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Literatura 'O limite na arte ajuda a encontrar meios de expressão', diz escritor Fernando Monteiro Homenageado da Bienal do Livro deste ano, o autor aproveita para lançar o livro Contos estrangeiros, editado pela Confraria do Vento

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 14/10/2017 11:35 Atualizado em: 14/10/2017 09:00

Autor parou de escrever romances. Foto: Helder Tavares/DP
Autor parou de escrever romances. Foto: Helder Tavares/DP

 Sobre o palco, 90 grandes vasos, milimetricamente posicionados, despertam a curiosidade do público. No ínfimo espaço entre eles, bailarinos executam com perfeição a parte final do espetáculo de dança contemporânea 4 por 4, criado em 2002 pela coreógrafa Déborah Colker. A cena ficou marcada na história das artes cênicas pela ousadia, embora tenha surgido a partir de um elemento utilizado com frequência em qualquer expressão artística: o limite proposital. Capaz de potencializar a criatividade, o recurso é uma bandeira levantada pelo cineasta e escritor Fernando Monteiro, de 68 anos, homenageado da 11ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, ao lado de Lima Barreto (1881- 1922).  Não à toa, ele dispensa recursos digitais para filmar em película - antecipando com cautela cada frame -, defende com vigor o curta-metragem enquanto gênero próprio, e há 18 anos parou de escrever romances para se dedicar à concisão dos textos de fôlego curto. Antes de possíveis críticas, ele se antecipa ao reconhecer: é um rebelde, assim como foi o inconformado Lima Barreto. 

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Neste sábado, às 16h, Fernando conversa com o público no Cinema São Luiz (Rua da Aurora, 151, Boa Vista), exibe um dos filmes de sua coleção (Ivan, o terrível, de Serguei Eisenstein) e lança o novo livro, Contos estrangeiros (Confraria do Vento, 192 páginas, R$ 49), um “quase-romance”, segundo ele próprio. O acesso é gratuito. A Bienal do Livro, por sua vez, é realizada das 10h às 22h até este domingo, no pavilhão do Centro de Convenções de Pernambuco (Avenida Professor Andrade Bezerra, s/n, Complexo de Salgadinho, Olinda). Ingressos custam R$ 10, R$ 7 (social) e R$ 5 (meia). 

Em entrevista à reportagem do Viver, o escritor homenageado comentou episódio ocorrido na abertura da Bienal do Livro, quando, ao perceber a presença do atual ministro da Cultura do governo Michel Temer, Sérgio Sá Leitão, retirou-se. “Foi uma manifestação política. Aquilo ganhou um caráter oficialesco e eu não queria estar associado àquelas pessoas. Depois, soube que ele (o ministro) fez um discurso sobre a monetização da cultura, a cadeia do livro... Só falou em dinheiro, dizendo que movimenta não sei quanto por ano, gera não sei quantos empregos. Não falou em cultura em nenhum momento. Estamos vivendo isso, essa emergência do mercado em todos os setores. Por que ouvir um ministro idiota?”, disparou. 

Entrevista - FERNANDO MONTEIRO //  escritor e cineasta

“Sempre fui muito rebelde”

NOVO LIVRO
Contos estrangeiros reúne textos que têm uma ligação interna, então poderia ser espécie de quase-romance. As histórias se passam em outros países, mas têm sempre um ponto de vista brasileiro e fazem eco umas nas outras. (...) O livro tem muito de lugares que têm passado remoto, como Egito, Síria... Me atrai o fato de a viagem ser um sair de si mesmo, ir ao encontro do outro. (...) Há uma coisa recorrente no livro, que é o mistério da mulher. Uma visão fantasmagórica de algo que você busca. 

ADEUS AO ROMANCE 
O romance enquanto produto de mercado está cada vez mais nas garras do mercado editorial. A minha atitude de abandonar o romance, em 2009, foi contra essa preferência no mundo inteiro. Claro, nenhum editor deixou de dormir por causa disso (risos). Mas, quando abandonei o romance, não incluí o conto.

ESCRITORES iniciantes
Aqui no Brasil, mais do que lá fora, o conto é tido como algo que não vende. Isso não é dito por editores estrangeiros. Acho estranho, por exemplo, a (agente literária) Luciana Villas-Boas ter dado uma entrevista recentemente recomendando aos jovens escritores que não começassem escrevendo conto e poesia, pois seria ruim para eles o fato de não começarem a carreira vendendo livros. 

(FALTA DE) limites
Com o próprio curta-metragem eu já era irritado, pelo fato de as pessoas não considerarem um gênero por si mesmo. Ele já tem aquele metro, no máximo 20 minutos. Esse limite obriga a pessoa a se conter dentro daquilo. Sempre achei melhor economizar película, até porque usava um filme caríssimo. O digital permite filmar sem limites, o que acho desagradável. Ficava refletindo a respeito de cada tomada, se deveria filmar daquele modo, sobre cada enquadramento. Isso estimula a encontrar meios de expressão.

Desenho
O conto não é como o romance, que se espalha em várias direções. Costumo associar o conto ao desenho. Em um paralelo com as artes plásticas, o conto é o desenho da literatura. Tem que ser de uma vez. Diferentemente da pintura, em que você pode passar anos pintando um quadro (principalmente se for tinta a óleo), o desenho à mão tem vida própria, é quase um traço único, como fazia Picasso. O conto está muito perto da poesia. O romance também, de alguma forma, mas não o romance que tenta se padronizar pelo mercado. 

Mudanças
Está havendo uma transformação do leitor em consequência desse tipo de oferta [de romances padronizados]. Quando o editor está planejando um tipo de livro, quando ele faz uma coleção do tipo Amores expressos [projeto que levou 17 autores a 17 lugares do mundo com o compromisso de produzirem um romance cada], os escritores têm que escrever algo que se encaixe naquilo. Então você vai em busca de um gosto médio.

Dificuldade poética
A poesia passou a ser considerada uma coisa quase esotérica, porque é um código de linguagem que as pessoas não alcançam, estão perdendo a captação de metáforas, de decifração de poemas. E, por isso, os poemas estão ficando mais literais. (...) Se tivesse continuado a produzir romances, é possível que tivesse encontrado um leitor, mas a rejeição é menor no território da poesia. Até porque ela foi deixada quieta pelos editores. Por que intervir se não vende? Isso não tem impedido que pessoas escrevam. Há poetas jovens que estão publicando: Luci Collin, Angélica Freitas... 

NARRATIVAS RASAS
O romance está ficando mais de varejo, sociológico. Não há transfiguração de sentido. Se trata da violência urbana, pode até ser bem escrito, mas fica como uma reportagem. 

REBELDIA ASSUMIDA

Sempre fui muito rebelde, e Lima Barreto é uma espécie de patrono da rebeldia e do inconformismo. Ele foi amaldiçoado de todas as maneiras. A ele nunca foi permitido ter interlocução com o Brasil, com o povo brasileiro. É muito recente a valorização dele, como negro, pobre, alcoólatra que era. Um marginal. Diferentemente de Machado de Assis, tinha uma visão do Brasil real. Em nenhum momento esteve louco, mas perdeu a razão correndo em hospícios. Ficou totalmente discriminado. E quando restou somente a literatura dele, até ser valorizada levou muito tempo. Foi ótimo Lima Barreto ter sido homenageado na Flip, na Bienal do Livro e estarmos comemorando esse centenário. Ele é urgente ser lido, propagado. Mais do que nunca é atualíssimo, fundamental.

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