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Música Parceiro de Noel Rosa e esquecido pelo Brasil, Vadico ganha biografia Músico deixou obra importante, ajudou Ary Barroso a conquistar o mundo e trabalhou com ícones dos EUA

Por: Alexandre de Paula

Publicado em: 12/10/2017 15:45 Atualizado em: 12/10/2017 09:18

Vadico queria provar que era mais do que só o parceiro de Noel Rosa. Foto: O Cruzeiro/Reprodução
Vadico queria provar que era mais do que só o parceiro de Noel Rosa. Foto: O Cruzeiro/Reprodução

O melhor parceiro de Noel Rosa. Assim Vadico ficou marcado na história da música popular brasileira, relegado a um lugar de pouco destaque. No entanto, Oswaldo de Almeida Gogliano (1910-1962) foi um dos grandes compositores do Brasil, cujo talento era reconhecido por Vinicius de Moraes e com respeitável carreira nos Estados Unidos, onde morou por 15 anos.

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O jornalista e escritor Gonçalo Junior faz veemente defesa de Vadico em Pra que mentir? (Noir), o mais completo documento sobre a vida e a obra do compositor paulistano – da parceria com Noel Rosa (1910-1937), na década de 1930, à carreira nos EUA, passando por graves problemas de saúde.

Antes de escrever Pra que mentir?, o jornalista lançou as biografias de Assis Valente (1911-1958), autor de Brasil pandeiro, e de Evaldo Braga (1945-1973), famoso pelo hit popular Sorria, sorria (''Sorria, meu bem/ Sorria/ Da infelicidade/ Que você procurou'').

Assis e Evaldo tiveram histórias trágicas e impactantes, assim como o parceiro de Noel. ''Vadico me pareceu um enigma, também um personagem a ser desvendado. Seria muito fácil escrever sobre alguém como Lamartine Babo, Ary Barroso e Nelson Gonçalves'', comenta Gonçalo Junior.

Quando faz pesquisas para algum projeto, o jornalista cataloga informações sobre pessoas que fazem parte da trajetória dos biografados. Parte do material sobre Vadico veio daí. ''A pesquisa foi insana. O problema maior é que havia pouca coisa, em muitos lugares, sobre ele'', comenta Gonçalo.

Foram oito meses de escrita e quase duas décadas de pesquisas. ''Todos os dias, entro em sites caçando livros, discos e partituras, por exemplo. Você vai juntando as peças, mas fica bastante caro, porque esse material custa muito. No fim, é mais satisfação pessoal do que qualquer outra coisa'', conta o jornalista.

O acesso ao material sobre Vadico e o contato com alguns familiares do artista permitiram a Gonçalo trazer a público novidades sobre o compositor, o que ajuda a compreender melhor o papel desempenhado por ele na cultura brasileira.
''As dívidas que a história da música popular brasileira têm com Vadico são imensas. Ele sempre foi chamado de o ‘tal do parceiro de Noel Rosa’, só isso'', reforça Gonçalo.

DIREITOS AUTORAIS Vadico ficou marcado pela polêmica sobre direitos autorais. Em 1954, quando voltou ao Brasil (que trocara pelos EUA na década de 1940), o compositor percebeu que Noel Rosa, morto há quase 20 anos, havia vendido, sem o seu consentimento, parcerias dos dois – Conversa de botequim, Feitiço da Vila e Pra que mentir?. Buscou entender o que havia ocorrido naquele período que passara fora do país.

O apresentador Flávio Cavalcanti soube da história nos bastidores de um programa de que Vadico participaria. E levou a polêmica para a TV, criticando duramente Noel. O fato gerou escândalo e o Poeta da Vila foi defendido pelo radialista Almirante, companheiro do Poeta da Vila no grupo Bando de Tangarás.

A polêmica estourou em 1957, durou um ano e mobilizou televisão, jornais e revistas. ''Vadico foi muito criticado, principalmente pela habilidade de Almirante com a palavra. Ele botou o Vadico no bolso, pois este era tímido, todo formal, de conversar pouco. Vadico não conseguiu se defender direito'', argumenta Gonçalo Junior.


Apesar de tudo, Vadico sempre manifestou respeito pelo parceiro, ressalta o biógrafo. “Ele foi muito correto com o Noel, era muito cuidadoso. Apenas lamentava (o fato)”, observa. O título do novo livro, aliás, é uma espécie de provocação a Noel. ''Veio da parceria deles. É como se Vadico perguntasse: ‘Por que você mentiu?’. Meu livro é uma tentativa de resgatar a verdade'', diz Gonçalo Junior.

DISNEY Nos Estados Unidos, Vadico trabalhou em filmes de Carmen Miranda e animações da Disney. ''Foi ele quem introduziu Aquarela do Brasil, entre outras canções, nos filmes da Disney. Ary Barroso se tornou mundialmente conhecido principalmente por causa do Vadico, mas ninguém fala disso'', lamenta Gonçalo.


Nos EUA, o compositor teve profundo contato com o jazz. Passou anos tocando com bandas dedicadas a esse gênero. Quando voltou ao país, juntou essa experiência à música brasileira. ''Ele adiciona esses elementos ao samba. Chamava de samba-ligeirinho o samba-jazz que adorava. Sempre fazem questão de dizer que Vadico não teve nada com a bossa nova. Porém, ele teve sim. Ajudou. Só não foi um dos pais da bossa por causa de seus problemas de saúde'', acredita Gonçalo.

O autor do livro Pra que mentir? faz questão de desmistificar a história de que o compositor recusou o convite de Vinicius de Moraes para musicar Orfeu da Conceição (1956). Esse espetáculo, que marcou o início da parceria do poeta com Tom Jobim, trouxe clássicos como Se todos fossem iguais a você.

''Escreve-se que Vadico amarelou, disse que não tinha competência, que não estava à altura. Mas isso não é verdade. Ele poderia muito bem ter ocupado esse lugar. Como acabara de sofrer o terceiro infarto, não tinha condições físicas para assumir o trabalho'', defende.

ALCOOLISMO Vadico voltou ao Brasil porque teve dois infartos nos EUA. Os médicos recomendaram dieta rigorosa e que mudasse radicalmente o estilo de vida. Porém, os problemas com direitos autorais fizeram com que ele optasse pelo caminho contrário. ''Ele chuta o pau da barraca, afunda no alcoolismo e fuma demais. A questão com Noel estava nos grandes jornais, ele se dizia boicotado e passou a viver assim'', revela Gonçalo Junior.

A ''conta'' chegou em 1962. Vadico se sentiu mal durante um jogo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Seis dias depois, teve o terceiro infarto, no estúdio de gravação. Morreu nos braços do baterista Wilson das Neves, falecido em agosto, cujo depoimento está no livro.

Gonçalo Junior diz que Vadico se sentia profundamente incomodado com o rótulo de mero parceiro de Noel. ''Ele era atormentado por isso, queria provar pra todo mundo que era um grande compositor. E era mesmo. O problema é que Vadico não conseguiu encontrar outro Noel Rosa, um outro letrista tão bom que estivesse à altura dele'', conclui.

GAROTO-PRODÍGIO

Oswaldo de Almeida Gogliano, o Vadico, nasceu no Brás, na capital paulista. Aos 16 anos, estreava como pianista. Aos 20 e poucos, já tinha canções gravadas pelo astro Francisco Alves. Deixou 80 composições, algumas eruditas. Compôs clássicos com Noel Rosa, entre eles Feitio de oração, Feitiço da Vila, Pra que mentir, Conversa de botequim, Cem mil réis e Tarzã, o filho do alfaiate. Noel morreu precocemente, em 1937, e o parceiro se mudou para os EUA, onde permaneceu nos anos 1940-1950. Lá, compôs para o cinema e musicais da Broadway. Trabalhou com Katherine Dunham, coreógrafa, bailarina e pioneira na luta dos direitos dos negros. Nos Estados Unidos, tornou-se amigo do diplomata e poeta Vinicius de Moraes, com quem compôs Sempre a esperar, gravada por Elizeth Cardoso.

PRA QUE MENTIR? – VADICO, NOEL ROSA E O SAMBA
De Gonçalo Junior
Editora Noir
412 páginas
R$ 59,90
Informações: www.editoranoir.com

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