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Literatura Livro estimula questionamento sobre verdades tidas como absolutas E se estivermos errados?, do crítico cultural Chuck Klosterman, sugere que as certezas são casuais e passíveis de mudanças

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 06/08/2017 10:00 Atualizado em: 04/08/2017 22:17

"É impossível analisar perguntas que nos recusamos a perguntar", diz Klosterman. Foto: Kris Drake/Divulgação
"É impossível analisar perguntas que nos recusamos a perguntar", diz Klosterman. Foto: Kris Drake/Divulgação

Quantas vezes não ouvimos alguém tentando validar o ponto de vista argumentando tratar-se de algo comprovado pela ciência ou um fato noticiado por jornais? Verdades não são inquestionáveis nem imutáveis, defende o crítico cultural Chuck Klosterman no recém-lançado E se estivermos errados? (HapperCollins, 288 páginas, R$ 39,90). No livro, o autor sugere que as certezas são apenas casuais e passíveis de mudança no futuro, próximo ou não.

"É impossível entender o mundo de hoje até que hoje se torne amanhã", assinala Klosterman sobre a maleabilidade das convicções que temos hoje, em qualquer que seja o campo. O autor afirma que a maioria das pessoas se sente desencorajada a questionar qualquer tópico que seja consenso pelo simples fato de algumas ideias estarem tão entranhadas na consciência que parece inaceitável que não sejam verdade.

Um dos exemplos adotados por ele é sobre o entendimento relativo à gravidade. Antes do século 18 e as noções de gravitação estabelecidas por Isaac Newton, diz Klosterman, "a melhor explicação sobre por que os objetos não saíam voando por aí tinha a ver com o que Aristóteles havia defendido mais de dois mil anos antes". Os conceitos aristotélicos foram considerados corretos por cerca de 20 séculos e possivelmente o atual entendimento sobre gravidade deve mudar no futuro.

Não é apenas na ciência que a argumentação do autor se aplica. Ele também comenta que Moby Dick, de Herman Melville, hoje considerada obra-prima da literatura, foi um fracasso de crítica e vendas à época do lançamento, em 1851. O livro acabou redescoberto após a Primeira Guerra Mundial, por motivos ainda pouco claros. Uma das hipóteses é que a batalha contra a baleia vista na narrativa pudesse ter servido para alguns como metáfora para a luta contra a Alemanha. Ou que o clima de camaradagem entre os marinheiros remetesse ao senso de irmandade entre soldados, causando empatia entre leitores.

Teorias e percepções mudam junto com a sociedade, daí a irrelevância de considerar qualquer ideia ou obra como algo definitivo, derradeiro. Vale o conselho de Klosterman, passível de contestação, claro, de que "a melhor hipótese é a que aceita, reflexivamente e desde o princípio, o potencial que tem de estar errada". E se estivermos errados? mostra bastante pertinência em tempos proliferação de informações erradas em redes sociais e alta polarização nas mais variadas esferas, da política à cultura.

Questionar ideias entranhadas na consciência coletiva é um exercício saudável e importante para evitar perpetuação de equívocos e reduzir extremismos ou generalizações. Bem argumentado, o ponto de vista do autor é embasado por estudos e entrevistas de pensadores das mais diversas áreas. Entre os nomes presentes no livro estão o escritor Junot Díaz (A fantástica vida breve de Oscar Wao), o astrofísico Neil deGrasse Tyson, o físico teórico Brian Greene, a crítica literária Kathryn Schulz e o músico Ryan Adams. Uma mistura eclética tão ampla quanto a discussão proposta na obra.

O livro acaba sendo um lembrete sobre como as perspectivas sociais têm sido construídas quase que exclusivamente sob o viés do tempo presente. Ideias aceitas hoje já foram descartadas no passado, preconceitos foram (e são) perpetuados pelo senso comum pela grande dificuldade de se questionar aquilo que é encarado como verdade. "É impossível analisar perguntas que nos recusamos a perguntar”, opina Klosterman. Simples assim.

Trecho
"Vivemos em uma era na qual praticamente nenhum conteúdo se perde e praticamente todo conteúdo é compartilhado. A quantidade de informação que existe a respeito de cada ideia corrente dificulta a oposição a esses conceitos, ainda mais numa conjuntura em que o consenso público tornou-se o árbitro supremo do que é válido e do que não é. Em outras palavras, estamos começando a agir como se houvéssemos chegado ao fim do conhecimento humano. E, embora essa ideia seja, sem dúvida, falsa, a sensação de convicção que ela gera nos deixa paralisados".

Serviço
E se estivermos errados?, de Chuck Klosterman
Editora: HapperCollins
Páginas: 288
Preço sugerido: R$ 39,90


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