Música Sexto disco de Otto transita pelas várias manifestações do amor Novo álbum do pernambucano, Ottomatopeia conta com participações de Roberta Miranda e Andreas Kisser

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/07/2017 10:45 Atualizado em: 28/07/2017 20:57

Otto lançou sexto disco da carreira. Foto: Kenza Said
Otto lançou sexto disco da carreira. Foto: Kenza Said

Ficou difícil avaliar a discografia de Otto depois de 2009, quando o cantor pernambucano surpreendeu público e crítica com o quarto e (de longe) melhor disco da carreira, Certa manhã acordei de sonhos intranquilos. Comparações à parte, Ottomatopeia, sucessor de The moon 1111 (2012) disponibilizado nesta sexta-feira (28) nas plataformas de streaming, apresenta uma porção de faixas muito boas sem, no entanto, causar tanta empolgação pelo conjunto da obra. Produzido pelo conterrâneo Pupillo (Nação Zumbi), parceiro de longa data, o álbum tem pontos altos justamente em dois “rescaldos”.

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Meu dengo (1986) já havia sido regravada em dueto com Roberta Miranda (de quem Otto se diz fã) para a trilha sonora do longa-metragem Quase samba (2015). Teorema, por sua vez, reuniu o suingue paraense das guitarras e teclado de Manoel e Felipe Cordeiro para compor o filme Sangue azul (2014), de Lírio Ferreira. “Teorema é uma canção sobre amor, não chega a ser sofrência. É um som do Norte, com participação de grandes mestres contemporâneos da música de lá. É som para dançar, para beber, amar. É para a safadeza”, diverte-se Otto.

Sobre possíveis diferenças ou semelhanças de Ottomatopeia com trabalhos anteriores, o músico defende a existência de certa continuidade discográfica. “Meus discos falam a mesma língua, vêm das mesmas essências, dos mesmo ancestrais. Vêm do urbano brasileiro, da interação, da homogeneidade. Meus discos são brasileiros do mundo, do universo. Se as pessoas acham que eu falo de dor, eu falo sim. Mas, na real, eu falo de amor. Eu canto o amor. O amor político, social, irrestrito”, defende.

Embora tenha sido anunciado como disco de pegada mais rock, Ottomatopeia chama mais atenção por forçar a mão nos sintetizadores e instrumentos percussivos. Algumas faixas ganham com a decisão, como é o caso de Atrás de você (uma das mais notáveis) e É certo o amor imaginar? (cadenciada por coral com Bruno Giorgi, Marco Axé, Bactéria e Gustavo da Lua).

“É uma das músicas que gosto para o show. Ela é muito simples. É só uma pergunta: É certo o amor imaginar? A gente deveria fazer essa pergunta. Politicamente, também. Vamos imaginar uma coisa melhor. É um balanço, um suingue, a bateria... Uma música que se despedaça”, define Otto.

Das 11 faixas, outro destaque é Bala, lançada como single antes de o disco sair - boa candidata a hit. Escolhas menos impactantes são as parcerias com Zé Renato (Carinhosa) e Andreas Kisser, do Sepultura (Orumilá).

ENTREVISTA /// OTTO

SÚDITO
Uma das pessoas que me fizeram ser quem sou foi Reginaldo Rossi. Se eu puder cantar tudo como ele cantou, de tango, bolero, samba... Ele foi um intérprete incrível, um visionário, me ensinou que palco é isso, é sentimento, show, e que o público é um ser íntimo com quem a gente precisa fazer trocas. Eu falo em nome de muita gente que ouve minhas músicas.

INFLUÊNCIA SONORA
Nesse disco, atravesso de novo o Brasil, vou em Belém, em Pernambuco... Nunca teria um estilo único de música. O disco sempre vai ter camadas contemporâneas. Sempre vai ser conceitual, vou transmitir alguma história, um momento meu, um Otto atual, essa mistura. Posso garantir que não saí do que eu sou. Só fiz outras coisas.

INFLUÊNCIA ESTÉTICA
Vi uma exposição em Paris (do fotógrafo japonês Araki Nobuyoshi). Minha mulher me apresentou Araki e eu juntei as torturas sexuais (presentes nas obras dele) com a tortura brasileira de 1964, com (o presidenciável Jair) Bolsonaro. A arte faz isso. O sexo e a tortura estão muito próximos. O encarte do disco tem cenas de tortura. Sugere que a gente não pode mais ser conservador, não pode continuar em onda política de mercado, senão vai virar refeitório e paiol de americano.

CONJUNTURA
O disco foi feito durante cinco anos, enquanto aconteciam muitos problemas no Brasil. A musicalidade do álbum reflete esse momento do país. O Brasil está em um caos tremendo. Em uma ruptura da democracia terrível. A gente vai ter que sobreviver a isso tudo com muita clareza. Estou com 49 anos de idade e sou uma pessoa que vê as pessoas muito do alto. Em breve o Brasil voltará por mãos mais conscientizadas. A justiça vai ser feita. A bala que dispara contra o tempo volta. A gente vai passar por toda essa luta e vai retomar. O mal, ele não cabe. Ele explode. Ele derrete. Ele se extermina. Quando a gente nasce, é para sermos bons. Não é mais questão de direita ou esquerda, é questão de justiça. As questões sociais, humanísticas, os avanços que aconteceram... Tudo isso reforça a necessidade de eleições diretas, da retomada do povo e de suas escolhas. Para um bom esquerdista, a vitória sempre virá.

AMADURECIMENTO
Sempre me senti humilde e abençoado de ter conhecido Fred (ZeroQuatro), Chico (Science), a música da minha terra... A vida das pessoas é como um gráfico. Venho subindo, aprendendo a cantar, aprendendo a viver com paciência. Não busquei nada disso. Sei da minha importância. Tenho um público que está sempre comigo e, com a internet, isso aumenta mais ainda. Estou nesse caminho, como a música contemporânea pernambucana, como o cinema pernambucano, buscando alcançar um padrão de arte e passar uma informação para o público. Eu escrevo todo dia. Vivo de poesia. Morrerei poeta. Viverei poeta. Dançar é minha amplitude, é o que eu mais gosto. Cantar também, mas dançar é o meu gozo.

PASSADO E FUTURO

Um estado que criou Naná (Vasconcelos), Alceu (Valença)... A gente tem uma bagagem pra carregar, que não é fardo. É força. A gente tem Luiz Gonzaga e nunca vai perder essa coisa. Enquanto tiver liberdade, internet, arte, a gente segue em frente. Não dá para se perder das coisas que fazem bem. Nossas origens nós devemos carregar sempre com a gente. Ter encontrado essas pessoas, ter participado desse momento (a cena mangue beat). A gente vive até hoje um encontro, uma geração. A gente vive esse momento. O que fica é o que está aí. China, Fabinho (Fábio Trummer, da Eddie) são os amigos e os novos nomes. Johnny Hooker está aí, e todas as coisas que virão. Isso é eterno, nunca vai se perder. Tenho ainda uns 30 anos de arte pela frente. Vamos informar os jovens.


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