Música

'Ser negro é difícil, mas para mim é muito prazeroso', diz Péricles. Confira a entrevista

'Acho fundamental mostrar a importância do nosso povo negro para a construção do Brasil', ele diz

Publicado em: 18/11/2017 11:32 | Atualizado em: 09/04/2020 22:02

Músico renovou o pagode ao colocar elementos da música pop em sambas de partido-alto. (Foto: Moove/Divulgação)
Músico renovou o pagode ao colocar elementos da música pop em sambas de partido-alto. (Foto: Moove/Divulgação)

Quando era integrante do Exaltasamba, o timbre grave de Péricles destacava-se entre as outras vozes da banda. O músico foi intérprete de canções como Gamei, Cartão postal e Louca paixão, na fase de ouro do grupo que atravessou os anos 1990 quebrando barreiras e lutando contra vários preconceitos ao se consolidar no mercado musical. Sambista desde 1986, ele segue carreira solo há cinco anos como um dos principais expoentes do pagode nacional. O vasto repertório será apresentado na Casa de Samba, localizada no bairro do Arruda, no Recife, neste sábado (18).

O lançamento mais recente do paulista é Deserto da ilusão, com 12 faixas inéditas. Embora voltado para a carreira solo, o disco possui participações de outros artistas dos mais diversos gêneros musicais, incluindo Djavan, o funkeiro Mc Livinho e a dupla Jorge & Matheus. A atual música de trabalho é Vai por mim, uma parceria com Marília Mendonça que configura um pagode com um tímido toque de sertanejo. "Tenho influências de vários sons, ouço de tudo e acredito que quanto mais misturar, melhor vai ficar, isso só contribui para a nossa música. Trago influências do rhythm and blues e da soul music, salsa, sertanejo e mantenho o samba como minha base, isto está presente neste disco", explica o cantor.

Com 31 anos de carreira na música, ele ainda colhe os frutos por ter renovado o pagode ao colocar elementos da música pop em sambas de partido-alto, deixando um legado para as novas gerações. Péricles foi convidado para ser um dos puxadores da escola de samba Mangueira no carnaval do Rio de Janeiro de 2018. Além de empunhar o microfone na Marquês de Sapucaí, o artista vai participar da gravação do CD oficial das escolas. "É uma experiência muito diferente de um show, mas acredito que a energia boa da avenida é que vai direcionar tudo. Quando mexemos com a história e emoção das pessoas, nossa responsabilidade aumenta, então vou fazer o máximo para representar muito bem a Verde e Rosa, que mora no meu coração desde sempre", conta o cantor, ao falar de suas expectativas para o momento.

ENTREVISTA - Péricles, cantor


O álbum conta com muitas participações especiais, inclusive com artistas de outros gêneros musicais. Por quê?

Acho que todos os gêneros têm se renovado e trazido cada vez mais pessoas competentes, criativas, e isso tem atingido o público, então acredito que a missão da música está se cumprindo. São artistas incríveis, todos com sua trajetória já consagrada dentro da música e vieram cantar samba no meu CD. Para mim, foi uma alegria muito grande poder ter a participação de todos eles. Não podemos nos prender a um rótulo ou fechar nossa mente, porque a música é um universo grande, podemos sempre ir além, e quis mostrar isso neste trabalho.

Acha que o pagode pode voltar a ter um momento parecido com seu auge, como nos anos 1990?
Foi uma época maravilhosa, que abriu portas pra muita gente e foi fundamental para consolidação do samba como uma realidade, na cabeça e no coração das pessoas. Tivemos nos anos 1990 uma gama de grupos e artistas muito talentosos, que deixaram um legado super importante para o samba e que influenciam até hoje a nova geração. Todos nós tivemos a nossa contribuição, assim como o Raça Negra abriu portas para que a gente pudesse chegar em grandes eventos. O Fundo de Quintal também deu sua contribuição. Tivemos a coragem de quebrar algumas barreiras e lutar contra vários preconceitos até conseguir nos consolidar no mercado. Mas deu tudo certo. A forma de fazer música muda de tempos em tempos, então não dá pra dizer que aquela época foi melhor que a nossa de hoje, pois ambas têm suas qualidades, sua importância e muita gente talentosa trabalhando. O pagode se mantém como realidade na música e isso é muito vitorioso.

Recentemente, o vazamento do vídeo em que o jornalista William Waack fez um comentário racista iniciou o movimento #IssoÉCoisaDePreto. O que acha desse momento do país, onde esse tipo de comentário não está sendo mais tolerado?
O incômodo com a falta de respeito, seja ela qual for, é imprescindível para  o crescimento de uma sociedade mais justa e a formação de cidadãos mais conscientes. A situação do cidadão negro está melhor do que antes, embora acredite que aquilo que ainda é oferecido ao negro tem aparência de esmola, ou correção de um erro histórico, o que é feito de uma maneira não tão justa. Eu acho fundamental mostrar a importância do nosso povo negro para a construção do Brasil. Acho que estamos caminhando para uma sociedade mais humana, mas ainda falta muito, ainda temos muito o que fazer. Precisamos de muito mais oportunidades pra mostrar nosso valor. Ser negro é difícil, mas para mim é muito prazeroso. Me dá a chance de aprender como outras pessoas nos veem, e mostrar como nos vemos e gostaríamos que nos vissem. Me entristeço quando vejo números mostrando que jovens negros são cada vez mais alvos de violência, são também os primeiros na estatística que mostra a evasão escolar (vamos reparar e acreditar que uma coisa leva a outra), e creio que a falta de educação ainda é o grande fator que impede uma melhor condição de vida para nosso povo. É preciso mostrar para as futuras gerações que é preciso reverenciar o passado da nossa criação enquanto pessoas e país, para merecermos um futuro digno e sem essa ideia de preconceito, seja ele qual for ou de onde venha.

Em algum momento na sua carreira você sofreu preconceito por cantar pagode?
No começo não foi nada fácil, tive um monte de barreiras. Achavam que cantar pagode ou samba não tinha um status de importância, por ser popular e não atingir uma minoria, quando é exatamente por ser popular que é importante. O descrédito é do ser humano, é algo natural, mas, depois, todos foram vendo as vitórias e o respeito foi crescendo. Graças ao ensinamento que recebi na infância, principalmente da família, aprendi que não sou melhor que ninguém, mas ninguém é melhor que eu.

Acha que esse preconceito com o pagode existe/existiu pelo ritmo ter raiz negra e da periferia?
A sociedade em geral é preconceituosa com aquilo que não faz parte do "padrão", que eu não sei quem é que estabeleceu, mas existe aí no imaginário das pessoas. O pagode foi marginalizado e hoje está recebendo o merecido reconhecimento. É muito bom perceber que funcionou, fizemos uma música capaz de unir as pessoas e romper barreiras. Acredito e acompanho o crescimento do samba e do pagode nas trilhas sonoras de novelas, nos filmes, programas de TV abertas ou por assinatura. Isso contribui para a desmarginalização do pagode e torna o brasileiro menos preconceituoso em relação a si próprio e aos outros. O samba vem consolidando seu espaço e mostrando que a sua linguagem é universal. Eu sou recebido muito bem em todo lugar e acredito que isso tem a ver com o lugar que o samba já ocupa, de promover união sem distinção, de diminuir preconceitos.

Assista ao clipe de Vai Por Mim, com Marília Mendonça:



SERVIÇO
Péricles ao vivo

Quando: 18 de novembro (sábado), às 22h
Onde: Casa de Samba (Avenida Beberibe, 1413, Arruda, Recife)
Ingressos: R$ 40, à venda na Figueiras Calçados e Bilheteria Digital (https://www.bilheteriadigital.com/)
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