Televisão Entrevista inédita e histórias de bastidores são trunfo de filme sobre Reginaldo Rossi Documentário reúne depoimentos marcantes, mas deixa de fora relatos dos bregueiros pernambucanos

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 10/12/2017 21:10 Atualizado em: 04/04/2018 14:50

Trecho de 15 minutos de entrevista inédita com o Rei é usado no filme. Foto: R-TV/Globo Filmes/ Divulgação
Trecho de 15 minutos de entrevista inédita com o Rei é usado no filme. Foto: R-TV/Globo Filmes/ Divulgação


Compositor hábil para tocar almas das mais variadas classes sociais, Reginaldo Rossi foi um exímio contador de histórias. Com  timbre nconfundível e cadência musical mesmo nas conversas, conduzia o ouvinte por meandros de causos perspicazes, com ares pitorescos rançados a reflexões sociais, exaltação do povo e críticas contra o reconceito. As entrevistas, repletas de tiradas, jargões e trechos picantes, são pérolas, uma das quais serve de fio condutor para o documentário Reginaldo Rossi, meu grande amor, da R-TV e Globo Filmes, transmitido pela primeira vez na televisão neste domingo, na Globo, pós o Fantástico. Será a segunda exibição pública do filme de José Eduardo Miglioli com produção-executiva de Carol Carvalho, cuja pré-estreia foi na terça-feira, para convidados.

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A deliciosa conversa com o jornalista Xico Sá e o cineasta Paulo Caldas foi realizada em 2008 e regada a doses de “uísque do mundo inteiro”, conta Xico, para o roteiro de um musical com histórias de amor baseadas nas canções dele. Estava totalmente inédita e por si já vale um especial. Do material bruto de aproximadamente duas horas, foram pinçados 15 minutos, os quais costuram as entrevistas com amigos, parceiros musicais e artistas influenciados por ele, além das cenas ficcionais interpretadas por Roberto Rossi, de 39 anos, ator e filho do Rei do Brega, falecido em decorrência de um câncer de pulmão,
no dia 20 de dezembro de 2013, aos 70 anos.

O roteiro, assinado por DJ Dolores, resgata passagens da juventude, a exemplo dos ensaios autodidatas ao violão e dos encontros musicais com a prima, estudante de acordeom (vivida por Karoline Maciel), e propõe
um encontro - em um bar, claro - entre as versões jovem e adulta do autor de clássicos como Garçom e A raposa e as uvas, Leviana e Recife, minha cidade. A infância do garoto de origem humilde criado por três
“mães” é narrada por ele próprio e pela família. Os tempos de fã de rock, admirador da Jovem Guarda e membro de conjunto musical são lembrados pelos companheiros da The Silver Jets e pelo escritor
Raimundo Carrero.

Ícones do movimento juvenil como Eduardo Araújo, Sylvinha, Rosemary, Renato Barros (compositor da cômica Rossi The King) e  Michael Sullivan defendem a relevância e o alcance mercadológico, enquanto tiram do baú memórias afetivas e passagens hilárias, bem pontuadas também pelo secretário Beto, criado como filho, e o empresário Sandro Nóbrega. Grata surpresa é a fala de Marcelo D2, amizade germinada após perderem um voo embebidos por álcool e conversas no aeroporto.

A homenagem feita à família através da poética atuação de Roberto compensa a supressão de depoimentos do único filho dele com Celeide Neves, falecida em agosto de 2014, vítima de infarto. “Não é uma cinebiografia. Eu só participei do Reginaldo Rodrigues dos Santos. Meu depoimento pessoal seria um apelo de fã”, explica o filho. “O filme apresentou muita coisa que não conhecia do meu pai. Fiquei surpreendido”, elogia ele, que assistiu ao filme entre lágrimas.

Ausências são sentidas, algumas impossibilitadas por choque de agendas, como Roberto Carlos, Ivete Sangalo e Ximbinha, interessados no projeto. Contemporâneos como Odair José, Amado Batista, Fernando
Mendes, Aguinaldo Timóteo e Adilson Ramos não aparecem. A exclusão de artistas locais do brega - especialmente Michelle Melo, a quem Rossi apelidou Rainha do Brega - inconscientemente reproduz um
preconceito contra o qual o homenageado sempre lutou. Em vez dos bregueiros, criados e valorizados no subúrbio recifense, foram escolhidos Lúcio Maia, da Nação Zumbi, e Otto (em frases emocionadas e no dueto no Altas horas, de Serginho Groisman) para ilustrar a nova geração musical do estado, enquanto Gaby Amarantos representa os seguidores artísticos. O depoimento dela é sincero e forte, mas
deveria dividir espaço com pernambucanos.

Um dos mais vendáveis artistas no auge, em 1980, Rossi tem presença cativa em festas, mas não consta nas prateleiras de discos - todos fora de catálogo. Intérprete de profundos sentimentos com a genialidade da simplicidade, é escanteado na literatura e filmografia documental. O Rei do Brega, acompanhado por uma multidão de súditos na despedida, merece homenagens. Longe de ser uma cinebiografia definitiva e com formato mais próximo a especial de televisão que de cinema, Reginaldo Rossi, meu grande amor é o primeiro grande tributo a uma das grandes joias na realeza cultural pernambucana. Emocionantes, os 86 minutos, com cerca de 30 entrevistados, congregam o espírito leve do Rei do Brega e boas histórias.

Entrevista - José Eduardo Miglioli, diretor

Como foi o primeiro contato com Roberto Rossi?

No processo de produção, em novembro, fui apresentar o filme do Chico Science: Caranguejo elétrico no Mimo, no Rio de Janeiro e o chamei pra ver. Depois, saímos e estabelecemos uma relação bem bacana. Aí as coisas começaram a tomar forma. O DJ Dolores trouxe essa contribuição bastante significativa, pois ele achava superimportante desmistificar o Reginaldo simplesmente como ícone do brega e insistiu para a gente trabalhar o início da carreira dele, mais rock'n'roll.

Por que inserir cenas ficcionais, interpretadas pelo próprio filho de Rossi?

Para variar, a gente esbarrou com o problema da falta de cultura de preservação. São 20 anos de história do cara praticamente sem imagem. Quando a gente assistiu ao material na Urso Filmes e teve a certeza de
que teria a possibilidade de usar o material, eu e o Dolores assumimos o compromisso de usar a entrevista como o esqueleto da estrutura narrativa. Como tinha sido feita num estúdio, com fundo preto, surgiu
a ideia de criarmos uma alegoria que seria o encontro dessas duas narrativas. Aí surgiu a ideia de trazer o Beto para dentro do estúdio. Ele é muito parecido com o pai e é ator, tinha estudado. A galera ficou relutante, porque envolveria criar uma janelona de ficção no filme, não planejada, mas a gente comprou a briga. O Reginaldo do filme é baseado nas memórias afetivas do Rossi artista, em cima do que
ele falava.

Por que não há cenas do enterro, assim como em Chico Science: Um caranguejo elétrico?

Essa escolha tem explicações físicas e metafísicas: estou contando a história de quem? Francisco França e Reginaldo Rodrigues ou Chico Science e Reginaldo Rossi? Quando escolhi contar a história dos artistas, estou contando a história de seres imortais. Não cabe a cena de um velório, porque o cara não morreu. Eu acredito que eles estão vivos. eles estão aí. Ganhei um livro, O lobo e a lagoa, de Lula Côrtes, e há uma frase que define bem no fim: “o homem só morre quando a última pessoa no mundo esquece que ele existiu”.

O brega é representado por Gaby Amarantos e Falcão. Por que não pernambucanos?

Você vai fazendo escolhas. Quando a gente chegou no brega, que era um dos capítulos, tinha que escolheu. A cada pedaço, você vai ver quem vai representar o quê, quem vai fazer a costura. Eu tinha a Gaby Amarantos, o Falcão, o Ximbinha, que acabou não podendo, estava bem representado ali. Tinha o Sullivan, que tinha essa trajetória toda. Você acaba chegando em 30, que era o número que eu tinha (de entrevistados). Não dá para botar todo mundo que joga bem na seleção. Essa parte da escolha é sempre bem difícil. E aí você deixa o filme andar. Você joga os nomes para cima e acabam caindo os escolhidos.

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