja, no todo, uniforme, percebe-se em algumas sequências diferentes estilos dos artistas envolvidos no filme, uma dissonância que não incomoda. Pelo contrário, é quase um respiro, considerando a uniformidade excessiva vista em animações contemporâneas. Outro aspecto que quebra um pouco a homogeneidade e traz uma bem-vinda mudança visual é a opção por uma estética realística, próximo da fotografia, nas cenas de flashbacks.

Sem se propor a ser uma biografia, a animação é permeada pela ausência do personagem-título durante maior parte da projeção. A história se passa um ano após a morte de Van Gogh e coloca o jovem Armand Roulin (Douglas Booth), filho do carteiro Joseph (Chris O'Dowd) na missão de entregar uma antiga carta deixada pelo pintor ao irmão, Theo (Cezary Lukaszewicz). Ao mesmo tempo em que busca o destinatário, o protagonista conversa com pessoas que conviveram com o artista e busca mais informações sobre as circunstâncias da morte do pintor, um aparente suicídio.

O processo de investigação aproxima muito a narrativa de investigação e o filme se aproveita de teorias mais recentes que questionam o suicídio de Van Gogh. Uma suposição atual, apresentada na biografia Van Gogh: A vida (Companhia das Letras, 1.128 páginas, R$ 94,90), de Steven Naifeh e Gregory White, sugere que o artista foi morto por um disparo acidental feito por um conhecido. Nas horas em que agonizava após ser alvejado, o pintor teria dito que tentou se matar apenas para proteger a identidade do responsável do autor do tiro. Ainda que por vezes pareça deslumbrado pela beleza dos seus frames e em alguns momentos a estética se sobreponha demais à narrativa, o filme dirigido por Dorota Kobiela e Hugh Welchman é uma empreitada valorosa. E, apesar do inevitável tom de homenagem, explicitado já no título, não se resume a isso, mas conta uma boa história, de maneira competente e sensível.

[Cartas A fidelidade do filme à trajetória não fica restrita ao campo estético. A trama foi elaborada a partir das mais de 800 cartas escritas pelo pintor. Maior parte do volume (625 textos) era destinada ao irmão, Theo, incentivador e financiador do artista. A produção epistolar revela bastante sobre as angústias e inquietações de Vincent, que sofria de depressão, alucinações, crises de insônia e outros distúrbios. Outro destinatário era o pintor Émile Bernard, com quem falava sobre o cotidiano e as obras.

[Dentro e fora das telas
A arte de Van Gogh influenciou pintores e artistas de outras áreas. No cinema, a vida e obra de Vincent renderam de cinebiografias como Van Gogh (1991), de Maurice Pialat, a homenagens, como visto em Meia-noite em Paris, de Woody Allen, cujo pôster mescla o cenário da Cidade Luz à tela de A noite estrelada (1889). Akira Kurosawa chegou a dirigir um curta-metragem intitulado Sonhos (1990), com Martin Scorsese no papel do pintor e cenários inspirados em telas assinadas pelo holandês. Confira, a seguir, outras obras que, de alguma forma homenagearam o célebre artista.

Na TV
Com um protagonista que viaja no tempo e espaço, a série inglesa Doctor Who vez por outra tem personagens históricos em seus episódios. Na quinta temporada do atual programa, o viajante investiga uma estranha aparição em um dos quadros do pintor, mas o momento mais interessante do capítulo é o desfecho. Após resolver o caso, o Doutor (Matt Smith) leva Vincent (Tony Curran) para visitar um museu no tempo atual, fazendo o artista se emocionar ao descobrir que a obra é reconhecida e apreciada no futuro.

Nos videogames
Até nos videogames A noite estrelada é lembrada. A mais famosa tela de Van Gogh inspirou uma fase do jogo Super Mario Bros. U (2012), do Nintendo Wii U. O cenário do estágio é todo elaborado de forma a lembrar o quadro e o estilo do pintor. O artista também é alvo de um trocadilho no jogo Luigi's mansion (2002), do Game Cube, em que o protagonista enfrenta um fantasma, munido de pincel e aquarela, chamado Vincent van Gore, capaz de dar vida às suas pinturas.

No cinema
Os últimos anos da vida e a relação entre o pintor e o irmão são o foco de Van Gogh, vida e obra de um gênio (1991), filme de Robert Altman. Concebido originalmente como minissérie de quatro horas de duração, a cinebiografia estrelada por Tim Roth é uma das mais conhecidas produções sobre o artista. Em 2010, a BBC produziu o docudrama Van Gogh: Painted with words, estrelado por Benedict Cumberbatch. Todas as falas do roteiros foram retiradas das cartas trocadas entre Vincent e Theo.

Nos quadrinhos
Conterrânea, a jornalista e desenhista holandesa Barbara Stok contou em quadrinhos a história do artista em Vincent: A história de Vincent van Gogh (L±, 144 páginas, R$ 34,90). O projeto, realizado com o apoio do Museu Van Gogh, de Amsterdã, reúne também passagens das cartas de Vincent a Theo. Mais recentemente, a artista plástica mineira Mirella Spinelli encarou projeto similar em Vincent van Gogh (Nemo, 48 páginas, R$ 44,90), em que utilizou as cores que remetem a diferentes fases do pintor.

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