Literatura Nova edição de Os Bruzundungas e Numa e Ninfa reafirma atualidade da obra Apresentada por Beatriz Resende, a obra é do autor Lima Barreto

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 12/08/2017 09:30 Atualizado em:

Em artigos, crônicas, contos ou romances, Lima Barreto expressava-se politicamente. Foto: BBCBrasil.com
Em artigos, crônicas, contos ou romances, Lima Barreto expressava-se politicamente. Foto: BBCBrasil.com

A obra de Lima Barreto tem certas singularidades. Uma das mais evidentes é a relação do escritor com a política. Desde que começou a publicar em revistas e jornais, em 1905, a verve crítica e a postura combativa estavam presentes. O olhar sobre o aparato do poder – e a lógica burocrática, personalista e baseada em favores – que imperava na jovem República, ganhou mais contundência ao longo dos anos nos escritos de Afonso Henriques. Em artigos, crônicas, contos ou romances, Lima Barreto expressava-se politicamente. Era-lhe inevitável.

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“Não é só político, ele é muito corajoso”, afirma Beatriz Resende, pesquisadora da obra do autor e organizadora da edição de Os bruzundungas e Numa e a ninfa, duas obras publicadas em folhetim e reunidas no precioso volume recém-lançado pela Editora Carambaia. Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a pesquisadora participou de duas mesas-redondas: Arqueologia de um autor e Subúrbio + Fruto estranho.

Sua produção sobre a obra de Lima Barreto é vasta e inclui a monumental Toda crônica (Agir, 2004). Agora, está contente de ver publicados Impressões de leitura e outros textos críticos (Penguin/Cia. Das Letras), que traz crônicas, resenhas e cartas a jovens escritores; Sobre Lima Barreto – Três ensaios (e-galáxia), e-book no qual comenta a iconografia e a obra do escritor; e Lima Barreto cronista do Rio (Autêntica), em que assina a introdução do volume com imagens e crônicas sobre a capital brasileira de então.

Para Beatriz, a singularidade maior de Lima Barreto é um gesto político-literário que lhe garantiu pioneirismo nas letras brasileiras: descrever e incorporar na literatura o universo suburbano, os pobres, os subalternos e os chamados “cidadãos de segunda categoria”, tornando-os protagonistas. Com a autoridade de integrar tal “camada social”, não tinha papas na língua. “A crítica dele se dirigia contra o poder constituído, os males dessa República que surgia autoritária e racista. E ele toma partido dos excluídos”, diz.

Postura crítica

A pesquisadora aponta para o fato de que Lima Barreto sempre foi um deles. Negro e suburbano, teve que persistir para ganhar espaço na imprensa. “Essa situação de exclusão favoreceu a postura crítica dele, porque ele tinha uma liberdade que muitos outros intelectuais não tinham. Ele não dependia de ninguém, não devia nada a ninguém”, explica a professsora.

Sempre atualizado dos fatos e ideias que circulavam no Brasil e no mundo, o escritor se identificou com princípios anarquistas, coerentes com sua visão igualitária e com a defesa dos deserdados. “A utopia dele está perto de um anarquismo ou um socialismo internacionalista”, diz Beatriz, apontando que o escritor foi ferrenho crítico do militarismo e sempre expôs o absurdo da guerra.

Arte e vida de Lima Barreto

Apesar da vida conturbada e curta – morreu aos 42 anos –, Lima Barreto escreveu bastante sobre seu tempo. E sua obra é importante documento sobre a época e a cidade. “A crônica é um gênero que existe a partir da relação com a cidade e com o leitor. Isso contamina muito positivamente a escrita do Lima. Os contos são próximos das crônicas e as crônicas próximas do conto. Ele faz crônicas de maneira próxima a um diário, fala de suas impressões sobre onde morava, sobre a rua, o bairro, as pessoas.”

As duas obras reunidas no volume organizado por Beatriz Resende – Os bruzundungas e Numa e a ninfa – são testemunhos saborosos sobre o Rio de Janeiro que se modernizava. O primeiro, publicado em 1917, é uma sátira em que descreve a Bruzundanga, país-espelho do Brasil. Ali, não poupa seu escárnio para evidenciar as mazelas nacionais. Um século depois, a atualidade do relato é impressionante, o que é um triste sinal de que pouco mudou desde então.

O segundo é um romance mais estruturado, mas igualmente sarcástico na descrição das regras sociais e do funcionamento do poder. Em certa passagem do livro, o deputado Numa conversa com o jornalista Fuas Bandeira e pergunta: “E o povo?”. A resposta é direta: “O povo! O povo! Que tem o povo com estas questões? Por acaso ele pode raciocinar sobre finanças? Creio que não, meu caro doutor. Não é a sua opinião?”.

Outro traço de literatura de Lima Barreto – menos destacado, mas também recorrente –, é o tom otimista com o qual se refere ao povo, aos seus próximos: pequenos funcionários, comerciantes da periferia, desempregados e boêmios. “Esse lado otimista aparece muito imediatamente depois da Revolução Russa, nos textos de 1918 e 1919. Há uma confiança no povo. Ele acredita que, se povo tiver melhores condições, pode se apropriar dessa realidade e realmente mudar a sociedade.”

OS BRUZUNDANGAS E NUMA E NINFA
Organização de Beatriz Resende
De Lima Barreto Carambaia
512 páginas - R$ 129,90

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