Em Foco Tem invasores no forró: o esperneio de Elba Ritmo padece de falta de apoio e perde espaço para sertanejos, sobretudo nos maiores polos juninos

Por: Luce Pereira - Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/06/2017 08:50 Atualizado em: 06/06/2017 10:15

Seria natural que diante da ocupação cada vez mais visível de espaços sagrados para o forró artistas se juntassem decididos a defender o ritmo.  Arte: Jarbas/DP
Seria natural que diante da ocupação cada vez mais visível de espaços sagrados para o forró artistas se juntassem decididos a defender o ritmo. Arte: Jarbas/DP

O episódio envolvendo críticas públicas de Elba Ramalho à maciça presença de cantores e ritmos de outros estados em palcos do São João do Nordeste, especialmente em Campina Grande, continua rendendo, com as alfinetadas saídas da área de comunicação da Prefeitura do município. Numa extensa e espinhosa nota, assinada por Marcos Alfredo, o jornalista nega que haja exclusão de forrozeiros tradicionais da festa e passa a questionar outros assuntos que nada têm a ver com o teor da declaração – o posicionamento da artista em relação a interesses da Paraíba como o desvio do curso do Velho Chico, por exemplo.“Calada, Elba é uma sábia respeitável. Se dependêssemos da boa vontade da longeva cantora, as águas da transposição do Rio São Francisco estariam a milhares de quilômetros do Açude Epitácio Pessoa (...)”, ironizou, para mais à frente acender holofotes sobre o silêncio dela em relação aos altos cachês que cobra por shows na terra. O texto deixa transparecer uma mágoa sem fim. Mas, independentemente de o seu estado natal não ter gostado nadinha quando, antes abrir o ciclo junino em Caruaru, a estrela de Conceição do Piancó lamentou-se pela invasão dos “sertanejos”, importa é que a atitude serve de mote para uma discussão incômoda: Nordestinos não são nem um pouco unidos quando se trata de defender patrimônios culturais. O forró, em especial, mesmo sendo ele quase uma carteira de identidade que denuncia logo a origem de quem cresceu cantando e dançando ao som da sanfona, da zabumba e do triângulo, a santíssima-trindade dos festejos juninos.

Seria natural que diante da ocupação cada vez mais visível de espaços sagrados para o forró artistas se juntassem decididos a defender o ritmo. Mas o que se ouvem são vozes isoladas como as de Elba, de Chambinho do Acordeon – que criou a campanha Devolvam nosso São João – de de Alcymar Monteiro e de Léo Macedo, vocalista da banda baiana Estakezero, um som que nem chega a ser pé de serra, mas usa instrumentos do forró tradicional. Num universo que congrega dezenas dos mais fiéis representantes do legado de Luiz Gonzaga, convenhamos, é muito pouco. E desanimador, também, pois nem mesmo a população, aliada essencial em qualquer luta, revela-se ao menos de longe tocada pela necessidade de defender suas raízes. Protestos se mostram raros e, mesmo assim, os esperneios só são vistos no mundo virtual, sem clamar por organização e mobilização. Nisso, perdemos muito feio para os sul-rio-grandenses, por exemplo, que em 1948, quando viram suas tradições rurais, as mais genuínas, ameaçadas de morrer sob o peso dos novos tempos, formaram uma espécie de exército nacional de salvação e criaram o 35CTG, o primeiro dos Centros de Tradição Gaúcha. Hoje somam 2.583 em todo o país e 12 no exterior. Mais uma vez, a população se reuniu num esforço extraordinário quando o 35 CTG enfrentou as primeiras dificuldades rigorosas e esteva à beira de fechar as portas. Sobreviveu e virou atração turística. Nestes lugares, onde a dança, a música, a gastronomia e os costumes são reverenciados, a cultura gaúcha segue a salvo.

Infelizmente, o forró e todos os elementos que identificam a cultura do Nordeste, não. Carecem de vozes e de atitudes que repensem o lugar de tão ricas tradições no futuro, sob pena de os nordestinos olharem para trás e não se reconhecerem como povo. Mas, dissabores à parte entre a cantora e a Paraíba, a questão é que Elba foi diretamente ao ponto quando disse que não tem nada contra os cantores “sertanejos”, mas que deveriam ficar em seus territórios musicais como é a Festa do Peão de Barretos, por exemplo, onde ela e Dominguinhos jamais estiveram porque aqueles artistas deixam sempre muito claro que se trata de um terreno deles. Por que haveriam de se sentir tão à vontade aqui? Naturalmente porque poder público, contratados e produtores não veem incômodo algum em trocar cultura por números. Dão mostras de que respeito a ela, nem se Januário, o pai de Luiz, que era o maior “de Itaboca a Rancharia, de Salgueiro a Bodocó”, viesse pedir. E de joelhos.

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