Artes visuais Pesquisadora da UFPE lança livro com a história das mulheres artistas em Pernambuco Publicação 'De sinhá prendada a artista visual', organizado por Madalena Zaccara,resgata mulheres que trabalharam com arte no Estado ao longo do século 20

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 17/08/2017 13:52 Atualizado em:

Foto do ateliê de escultura da Escola de Belas Artes de Pernambuco é resgatada pelo livro 'De sinhá prendada a artista visual: os caminhos da mulher artista em Pernambuco'. Crédito: Beatriz Brenner/Acervo Pessoal
Foto do ateliê de escultura da Escola de Belas Artes de Pernambuco é resgatada pelo livro 'De sinhá prendada a artista visual: os caminhos da mulher artista em Pernambuco'. Crédito: Beatriz Brenner/Acervo Pessoal

A presença feminina nas artes visuais no mundo todo e em Pernambuco, em particular, começou a aumentar apenas há quatro décadas após séculos de silenciamento. O lançamento do livro De sinhá prendada a artista visual: os caminhos da mulher artista em Pernambuco, organizado pela professora da UFPE Madalena Zaccara, busca diminuir essa lacuna histórica em relação ao reconhecimento das artistas do sexo feminino em Pernambuco. O lançamento da publicação acontece a partir das 19h no Centro Cultural Benfica, da UFPE. O prefácio foi escrito pela pesquisadora Ana Mae Barbosa, criada em Pernambuco e um dos pilares da arte-educação no Brasil.

Quer receber notícias sobre cultura via WhatsApp? Mande uma mensagem com seu nome para (81) 99113-8273 e se cadastre

A obra faz um levantamento das artistas em atividade no Estado ao longo do século 20, trazendo resumo biográfico, fortuna crítica com registro em livros ou jornais, comentário crítico e, quando possível, cronologia de exposições. A pesquisa também teve a participação da professora Marluce Carvalho, da artista Bárbara Collier e de Xavana Celesnah, ambas mestrandas em artes visuais pela UFPE. Todas pesquisam questões de gênero, seja como artistas ou acadêmicas.

De acordo com Madalena, o livro é uma iniciativa com um recorte inédito e pretende dar uma maior visibilidade à produção feminina. “A partir principalmente da década de 90 o numero de artistas mulheres quantitativamente se multiplicou. Mas nem por isso as dificuldades diminuíram. A discriminação de gênero é ainda uma realidade. Em todos os espaços, inclusive o do conhecimento”.

ENTREVISTA // Madalena Zaccara, professora da UFPE e coordenadora da pesquisa do livro

Quais foram as necessidades que você viu em abordar a presença feminina nas artes visuais pernambucanas em livro, especialmente a partir de sua vivência como pesquisadora da arte e professora universitária?
Foram os trabalhos de pesquisadoras feministas que mostraram que é necessário desconstruir e renovar os esquemas que estruturam, ainda hoje, a História da Arte como disciplina, uma vez que ainda é o olhar branco e heterossexual masculino que predomina como uma referência de legitimação. São, portanto, ainda bem poucas, em determinados espaços sociais, as pesquisas e publicações que se voltam para artistas mulheres ou para o seu registro. Particularizando-se o caso de Pernambuco, muito pouco se sabe sobre as suas artistas, principalmente as que atuaram na primeira metade do século XX. A pesquisa tem como objetivo contribuir para esse resgate e consequentemente para a História da Arte pernambucana.

Quais foram as dificuldades que a equipe encontrou durante a pesquisa?
Sem registros nas instituições nem arquivos privados disponíveis, de muitas dessas artistas só sobreviveram ao tempo notas vagas sobre a participação em algum salão ou citação eventual em algum livro. Além dos arquivos inexistentes, encontramos a questão social da mudança de nome quando a artista casava. Como essa produção não era legitimada profissionalmente, muita coisa foi para o lixo com a morte delas. Artistas iniciantes também não têm, ainda, dados sólidos para compor um perfil, tais como fortuna crítica, mas elas são o futuro da presença feminina em Pernambuco. Muita gente simplesmente não quis participar ou não enviou informações por não acreditar na pesquisa.

Você gostaria de destacar alguma artista registrada no livro?
A alternativa para a realidade local feita de exclusão, amadorismo e esquecimento foi um caminho percorrido por muito poucas. Sou apaixonada pela história de Fedora do Rego Monteiro e Ladjane Bandeira. Fedora, de família abastada e com padrões intelectuais e de comportamento diferentes de seus contemporâneos, irmã de Vicente e Joaquim do Rego Monteiro, pôde seguir para o Rio de Janeiro em 1908, tendo oportunidade de estudar  pintura na Escola de Belas Artes. Outra que me chama a atenção é Ladjane Bandeira. Me encanta muito a sua trajetória de poetisa, critica de arte, artista plástica, jornalista. Primeira crítica de arte do estado, ela deteve um poder nada desprezível para a época e mesmo para os dias de hoje. Ela escreveu em quase todos os jornais importantes da cidade tendo criado a página de arte do Diario de Pernambuco.

O livro ilustra o quanto foi difícil para as mulheres conseguirem conquistar espaços dentro do cenário de artes visuais.Que dificuldades essas mulheres artistas enfrentaram para se firmar?
A partir, principalmente, da década de 90, o número de artistas mulheres quantitativamente se multiplicou. Mas nem por isso as dificuldades diminuíram. A discriminação de gênero ainda é uma realidade em todos os espaços, inclusive o do conhecimento. Se o feminicídio ainda é tão frequente entre nós, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino, porque seria diferente em relação à criação feminina e a sua legitimação?

O que pode ser feito para fomentar a presença de artistas mulheres no cenário pernambucano de artes visuais e qual o papel do livro nessa conscientização?
O que pode ser feito pela mulher em qualquer cenário: lutar pela igualdade de oportunidades para homens e mulheres nesse universo ainda androcêntrico. E são varias as lutas: a luta da mulher negra, das mulheres lésbicas, das mulheres transexuais. Somos 50% da humanidade, mas ainda assim somos minoria. Todas as mulheres do projeto estávamos e estamos envolvidas com questões de gênero, como artistas ou teóricas. Foi o que nos uniu. O resultado conseguido, o livro,  é apenas um passo a mais para a consolidação dos estudos de gênero, desta bibliografia específica no universo das artes visuais em Pernambuco. Que venham mais. Só assim conseguiremos mais espaço e legitimação.  

O recorte histórico do livro privilegia as mulheres que atuaram a partir do século 20. Você pensa em expandir essa pesquisa para outros séculos de nossa história?

Tenho muita vontade, falando no singular, de aprofundar pesquisas sobre a primeira artista brasileira, Rita Joana de Sousa, cujo nome nos chega através das poucas linhas sobre ela escritas pelo monge beneditino Domingos do Loureto Couto no século 17 e só descobertas no século 20. Estudar essa artista barroca me interessaria muito. E acho que seria muito bom para a história da arte de Pernambuco. Mas isso significa recursos e tempo. Tempo a gente arruma quando amamos um objeto de pesquisa. Recursos já são mais difíceis, principalmente nos tempos que vivemos. Mas não perco as esperanças. Quem sabe encontro um mecenas.

SERVIÇO
Lançamento do livro De sinhá prendada a artista visual: os caminhos da mulher artista em Pernambuco
Quando: Quinta, 17 de agosto, às 19h
Onde: Centro Cultural Benfica/UFPE - Rua Benfica, 157, Madalena
Preço do livro: R$ 50 - os primeiros que chegarem ao lançamento receberão o livro de graça
Informações: 99268-8627

Acompanhe o Viver no Facebook:



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL