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Matinê Branca do Lenhadores completa cem anos mantendo tradição dos bailes de clube

Festa é a única gratuita da agremiação, com sede na Mustardinha, e quem não estiver de roupa branca não entra

Publicado: 26/08/2017 às 10:28

Festa da Matinê Branca em 2013, com casais vestidos a rigor. Crédito: Nando Chiappetta/Reprodução Arquivo Lenhadores/

Festa da Matinê Branca em 2013, com casais vestidos a rigor. Crédito: Nando Chiappetta/Reprodução Arquivo Lenhadores/


Não é réveillon, é mais importante que isso. Para quem frequenta a Matinê Branca do Clube Carnavalesco Misto Lenhadores, o último domingo do mês de agosto é o dia sagrado de tirar a roupa branca do armário e fazer parte de uma festa que, neste fim de semana, chega ao seu centenário. A comemoração resistiu ao tempo, assim como a agremiação sediada no bairro da Mustardinha, que completou 120 anos no último mês de março. O CCM Lenhadores é o terceiro clube carnavalesco a ser fundado no Recife, atrás apenas do Vassourinhas e do Clube das Pás.

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A única festa gratuita da agremiação no ano inteiro exige traje a rigor, o que faz do evento algo singular. Para os cavalheiros, terno branco, camisa branca de mangas longas e meias brancas. Apenas a gravata borboleta, sapatos e cintos podem ser pretos. Para as damas, vestido abaixo do joelho ou longo, na cor branca; saia abaixo do joelho ou blusa na cor branca; bolsa, sapatos ou sandálias sociais na cor preta. “Quem não estiver de acordo com o código de vestimenta não entra. É preciso manter a tradição, senão vira bagunça”, avisa Jamerson Tavares, diretor de cultura da agremiação.



A programação começa às 6h, com uma salva de fogos. A matinê propriamente dita começa às 13h com a Orquestra Brilhante, sob a regência do Maestro Memeu e a cantora Josiane. Às 17h30, a música é interrompida para dar lugar a uma sessão solene e às 18h, é a vez da valsa comemorativa. Para animar quem chega à festa, tem do frevo ao iê-iê, passando pelas cumbias, chorinho, boleros e músicas lentas para agradar aos casais. “Aqui temos desde garis a desembargadores. É um baile do povo e para o povo. A elite já tinha seus bailes frequentados pela alta sociedade e os Lenhadores resolveram fazer uma festa gratuita em resposta a isso. É um lugar onde todos podem levar suas famílias”, enfatiza Jamerson.

Entre os habitués, estão o casal de namorados Antônio Gonçalves, de 73 anos, e Ana Lúcia Anselmo, de 60 anos, frequentadores do Clube Lenhadores e, por extensão, da Matinê Branca, há oito anos. Ambos também desfilam nas apresentações da agremiação durante o Carnaval no Bairro do Recife e no polo carnavalesco da Avenida Nossa Senhora do Carmo. “Aqui o público é selecionado. Ficamos esperando esse baile o ano inteiro. Tem gente que critica a rigidez da vestimenta, mas eu acho bom”, afirma Ana Lúcia.

Os Lenhadores também fazem parte de um circuito de clubes carnavalescos, a maioria localizada nos subúrbios, que sobrevivem com dificuldade. A tradição momesca da cidade também faz com que representantes de troças e clubes criem laços entre si. Severina Ramos, vice-presidente do Abanadores do Arruda, costuma ir à Matinê Branca com a amiga Nadira Maria, presidente do Batutas de São José, há dez anos. A lembrança de outros tempos é, na sua opinião, um fator motivador para a resistência da Matinê Branca. “Na minha época de mocinha, a gente tinha o Banho de Sol, no qual se usava amarelo ou rosa. Um evento como o do Lenhadores é um orgulho, pois não sobrou nada disso nas outras agremiações. Só achamos aqui, não podemos deixar morrer. Hoje e dia, até em bailes de formatura cada um vai com uma roupa diferente”.

O advogado e sócio benemérito do clube, Edvaldo Ramos, lembra dos tempos de repressão política e religiosa na primeira metade do século 20, quando agentes do Dops faziam batidas nos bailes em busca de elementos “subversivos”. “A festa branca representaria uma reverência a Orixalá, tendo em vista que a oferenda ao orixá africano não poderia ser prestada de maneira explícita. As danças de salão complementavam a louvação ao orixá maior, prestadas reservadamente pelos sócios, beneméritos, conselheiros, diretores e simpatizantes”.

Isso significava que as oferendas à entidade considerada a responsável pela criação do mundo eram escondidas atrás do palco, por uma cortina, e os cânticos em louvor a ela eram interrompida assim que os policiais chegavam nas proximidades da sede. O sincretismo também fez com que o culto a Orixalá se transfigurasse no culto a Nossa Senhora de Santana, que recebeu uma missa solene como homenagem do clube na última quarta-feira.

Além da Matinê Branca, o Lenhadores tem mais três festas anuais: o Baile das Serpentinas, quinze dias antes do Carnaval, o anivesário do clube, no último domingo do mês de março e o Baile das Rosas, no úlitmo domingo de maio. No resto do ano, o clube sobrevive com a bilheteria e a arrecadação no bar em festas de brega ou em outras comemorações, como “Recordando o Passado”, às sextas. “Tenho 51 anos e frequento a sede desde os 8 anos, por causa do meu pai, que trabalhava  de garçom e virou sócio benemérito. A matinê é tradicional, não pode parar”, pontua Emanuel Leal tesoureiro e atual administrador da agremiação.

ORIGENS
O Clube Carnavalesco Misto Lenhadores foi fundado no Beco das Barreiras, atual Rua José de Alencar, no Bairro da Boa Vista, a partir de uma dissidência do Clube das Pás. É um dos poucos sobreviventes do início do Carnaval pernambucano como o conhecemos hoje e testemunha ocular da popularização do frevo como gênero musical local. “Um dos diretores do Clube das Pás, Juvenal Brasil, estava desgostoso com o clube e teve a ideia de criar uma nova agremiação carnavalesca durante o trabalho na mata, cortando lenha. Os primeiros nomes foram Clube do Machado, Clube do Machadinho, Clube do Lenhador e, por último, Lenhadores”. Após se mudar para a Rua da Glória, o Lenhadores se transferiu para a Mustardinha na década de 1930.



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