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Seriado Lama dos Dias resgatará a ebulição cultural do Recife da década de 1990
Filha de Chico Science, Lula Lira interpreta a personagem Lule
Publicado: 18/07/2017 às 08:02

Seriado faz alusão a clipe de Mundo Livre S/A, com a filha de Chico Science, a atriz Louise França, vestida de noiva. Foto: João Lucas/Divulgação/


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Os diretores Hilton Lacerda e Helder Aragão (DJ Dolores) participaram da história de perto, como amigos e personagens da trajetória do movimento. A dupla Dolores & Morales criou capas de discos de bandas do período, como Da lama ao caos, o primeiro de Chico Science & Nação Zumbi, além de outros títulos de Mundo livre S/A e Eddie. Os dois também dirigiam clipes e shows do período cultural. Do elenco da série, um nome conduz para um tom mais afetivo da produção. A atriz Louise França, de 26 anos, conhecida como Lula Lira, é filha de Chico Science e estrela a primeira série de tevê da carreira. Além deles, outros nomes cuja história está atrelada ao mangue também fazem participações especiais. É o caso do jornalista Renato L e os produtores culturais Roger de Renor e Paulo André Pires.
"A gente não queria dar conta de uma história real. Queríamos personagens fictícios, de forma que a gente ficasse muito livre. É muito mais do que está ao redor do movimento mangue que a própria história dele", esclarece Hilton, responsável pelo longa-metragem Tatuagem (2013) e a série Fim do mundo (2016), a primeira para o Canal Brasil. Da conexão com a época, Lama dos dias aborda a aproximação da classe média com a periferia a partir dos dois núcleos da ficção: a banda Psicopasso, do Alto José do Pinho, e um grupo de amigos da universidade. "A série não quer ser saudosista. No momento bastante turbulento que a gente vive, a produção coloca em uma relação de tempo essa turbulência da época, mas muito contemporânea no sentido de conflito, do que pode acontecer em uma cidade e de que forma você inflama a imaginação de uma população para que ela se rebele em um sentido criativo", pontua Hilton.
Quando soube da série, Louise se ofereceu para o projeto. "Durante as gravações do documentário Chico Science: Um caranguejo elétrico, Dolores tinha contado que estava escrevendo uma série. Eu fui bem enxerida. Meu olhinho brilhou", recorda a atriz e cantora. Para ela, o projeto tem uma certa intensidade. "É como se eu estivesse vivendo tudo que meu pai e os amigos viveram nessa época. Tem um monte de referências musicais que ele gostava, que os meninos ouviam. Para mim, é como se estivesse entrando em uma máquina do tempo e vivendo tudo", resumiu a filha de Science. "Tem um momento em que eu pergunto para o personagem Ezek sobre Chico e Jorge. Por coincidência (ou não), acabei ficando com essa fala", adianta.
O roteiro é construído a partir da memória dos diretores. Os fatos e personagens reais aparecem em diálogos ou em cenas. Entre as referências ao mangue, o espaço Oasis, local onde Chico Science e a Nação Zumbi se apresentaram com o Orla Orbe, e a gravação de clipes que reconstituem cenas de Maracatu tiro certeiro e Samba esquema noise.
Clipe de Samba esquema noise, de Mundo livre S/A.
Além de Louise, que interpreta Lule, Isadora Gibson, Vitor Araújo e Geyson Luiz vivem, respectivamente, Adriana, Biu e Farmácia. O quarteto conhece Francisco, incorporado por Thiago Mercês, que representa um intermediador desses dois universos, assim como Ezek, papel de Matheus Tchôca. O período histórico, como a crise instalada no Governo Collor, é contextualizado. "É um momento de pré-tecnologia caseira", pontua Lacerda. Os enquadramentos cinematográficos contribuem para excluir de cena a evolução tecnológica, como os ar-condicionados split das fachadas dos prédios.

A trama é estrelada por atores jovens ou não-atores, uma característica recorrente dos trabalhos de Lacerda. "Eu sempre acho muito excitante trabalhar com atores desconhecidos. A ideia, além de trazer esse rosto novo, é levar uma espécie de sotaque, de cheiro da cidade", destaca o diretor. Em Tatuagem, por exemplo, era o primeiro papel no cinema de Jesuíta Barbosa (Justiça, O rebu, Amores roubados). Para ele, também é importante que os atores se pareçam com a narrativa. Louise França, por exemplo, tem semelhanças com a personagem Lule. A preparação de elenco é de Nash Laila (Amor, plástico, barulho, Me chama de Bruna). Os atores Julio Machado e Maeve Jinkings são os mais experientes, mas fazem apenas participações.
Versão original de A cidade resgatada
Em Lama dos dias, a música é um personagem importante. DJ Dolores assina a trilha sonora original do repértório da banda Psicopasso, todas inéditas. Além das composições inéditas, a equipe da produção também resgatou canções dos anos 1980 e 1990, como demos de Devotos do Ódio (atual Devotos) e da Eddie e a primeira versão de A cidade, gravada por Chico - antes do nome artístico "Science" e de se juntar à Nação Zumbi. Com pouco recurso, o que impede o licenciamento de músicas do período, como de Prince e Nick Cave, também há um trabalho de recomposição desse cenário.
Ênio Percival e Negrita MC são músicos na vida real e integrantes da banda Psicopasso na ficção. "O engraçado é pensar que a Psicopasso é uma banda impossível na década de 1990, quando a formação era essencialmente masculina. Ainda mais um grupo capitaneado por uma garota, negra, jovem, da periferia. Não bate com o ambiente cultural do Recife da década. Isso é mais uma provocação", compara Dolores.
Além da música, a identidade visual também é pura referência à época. Ao lado de Hilton, Dolores fazia pôsteres e capas de discos de bandas do período. "A gente trouxe esse universo do design para a série, com animação e um dos personagens como designer", detalha Dolores. O projeto, no qual os diretores trabalham há três anos, faz com que os diretores dominem a narrativa das situações vividas por eles. "É superimportante que a gente conte essa história e mostre a relevância do Nordeste na produção dessa cultura contemporânea que vivemos hoje no Brasil. Essa história é narrada sempre por pesquisadores de fora. É bom contar a partir da nossa voz, da nossa perspectiva", frisa o diretor.
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