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TV A Força do Querer: Atriz comemora sucesso e defende cena de espancamento do transexual Ivan Transição de gênero em A força do querer iluminou a carreira da atriz e criou um símbolo de luta pela diversidade

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/10/2017 16:55 Atualizado em: 06/10/2017 16:52

Personagem leva horas para ficar caracterizada: pêlos da barba são postos um a um. Foto: Globo/Reprodução
Personagem leva horas para ficar caracterizada: pêlos da barba são postos um a um. Foto: Globo/Reprodução


Rio de Janeiro - Em menos de um ano, a atriz paulista Carol Duarte, de 26 anos, viu a quantidade de seguidores no Instagram multiplicar exponencialmente, de alguns milhares até beirar os 600 mil. Antes profissional de palcos teatrais, ela estreou na TV como uma das principais personagens do horário nobre e ainda tateia a exposição da fama, bastante feliz com a histórica e pioneira inserção do processo de readequação de gênero de um homem transexual em um folhetim global.

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A transformação de Ivana, filha de Eugênio (Dan Stulbach) e Joyce (Maria Fernanda Cândido), em Ivan é um dos fortes pilares construídos por Gloria Perez em A força do querer e chegou a despertar estranhamento e dúvida quando anunciada. Desenhada com singeleza e tom didático, a descoberta, com ajuda do modelo transexual Tarso Brant, propicia discussões sobre termos, preconceitos, impasses, dificuldades sociais e importância do apoio da família. Nos próximos episódios, ele vai enfrentar um espancamento sucedido de aborto espontâneo.

Os diálogos - alguns dolorosos, especialmente entre mãe e filho - têm potencial de tocar não apenas pelas barreiras impostas pelos padrões heteronormativos, mas também pela carga dramática a pairar sobre a residência dos Garcia. "Eu tô andando pouco na rua ultimamente, mas as pessoas estão aceitando superbem a personagem e essa fase da personagem, o que me deixa bem feliz. A gente construiu isso tudo para chegar até aqui. As pessoas estão sendo muito carinhosas com o Ivan, felizes", comemora ela.

Envolvida no debate pelos direitos LGBTQ, Carol criticou a polêmica decisão liminar de um juiz do Distrito Federal através da qual psicólogos podem adotar a terapia de reversão sexual, popularmente conhecida como "cura gay". "Passar argila na cara é um dos tratamentos da cura gay. Se você é gay, tente também e compartilhe com a gente a sua cura! Sua pele vai ficar ótima, bicha! (Esse post contém ironia)", ridicularizou ela, namorada da fotógrafa Aline Klein.

Apesar das críticas enfrentadas nas redes sociais - em coro com as bandeiras contrárias aos direitos humanos -, ela assegura não ter sofrido qualquer tipo de agressão pessoal. Ao contrário: chegou a receber um mimo de uma criança de 9 anos - uma geleca (brinquedo semelhante à massa de modelar, mas gelatinoso). "A minha geração não viu isso. Acho que vai marcar de alguma forma as discussões que a gente está tendo. Os senhores e senhoras mais velhos também têm o maior carinho e querem proteger Ivan de alguma forma", analisa Carol.

Apoio do pai, Eugênio, será ponto decisivo para o personagem. Foto: Estevam Avellar/Globo
Apoio do pai, Eugênio, será ponto decisivo para o personagem. Foto: Estevam Avellar/Globo

O acolhimento de Carol nas ruas é espelho dos ótimos índices no Ibope: A força do querer atingiu, no início do mês, a melhor média semanal (41 pontos) desde o fim de Amor à vida (44 pontos), em São Paulo. A cena na qual assume a identidade masculina para a família, entre lágrimas e gritos, e corta os cabelos para adaptar a aparência ao gênero, cravou 44  e 42 pontos (RJ e SP).

A caracterização demora horas: implantados um a um, tomam cerca de duas horas diárias os pêlos da barba, fruto da ingestão de hormônios masculinos por Ivan. Carol também precisou cortar o cabelo e parar de depilar a perna desde o início do ano. Após tanto tempo de imersão - desde o teste, em abril do ano passado, no qual foi inicialmente reprovada -, ela pretende tirar um tempo de folga quando acabar a novela, em 20 de outubro. Diz ainda não ter renovado contrato com a Globo, mas, diante do alcance de Ivan, é esperado vê-la em outras produções em breve.

*A jornalista viajou a convite da Globo

ENTREVISTA// CAROL DUARTE

Transição de gênero foi retratada de forma singela e emocionante. Foto: Raquel Cunha/Globo
Transição de gênero foi retratada de forma singela e emocionante. Foto: Raquel Cunha/Globo
Discussão social
A repercussão é uma coisa muito legal. Eu vi esses dias que o Ministério Público do estado de Roraima, se não estou enganada, postou uma foto do Ivan, da cena em que ele foi buscar emprego e não conseguiu porque, quando dava o RG, o nome não condizia com a aparência. Era uma publicação dizendo "Ivan, você não precisa se preocupar, porque aqui você pode usar o nome social". Essa repercussão toda dá sentido ao trabalho, essas conquistas sociais. É muito legal ver o público reolhando essa questão, olhando para as pessoas trans de uma outra forma, compreendendo o estudo. Isso me faz entrar dentro do estúdio todo dia felizona.

Risco de rejeição
Acho que esse risco existia, sem dúvida. Mas, principalmente pela dramaturgia da Gloria, como caminhou com a trama da Ivana, fez o público ir descobrindo junto com ela, olhar a questão sem já ter um preconceito, ou seja, compreender o que acontece com a personagem.

Cena marcante
Aquela sequência toda em que revela e corta o cabelo, sem dúvida. Todo mundo que gravou neste dia, tanto o elenco quanto a técnica, ficou mexido, porque é muito forte aquela cena em que ela corta o cabelo. Na medida em que tem uma liberdade, tem uma certa despedida. Foi muito intenso, é quase performática, porque é uma só, o cabelo não tem como voltar: ou eu estava ali ou estava ali. E faz a gente mergulhar em lugares que a gente até desconhece.

Críticas e preconceito
As questões que chegaram até mim, nas minhas redes sociais, tinham bastante um cunho religioso. Eu não discuto, não bato com isso. Acho que cada um tem sua religião e a gente tem que respeitar. As pessoas que escrevem dizem que Deus criou o homem e a mulher, esse tipo de discurso. Mas é imediato: as pessoas começam a rebater. Até agora, pessoalmente, nunca tive uma experiência de alguém ser agressivo comigo, o que é muito legal de ser falado. A gente sabe que o Brasil é um dos países em que mais matam trans, as pessoas morrem por serem trans.

Agressão e aborto
Quando eu fiquei sabendo que ia ser pelo espancamento, fiquei em alguma medida triste, porque isso acontece. Isso faz parte também desse mundo: pessoas são mortas por serem trans. É importante aparecer na novela também. Já teve cenas em que o Ivan de alguma forma foi agredido na rua, verbalmente ou quase fisicamente, então já teve uma prévia. Uma pessoa trans me disse uma coisa terrível: existe estupro corretivo. Isso é muito pesado. Acho que é interessante a Gloria colocar esse tipo de violência, que acontece nas ruas todos os dias.
 
Gravidez trans
Conversei com algumas pessoas sobre o tema. É direito também de um homem trans engravidar, se ele quiser. Acho interessante mostrar que existe essa possibilidade. E existem casos. Se você buscar na internet, você vai encontrar casos de homens que ficaram grávidos.

Movimentos sociais
Antes de fazer a novela, eu fazia a Escola de Arte Dramática dentro da Universidade de São Paulo. Lá, se discutia muito essa coisa do machismo, então eu sempre estive de certa forma próxima a esse tipo de discussão. Claro que me aproximei com a questão trans, muito, e ainda tenho contato com pessoas que são de movimentos. Converso e quero saber o que estão achando. E eles me falam também, acho importante saber. Quando comecei a construir o Ivan, procurei ver pontos de vista muito diversos sobre o tema. Várias pessoas trans, que tinham experiências diferentes: da periferia, que viviam uma coisa, de classe média alta, que viviam outra muito diferente, para que o Ivan fosse construído a partir de uma certa pluralidade, e que a Gloria iria dar um certo direcionamento na dramaturgia. Então, nessa pesquisa, eu acabei me aproximando de algumas pessoas que fazem parte de alguns coletivos.

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