Teatro Espetáculo questiona relação entre dinheiro e fé nas igrejas evangélicas Peça propõe uma reflexão sobre como a sociedade se relaciona com o divino, fazendo leituras sobre a presença do comércio e do dinheiro no ambiente do sagrado

Por: Alef Pontes

Por: Matheus Rangel

Publicado em: 13/10/2017 12:43 Atualizado em: 13/10/2017 12:49

Em cena, ator interpreta diferentes figuras que fazem parte do cenário retratado. Foto: Flora Negri/Divulgação
Em cena, ator interpreta diferentes figuras que fazem parte do cenário retratado. Foto: Flora Negri/Divulgação

O Teatro Arraial Ariano Suassuna recebe, neste sábado (14) e domingo (15), a estreia do espetáculo solo Altíssimo. Protagonizado pelo ator Pedro Vilela, com dramaturgia de Alexandre Dal Farra, a montagem investiga o comércio da fé no país, marcado por uma cultura hedonista, a partir dos processos de espetacularização nas religiões neopentecostais. A peça tem sessões também no próximo final de semana. 

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Em Altíssimo, Vilela propõe uma reflexão sobre como a sociedade se relaciona com o divino, fazendo leituras sobre a presença do comércio e do dinheiro no ambiente do sagrado. Em cena, ele interpreta diferentes figuras que fazem parte deste cenário. Em um momento, é o pastor que possui olhar analítico sobre os mecanismos que fazem com que o culto se estabeleça. Em outro, é uma pessoa que frequentou o encontro de uma maneira muito distanciada e, em dada circunstância, quem se identifica com o que acontece.

Questionado sobre a possibilidade se sofrer represálias (dada a onda puritana em relação às artes no país), ele destaca que a montagem não tem como objetivo denegrir a fé de ninguém, mas interpor diálogo. "O que é muito diferente dessa propagação de falácias. Não sei se haverá represálias, mas a gente também não tem condições de abrir mão de discutir isso. Por não discutir sobre muitas coisas é que a gente chega aonde chegou, um universo de falácias e de calúnias", aponta.
 
Pedro Vilela criou espetáculo a partir da relação pessoal com as religiões. Foto: Arquivo Pessoal
Pedro Vilela criou espetáculo a partir da relação pessoal com as religiões. Foto: Arquivo Pessoal
Entrevista: Pedro Vilela, ator e criador de Altíssimo

Você falou que tem uma relação pessoal com religião. Podia comentar isso um pouco?
Essa relação se estabelece meio que em casa, no meu processo de formação como cidadão mesmo. Eu morei, até os meus dez anos, do lado de uma igreja católica. Fui coroinha, tocava sino, ajudava o padre. E fiz aquele processo comum à maioria dos brasileiros, que é se distanciar um pouco e depois retomar a fé dentro de igrejas protestantes. E começou a me chamar muito a atenção essa relação que essas denominações neopentecostais possuem com a fé, em que o comércio é muito presente. O retorno imediato é muito presente, e isso já me agoniava muito. E eu decidi trabalhar isso de forma artística. 

Como foi participar dos cultos para a peça? Você se identificou como pesquisador? 
Em nenhum momento. Certas religiões têm um funcionamento quase como seita, é meio difícil para você se colocar lá enquanto pesquisador, enquanto olhar externo. Essas minhas idas sempre foram muito à paisana, como frequentador do culto em si. Eu procurava entender todas as dinâmicas que estruturavam esses cultos. Já fui para cultos de relacionamentos para solteiros, já fui para culto de libertação de despachos que foram colocados para as pessoas, de cura e libertação. Alguns mais normais em dias de domingo, também. Visitei o máximo de denominações possíveis, então o espetáculo não fala de uma específica, não falamos da Igreja Universal ou da Graça de Deus, eu procurei visitar o máximo de denominações possíveis. Uma coisa que me chama a atenção é que normalmente a gente tem uma leitura que nós julgamos que é muito clara sobre esse assunto. Cotidianamente, a gente compartilha nas redes sociais vídeos desses cultos e nos posicionamos, temos opiniões sobre tudo isso, mas ficamos nesse campo de dualidade. Ou você tem fé e está inserido dentro desse processo ou você tem uma visão muito de fora, que opina como se aquilo não reverberasse na sua vida. E muitas opiniões são muito negativas e contrárias em relação a isso. Então, não tinha interesse em fazer uma peça nem pra defender nem pra chegar e esculachar essas denominações. Mas, sim, chegar e investigar que realidade é essa para que isso se estabeleça no nosso país? Que ser humano precisa estar inserido dentro dessa dinâmica, se relacionando com isso diariamente? O que faz o ser humano chegar neste ponto? Fazemos algumas leituras em relação ao Deus, ao dinheiro, ao Deus hoje, dessa cultura hedonista das pessoas, que no fundo estão lá para se satisfazer pessoalmente. Elas tentam responder suas demandas pessoalmente. Essa velha história que diz 'isso aqui é só uma passagem, depois você vai para um paraíso, para um outro lugar' é um pouco esquecida dentro dessas denominações porque elas existem para resolver suas dificuldades, esperanças e sofrimento de agora. E você vai lá resolver todo esse sofrimento do mundo cinzento que se coloca dentro de si.

Como você vê esse cenário atual das artes em que obras, exposições e performances são amplamente criticadas, sobretudo quando a abordagem envolve figuras sagradas?
Esse é um cenário bastante difícil de operar, porque ele lida com essa sociedade onde existe uma ignorância estabelecida. A ignorância no Brasil não é por falta de querer da sociedade, ela é uma escolha política. A gente forma cidadãos dessa forma. Distantes da arte e distantes da visão crítica sobre determinados assuntos. Eu sei que eu estou navegando sobre um tema bastante controverso e bastante delicado, mas eu acho também que não é o momento de nós, artistas, retrocedermos. É o momento de nós termos clareza dos nossos papéis e  responsabilidade diante deles. No fundo, o teatro sempre existiu pra abrir esse espaço de diálogo. 
 
SERVIÇO
Espetáculo Altíssimo, de Pedro Vilela
Quando: sábados (14 e 21) e domingos (15 e 22), às 19h
Onde: Teatro Arraial Ariano Suassuna (R. da Aurora, 457, Boa Vista)
Quanto: R$ 30 e R$ 15, à venda na bilheteria do teatro e no site da Sympla

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