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Análise

OPINIÃO: Músicas clássicas brasileiras abordam o poliamor sob o viés masculino

Nosso Estanho Amor, de Caetano Veloso, e A Maçã, de Raul Seixas, exploram o discurso, ainda difuso

Publicado: 05/09/2017 às 13:38

Músicos cantaram o poliamor em clássicos da MPB. Fotos: Facebook/Reprodução/

Músicos cantaram o poliamor em clássicos da MPB. Fotos: Facebook/Reprodução/

Músicos cantaram o poliamor em clássicos da MPB. Fotos: Facebook/Reprodução
Poliamor. A multiplicidade de objetos para os quais o desejo se volta tende a se tornar, na boca de alguns, raros homens, uma nova forma de afeto. Sem restrições. Sim, amar sem posse. Deixar-se livre para que o desejo não seja aprisionado nas camadas densas da hipocrisia. O discurso circula, mas ainda é difuso. Mais do que isso: difícil. Duas músicas brasileiras, já clássicas, poderíamos dizer, tornam aguda essa questão por caminhos diferentes.

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Em Nosso estranho amor (1980), Caetano Veloso canta a estranheza do amor que dá liberdade ao sexo. Deleite-se com quem for é a autorização para o estranho amor viver a sua única forma de plenitude que é não estabelecer fronteiras para as diferentes modalidades de se relacionar. É a loucura do querer que não tem limites, pois é desejo que transborda como hemorragia e arde tudo que toca. O desejo agora encontra morada no homem que em nome do seu deleite libera o sexo do valor monocromático da monogamia.

É o homem que pede para o ciúme chegar, passar. Ele quer que o rancor da companheira não faça casa nas unhas que cravam na pele o registro quase inevitável da dor de quem não consegue amar para além do coração. Falar que a mulher (neguinha) pode desfrutar do prazer seja com que for é uma forma claramente de reafirmar o próprio desejo de deitar seja com quem for. A liberação do sexo, do prazer, é o cheque em branco para a satisfação do próprio prazer masculino.

Em A maçã (1975), de Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta, a ótica da liberdade sexual novamente é cantada no viés masculino. É o homem que narra para si o sexo livre. No entanto, o reconhecimento do desejo polimorfo é acompanhado de um genuíno sofrimento narcísico diante do reconhecimento da impotência no que concerne à possibilidade de pavimentar todos os vazios da companheira; ser tudo enfim: corpo e alma. É quando aprendemos que a natureza do ciúme repousa na vaidade de achar que uma só pessoa é capaz de esgotar todas as formas do desejo. Se as maças são iguais, é porque o desejo não tem limite numa só maça.

A liberdade que é condição para o amor, o seu pressuposto, lança-se pelo difícil caminho para os homens – presentes nas duas músicas – de viver não apenas sem a exclusividade da monogamia, mas de dar ao amor a sua medida mais radical: a consciência de que só no romantismo mais extravagante se pode acreditar que o desejo encontra morada num só corpo.

* Érico Andrade é filósofo, professor de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, sócio do Círculo Psicanalítico de Pernambuco e crítico de cinema.

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