Cinema Documentário que resgata histórias da Ditadura no Recife tem exibição gratuita no São Luiz nesta segunda-feira Dirigido pelo cientística político italiano Diego Di Niglio, Aurora 1964 reúne relatos de vítimas traça paralelos com o momento atual do país

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 11/09/2017 12:15 Atualizado em: 11/09/2017 12:25

Anatalia de Sousa Melo Alves, uma das vítimas do período, em composição feita a partir do prontuário do DOPS-PE. Foto: Diego Di Niglio/Divulgação
Anatalia de Sousa Melo Alves, uma das vítimas do período, em composição feita a partir do prontuário do DOPS-PE. Foto: Diego Di Niglio/Divulgação

O Brasil ainda não se entendeu plenamente com o seu passado recente. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, em seu relatório final, 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país, entre 1964 e 1985. Por outro lado, estimativas apontam que até de mil pessoas foram mortas em decorrência direta ou indireta do regime. À possível imprecisão nos números soma-se a inexistência de processos ou condenações dos responsáveis pelos crimes, embaraçando, ainda mais, qualquer sensação de desfecho. É sobre a permanência desse período na memória que se debruça o documentário Aurora 1964, com estreia marcada para a segunda-feira, às 19h, no Cinema São Luiz, em sessão com entrada gratuita.

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"O processo de reparação não foi concluído", pondera o responsável pelo filme, Diego Di Niglio, estreante na direção. Cientista político de formação e fotógrafo por hobby, o italiano reside no Brasil desde 2011, onde atua no terceiro setor. Interessado por questões relacionadas à ditadura em países da América do Sul, decidiu desenvolver uma pesquisa a partir do livro Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil, produzido pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça a partir de entrevistas com ex-presos e perseguidos políticos.

Originalmente, o trabalho foi idealizado como projeto fotográfico, mas a riqueza dos relatos dos personagens fizeram o realizador vislumbrar um documentário, viabilizado com incentivo do Funcultura e do Fundo Setorial da Ancine. "Em 2013, quando comecei a mergulhar de forma mais concreta no tema, percebi que é um assunto que não se debatia muito na sociedade, algo tratado apenas pelas instituições diretamente envolvidas", diz Di Niglio, sobre a ausência de discussões na esfera pública. Ele também acredita que o país tem segue atrasado nas investigações relativas aos anos de chumbo. Na Argentina, por exemplo, que também teve uma ditadura instaurada e vitimou mais de 30 mil pessoas, foram feitas mais de 500 condenações desde a democratização.

O cineasta encontra também paralelos entre o momento atual e o regime militar: "A crise política do Brasil, com impeachment, abriu um estado de exceção que ainda não se encerrou. Estamos em suspensão democrática, isso é indiscutível". Ele acrescenta que, "do ponto de vista da ciência política, é um estado de exceção". Para Diego, certas dinâmicas do atual governo remetem às de 1964, embora sem uso do poder militar. "É uma conspiração que junta meios de comunicação, poder jurídico e uma elite política liderando o processo", afirma.

O pesquisador considera que o Brasil vive um retrocesso nas investigações sobre a ditadura e mina as possibilidades de punição para os responsáveis. "Uma das consequências (do governo Temer) foi o desmantelamento da Comissão da Anistia", declara sobre o colegiado responsável pela análise de casos de violação de direitos humanos ocorridos de 1946 e 1988. Em 2016, o grupo teve 19 dos 25 membros efetivos trocados.

[O filme
Rodado entre 2015 e 2016, o filme é construído a partir de relatos atuais de vítimas e parentes afetados pela repressão. Em segundo plano, o documentário reconta, ainda, passagens de algumas figuras célebres, como Miguel Arraes, Gregório Bezerra, Francisco Julião e Anatalia de Sousa. Além dos depoimentos, o longa condensa cerca de quatro anos de pesquisa nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) no estado e acompanhamento de investigações da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara (CEMVDHC).

As gravações foram feitas no Recife, Olinda e Vitória de Santo Antão, no antigo Engenho Galileia, sede da primeira Liga Camponesa do Nordeste. A trilha sonora é da banda Ave Sangria, que gravou novas versões de cinco músicas do álbum homônimo proibido pela Censura Federal em 1974. O realizador também vai levar o longa para a TVs públicas, no formato de série em quatro capítulos, ainda sem data de estreia definida.


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