Carnaval 2018 Prefeitura do Recife estuda mudanças no carnaval de 2018 e antecipar cultura popular Representantes de grupos e agremiações têm se mostrado apreensivos quanto às propostas

Por: Alef Pontes

Publicado em: 03/11/2017 19:30 Atualizado em: 04/11/2017 19:52

Tradicional encontro de maracatus corre risco de não ocorrer. Foto: Rafa Medeiros/PCR
Tradicional encontro de maracatus corre risco de não ocorrer. Foto: Rafa Medeiros/PCR


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Uma proposta apresentada pela Secretaria de Cultura do Recife para alterar o local e a data dos desfiles e concursos das agremiações no carnaval 2018 vem provocando críticas e gerando discussões entre representantes de grupos de cultura popular e lideranças culturais do estado. Tradicionalmente realizadas no Polo Avenida Nossa Senhora do Carmo, no Bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, as apresentações podem ser transferidas para trecho da Avenida Alfredo Lisboa, Bairro do Recife, entre o Forte do Brum e o Museu Cais do Sertão, na semana de pré-carnaval. Entre as críticas levantadas, estão a "deslegitimação" dos representantes da cultura popular e uma "tentativa de higienizar" o carnaval recifense ao retirar os grupos de seu local tradicional e do período carnavalesco. Outra mudança que estaria em pauta, seria a retirada do encontro de maracatus da abertura oficial do carnaval do Recife.

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Historiador e conselheiro de Cultura do Recife, Alexandre L'omi L'odó tece duras críticas à proposta apresentada pela gestão municipal. "A gente acredita que isso é um rompimento cosmológico total com o imaginário do carnaval do Recife. Nós temos um concurso de agremiações que, desde a década de 1930, ocorre durante o carnaval para o qual todos os grupos do Recife e interior se preparam para este período, e que a prefeitura pretende mudar com base em uma justificativa falha", aponta Alexandre, que enxerga na medida uma "conveniência da prefeitura, que não consegue apoiar a cultura popular, que é a cara do carnaval, como deveria".

"Essa proposta desfavorece os grupos de cultura popular em diversos pontos: A grande maioria dos brincantes trabalha e é justamente durante os dias do carnaval que eles estão de folga e podem participar. Colocando as apresentações para a semana pré, você já desarticulou centenas de pessoas que não poderão participar com suas agremiações", enumera.

Alexandre lembra ainda que grande parcela dos grupos de cultura popular tem origem nas religiões de matrizes indígena e africana, e que possuem uma relação de caráter espiritual com com o ciclo festivo." Existe toda uma preparação de aspecto religioso que é fundamental para os grupos de cultura popular, uma série de obrigações, rituais e imolações que ocorrem justamente na semana pré-carnavalesca. Então, colocar para esses dias é um desrespeito para com estas religiões", argumenta. "Isso desconstrói a gente por dentro, como se fosse um cupim racista", completa.

Participam do desfile e concursos de agremiações Troças Carnavalescas, Clubes de Frevo, Clubes de Boneco, Blocos de Pau e Corda, Maracatus de Baque Solto, Maracatus de Baque Virado, Caboclinhos, Tribos de Índios, Bois de Carnaval, Ursos (La Ursa) e Escolas de Samba.

Presidente da Associação dos Maracatus Nação de Pernambuco (Amanpe), também conhecidos como Maracatu de Baque Virado, Fábio Sotero enxerga na proposta uma possibilidade de mudança positiva em termos estruturais para os grupos. "Eu, particularmente, vejo a alteração de forma positiva. Porque o atual local de apresentações é desproporcional ao volume dos grupos de cultura popular que se apresentam. O espaço da Dantas Barreto era o 'quarto da empregada' do carnaval do Recife, que recebia uma estrutura absolutamente precária de som e segurança, por exemplo", contrapõe.

"Um ponto que está incomodando as agremiações nessa discussão é que muitas pessoas chegam de fora do estado para acompanhar os desfiles durante o período de carnaval, e, sendo realizado na semana pré-carnavalesca, não poderiam estar presentes nos concursos de agremiações", continua Sotero. "Se for realizado da forma que está sendo proposto, pode ser positivo. Nós vamos ter o Domingo de Carnaval 'livre' para realizar outras apresentações, por exemplo. A Fundarpe sempre reclama que tem dificuldade de mandar as agremiações para o interior, porque todos os brincantes estavam concentrados no Recife durante o carnaval, e isso não iria mais ocorrer", pondera.

L'omi L'odo, por outro lado, defende que as apresentações permaneçam dentro do período de tempo da programação oficial e que investimentos sejam realizados nos locais tradicionais. "A Dantas Barreto pode não ser o melhor lugar do mundo, mas eu acho muito pior o Forte do Brum, que é um local muito mais inóspito e sem tradicionalidade. Realizar estas mudanças é tirar o protagonismo da cultura popular no carnaval", afirma.

"Na última reunião do dia 30, a gestão municipal argumentou que a mídia não cobre os cortejos e desfiles porque ocorrem durante o carnaval e que, dentro da hierarquia, a cultura popular não teria prioridade. Isso é uma justificativa falha, porque se você tem um investimento em políticas públicas, é natural que este espaço tenha um reconhecimento e uma estrutura decente. Entendemos que isto se trata de uma falta de vontade política. Se é a cultura popular que traz milhões para o estado no carnaval, ela deveria receber uma partilha minimamente digna."

Ele argumenta que as manifestações são protegidas pelo Decreto nº 6040 (de 7 de fevereiro de 2007), assinado pelo então presidente Lula, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais: "Nós somos protegidos por lei, nossa territorialidade e a consecutiva tradicionalidade dos brinquedos tradicionais do nosso povo". "Eu entendo todo esse processo como um racismo institucional que sempre vai despriorizar 'aquela coisa do negro, do índio e do favelado'. Porque, para eles, é muito mais interessante investir no Marco Zero e deixar esse povo negro e favelado à revelia, sofrendo com a falta de segurança e estrutura durante o período", diz.

"Na primeira reunião que fizemos, Leda Alves argumentou que 'toda a mudança dói, mas é importante a gente experimentar'. Porém, quando a gente vê que a tentativa já vem com uma perspectiva falha absurda, que fere os direitos dos povos tradicionais, não podemos nos calar", diz Alexandre. Ele afirma que a prefeitura tem realizado reuniões segmentadas com grupos e agremiações separadamente, "com o objetivo claro de convencê-las". "A maior parte destes grupos são vulneráveis, porque temem perder o lugar no carnaval. Esse tipo de negociação demonstra uma natureza muito perigosa. É uma relação é totalmente Casa grande & senzala", critica, afirmando ver na proposta o objetivo de diminuir os recursos para a cultura popular. "Se você não respeita a tradição, você vai estar respeitando o quê?".

ABERTURA EM RISCO

Outro ponto alvo de duras críticas por parte dos representantes da cultura popular seria a possibilidade de retirada do tradicional cortejo e encontro de maracatus da abertura oficial do carnaval no Recife. "No ano passado, quando se iniciaram as conversas sobre as homenagens a Naná Vasconelos, Leda Alves deixou muito claro que seria o encerramento do ciclo de aberturas com a participação dos maracatus. Nas duas reuniões que tivemos este ano, não foi falado sobre a abertura. Porém, Leda falou que a abertura do carnaval cairia no dia 9 de fevereiro, quando é celebrado o Dia do Frevo, e que portanto, o carnaval seria realizado em homenagem ao frevo", afirma o presidente da Associação de Nações de Maracatu, Fábio Sotero. "Depois da morte de Naná Vasconcelos, eles já querem fazer um outro planejamento. Isso é um prejuízo a mais para a nossa cultura", concorda L'omi L'odo.


"Nós estamos há um mês negociando uma reunião para discutir exclusivamente sobre a situação dos maracatus de baque virado. Até que fomos lá na prefeitura e pressionamos o secretário-executivo, Euardo Vasconcelos", aponta, sobre o encontro que ficou acordado para a segunda-feira (6). Segundo Sotero, a associação pretende levar três propostas distintas para a realização do encontro das nações de maracatu: "Vamos lutar pela permanência do encontro na abertura oficial do carnaval, este é um momento já tradicional para a cultura popular e precisa permanecer. Se não for aceito, temos outras duas propostas para apresentar". "A gente vai propor um outro formato, porém mantendo o encontro entre os maracatus, e propor um novo modelo para a Noite dos Tambores Silenciosos, que já está ultrapassada", completa.

Através de nota oficial, a Secretaria de Cultura do Partido dos Trabalhadores de Pernambuco (PT-PE) se manifestou contra o que considera uma tentativa de "higienização do carnaval do Recife". O formato do carnaval multicultural foi instituído pelo partido durante a administração da cidade, no início da década passada. "Não bastando a crescente falta de apoio que assola as agremiações, ano após ano, é retirá-las da visibilidade dos dias de carnaval é considerá-las manifestações de segunda categoria e jogá-las num ostracismo impensável para clubes, maracatus e caboclinhos históricos, entre outros. Essas manifestações, algumas delas Patrimônio Imaterial Estadual, Nacional e da Humanidade, precisam ser valorizadas, ocupando a área central da cidade, nos dias de carnaval", denuncia trecho do texto.

"Suas agremiações precisam receber o apoio necessário do poder municipal, para que possam cumprir com suas apresentações e mostrar a riqueza da diversidade cultural do nosso estado. A alma do nosso carnaval está sendo atacada, e não vamos calar diante desse despropósito! Deixem nosso carnaval em paz!", continua o comunicado.

RESPOSTA

Segundo o secretário-executivo da Prefeitura do Recife, Eduardo Vasconcelos, a proposta de alterações de datas e local foi elaborada a partir de demandas levantadas pelos próprios grupos e agremiações. "A gente acredita que o protagonismo das nossas agremiações é o protagonismo do carnaval. São 12 segmentos que vivem nessa luta diária, nos 365 dias do ano, produzindo os seus espetáculos. E, com todos esses anseios, a gente pensou em discutir isso."

O secretário afirma que, antes de se chegar na Avenida Alfredo Lisboa, outros locais foram avaliados. "Temos um grupo de trabalho que envolve segurança urbana, segurança pública e bombeiros, passamos por três pontos diferentes da Dantas Barretos, também pela Avenida Guararapes e pela Rua do Sol. São vários locais que pesquisamos, dentro deste eixo Centro do Recife, que é o lado simbólico e histórico do carnaval, visando atender a demandas de estrutura levantadas pelos grupos", explica Eduardo.

Entre as demandas levantadas, estariam uma maior proximidade com o palco do Marco Zero - para onde é voltada a maior parte das atenções e públicos -, um maior reconhecimento midiático e melhorias estrutura e segurança. "O local do estacionamento dos ônibus das agremiações, por exemplo, que na Nossa Senhora do Carmo era uma confusão. Na Alfredo Lisboa você tem toda aquela região do entorno que proporcionaria mais conforto para eles", afirma. "O que a gente fica surpreso é porque escutamos essas demandas deles", comenta.

Eduardo Vasconcelos conta ainda que a proposta de realizar as reuniões segmentadas tem como objetivo estabelecer um contato direto com as agremiações. "Vamos escutar eles primeiros, que são legitimados para essas agremiações, para depois ampliar a discussão. Eles é que vão dizer, através de suas experiências, e nós vamos ver se há viabilidade de atender. A ideia é a pensar junto com quem protagoniza os festejos", conta o secretário.

"Por isso que a gente pensa na semana pré-carnaval, porque não teria outra coisa ocorrendo, não existiria concorrência e eles seriam o foco principal do público e imprensa. Veio a questão da religiosidade e nós estamos tratando disso com o maior respeito, porque entendemos que se trata de uma construção diretamente ligara à religiosidade, principalmente de matriz africana, que abrange a grande parte deste 12 segmentos", argumenta o gestor. "Vamos conversar quantas vezes forem necessárias com os representantes das agremiações".

Entre estas demandas, o secretário argumenta que o trecho entre o Forte do Brum e o Cais do Sertão possui espaço suficiente para colocar e ampliar o número de arquibancadas, realizar o recuo de bateria e posicionamentos dos jurados de forma adequada. "São várias coisas que apontam para isso, mas a decisão vai ser em conjunto com o poder público e com os brincantes. Se lá não for o local ideal, a gente muda no ano seguinte. Mas estamos dispostos a oferecer visibilidade, respeito e um local digno, próximo ao Marco Zero, e que tenha uma estrutura de som, luz e acomodações para que eles possam ser o foco das atenções", completa.

Eduardo Vasconcelos nega ainda que vá haver a extinção do encontro de maracatus ou retirada da abertura oficial. "Não vai deixar de ter de jeito nenhum. A gente não abre mão desta tradição iniciada por Naná Vasconcelos, mas ainda não chegamos nas discussões sobre a abertura do carnaval", conclui.

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