Janela Internacional Aflitivo e violento, O Animal Cordial faz horror que brinca com estereótipos Filme de Gabriela Amaral Almeida constroi estado de barbárie em um restaurante de classe média

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 13/11/2017 08:43 Atualizado em: 13/11/2017 07:39

Perfomance de Benício foi premiada no Festival do Rio. Foto: RT Features/Divulgação
Perfomance de Benício foi premiada no Festival do Rio. Foto: RT Features/Divulgação

Poucas vezes se viu tanto sangue em uma produção nacional voltada para o circuito comercial quanto em O animal cordial, filme de Gabriela Amaral Almeida exibido no Janela Internacional de Cinema do Recife. Aliás, raro também um representante do gênero terror tão bem realizado e que, de quebra, ainda faz interessantes comentários sociais. O título ainda não tem data de estreia definida. 

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A ação se passa inteiramente no interior de um restaurante de classe média comandado por Inácio (Murilo Benício), um gestor ríspido e arrogante que, frequentemente, se desentende com os funcionários. Ao fim de mais um dia de expediente, com poucos clientes na casa, o estabelecimento é assaltado por uma dupla de bandidos. Em pouco tempo, Inácio saca uma arma escondida no balcão e controla a situação, rendendo um dos assaltantes, Magno (Humberto Carrão) e baleando o outro, Nuno (Ariclenes Barroso).

Contra a vontade de todos, o dono do restaurante decide não acionar a polícia, alegando não confiar nas autoridades, e decide manter os funcionários, clientes e bandidos, como reféns. A única exceção é a atendente Sara (Luciana Paes), que obedece as ordens e ajuda a trancar os ocupantes do local na cozinha. Com diferentes estratos sociais representados, o ambiente pode ser considerado um microcosmo da sociedade brasileira e trava diálogos com questões sempre atuais, da luta de classes à misoginia. 

Inácio é uma espécie de materialização do discurso de "bandido bom é bandido morto". E junto a essa visão de mundo, traz consigo outros inúmeros preconceitos, incluindo aí misoginia, racismo, homofobia. Chef de cozinha do restaurante, Djair (Irandhir Santos) é um dos alvos da violência do patrão: trans, recebe xingamentos e, sem qualquer fundamentação, é tratada como suspeita de ser cúmplice do assalto. Um a um, todos os ocupantes do recinto vão atingidos pela agressividade de Inácio, em uma crescente de loucura e brutalidade.

Personagem atípico na carreira de Benício, quase sempre em papéis bonachões, o protagonista é uma das grandes interpretações do ator, premiado recentemente no Festival do Rio pela performance. Igualmente transtornada, Luciana Paes mostra potência ao interpretar uma figura complexa, que ao mesmo tempo carrega brutalidade e certa ingenuidade. Em seu primeiro longa-metragem, Gabriela Amaral Almeida mostra domínio de diração digno de veterana. 

Por mais que o desenrolar dos acontecimentos pareça caminhar para o exagero, é difícil não enxergar em Inácio uma inevitável verossimilhança, ainda mais em tempos que a cultura do ódio e violência parecem cada vez mais presentes e, não raro, encaradas até com normalidade ou, simplesmente, legitimadas por discursos de intolerância. 

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