Literatura
Brasil em crise é cenário de romance do ator Pedro Cardoso: 'Nenhum caminho autoritário nos trará nada de bom'
Em O Livro dos Títulos, Cardoso compartilha suas inquietações e ansiedades sobre momento do país
Por: Agência Estado
Publicado em: 02/12/2017 13:00 Atualizado em:
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| Pedro Cardoso marca sua estreia no romance. Foto: Editora Record/Divulgação |
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Esse é, basicamente, o enredo de O livro dos títulos, uma história de formação, de amor e de loucura que acompanha o personagem ao longo de sua vida. Porém, há mais. O pano de fundo é o Brasil socialmente insalubre, "em convulsão social com o surgimento de várias denúncias de casos de corrupção envolvendo todas as forças políticas". Um país do pré e pós-guerra civil que, ao seu término, terá se dividido em "420 estados independentes, oriundos das milícias que se formaram durante os anos de conflito. O novo mapa político terá sido definido em uma infinidade de tratados e armistícios, que ficarão conhecidos como Tratados da Des-União Brasileira ou Des-Tratos da Fundação", conta o narrador.
Pedro quis escrever o livro numa tentativa de organizar ideias e ansiedades sobre o país e compartilhar suas inquietações. "Escrevi sob o impacto dos acontecimentos dos últimos anos e um pouco desesperado de tanta coisa sobre as quais gostaria de falar. Mas o livro é um romance e não um ensaio teórico. O que os personagens dizem não é o que eu diria. Acho que nem sei bem o que diria - estou vazio de certezas", diz.
O ator e escritor prefere não dar detalhes sobre a história ou falar sobre o país em desintegração que criou. Referindo-se aos dias de hoje, comenta que são muitos os motivos para nos preocuparmos - a "tentação fascista que ilude os tolos" é o principal deles. "Nenhum caminho autoritário nos trará nada de bom. Todo totalitarismo é falso e covarde. E os moralismos que se esboçam, com reações descabidas contra a sexualidade e os muitos modos de amar que são próprios da humanidade, são mesmo inquietantes e devem sofrer a nossa mais serena e severa oposição", diz.
Pedro quer ter esperança, porque "desesperança é um luxo de gente rica e indiferente". O ator, no entanto, ainda não sabe no que acreditar. "Tenho fé que algo novo haverá de surgir, mas não sei o que seja nem de onde virá. Estou à espera. Ativamente, esperando que algo venha e me diga o que nunca imaginei que seria o futuro. Tenho a convicção de que só algo que ainda não se manifestou nos haverá de tirar desse atoleiro em que nos encontramos."
EUROPA
Pedro Cardoso mora em Portugal. Diz que essa decisão não tem a ver com o momento do Brasil. Sempre quis ter uma experiência como essa, mas tudo ocorreu rápido demais -carreira, família - e perdeu a chance de fazer isso mais jovem. Quando ganhou dinheiro para bancar o sonho, não conseguiu se desvencilhar das obrigações no Brasil - por mais de uma década, ele foi o Agostinho de A grande família, sucesso da Globo que chegou ao fim em 2014.
Os projetos atuais estão ligados à peça O homem primitivo, escrita em parceria com a mulher, Graziella Moretto, que trata da gênese e das consequências do sexismo. Graziella planeja um filme sobre o texto, abordando uma questão que, comemora o ator, "está finalmente ganhando o protagonismo que lhe é devido". Fora isso, Pedro tenta emplacar uma série sobre o Brasil, com seus ricos e pobres. Até agora, o projeto não teve o apoio de nenhuma emissora. Se não der certo, o novo escritor considera transformá-lo num romance. "No mais, estudo inglês e francês como um adolescente", brinca.
O ator e escritor está no país para uma série de lançamentos. O banner que tem colocado atrás da mesa de autógrafos diz: "Ator desempregado à procura de leitores". Tudo não passa de graça, garante. "Uma brincadeira com o fato de ter ficado no ar por muitos anos e ter desaparecido desse convívio semanal com o público. Sinto saudade disso. O desemprego é brincadeira."
O 'escritor amador'
Pedro Cardoso lê desde sempre, o dia inteiro e muito devagar, porque é disléxico. Não se considera grande leitor e muito menos erudito ou grande conhecedor de literatura. "Gosto de ler, simplesmente. Leio alguma teoria, alguma filosofia, bastante sobre história e muitos romances. Mas sou leigo, repito. E gosto de ser um leitor amador. E, muito provavelmente, sou também um escritor amador", afirma.
Seu romance faz referências a várias obras da literatura brasileira e estrangeira. O nome O livro dos títulos surgiu do fascínio que ele sente pelo nome que as coisas têm e pelo poder que isso evoca. "Cada um de nós tem uma biblioteca na memória, onde estão guardados os livros que lemos. Achei que seria interessante para o leitor cotejar o cânone dele com o do meu livro", explica.
A certa altura, o protagonista, que gostava de deitar no chão e passar os olhos pelos títulos na estante, chegou a escalar uma seleção. "No gol: A Pedra do Reino; na defesa: Lucíola, Fogo morto, Casa grande; no meio-campo: Quincas Borba, Ed Mort, Juca Mulato e Catatau; no ataque: Benjamim e Budapeste. Técnico: Romanceiro da Inconfidência. Escalou também o time adversário, além de seleções para os diversos países combinando gêneros e épocas.
Para o personagem de O livro dos títulos, eles tinham uma outra função. "Cada título me dava uma sugestão de pensamento que, por ser breve e concisa, eu conseguia penetrar. Ou, melhor dizendo, eu conseguia me deixar ser por ela penetrado; e usufruía, imaginando que estória se conformaria com aquele título". Pedro Cardoso revela que a história de O livro dos títulos foi chegando a ele à medida que ia contando para um possível leitor. Tem um certo humor ali, e o ator estranharia se ele não tivesse se manifestado. "O que me guiou foi sempre um desejo de agradar, de entreter, de criar um bom momento para o outro. Escrever é, certamente, um modo de organizar o próprio pensamento. E estava precisando organizar o meu", conclui.
O livro sos títulos
De Pedro Cardoso
Editora Record
196 páginas
R$ 34,90
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