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Música 'O forró não se perderia por dividir espaço. O forró é eterno', diz Alok, único DJ no São João de Caruaru Único DJ brasileiro entre os 50 melhores do mundo toca em meio à polêmica entre forró e sertanejo no período junino

Por: Tiago Barbosa

Publicado em: 22/06/2017 08:15 Atualizado em: 22/06/2017 11:42

DJ Alok foi eleito o 25º melhor do mundo no ano passado. Foto: Alisson Demetrio/Divulgação
DJ Alok foi eleito o 25º melhor do mundo no ano passado. Foto: Alisson Demetrio/Divulgação

Techno house, bass e trance fazem parte de um dialeto musical sem laço histórico de intimidade com a tradição cultural construída sob a harmonia da sanfona, da zabumba e do triângulo consagrados pelo legado de Luiz Gonzaga. Mas, em 2017, o som da aparelhagem eletrônica nascido no exterior estreia em um dos epicentros do São João nordestino justamente no ápice da festa - a noite de 24 de junho - e em meio a um terremoto artístico sobre descaracterização provocado pela disputa de espaço entre dois gêneros musicais nacionais: o anfitrião forró e o onipresente sertanejo.

Confira o roteiro de shows no Divirta-se


O desembarque da música eletrônica no coração da festa junina, Caruaru, será conduzido pelas mãos do principal expoente brasileiro do ramo na atualidade: Alok Petrillo, listado como o 25º DJ mais importante do mundo pela revista DJ Mag, especializada no assunto, e o único do país entre os 50 do ranking internacional. Filho de DJs fundadores do Festival Universo Paralello e nascido em Goiás, fábrica azeitada de cantores de sertanejo, ele emplacou a composição Hear me now no topo das paradas de diversos países e do serviço de audição por streaming Spotify, façanha inédita aos conterrâneos. No YouTube, a música com Bruno Matini e Marcos Zeeba lançada em 2016 bateu mais de 115 milhões de visualizações. A projeção mundial rendeu shows em quatro continentes, convites para participar de festivais do porte do Tomorrowland na Bélgica, dos nacionais Lollapalooza e Villa Mix, além de desfrutar do prestígio com parcerias firmadas com colegas como a australiana Stonefox.

A participação no São João nordestino coloca o DJ em contato com uma manifestação cultural profundamente enraizada na região e revolvida recorrentemente com adaptações no formato impostas por uma era de shows gigantescos protagonizados por artistas de diversas matrizes musicais. Sob fogo cruzado de questionamentos quanto à manutenção da "autenticidade" dos festejos, a Prefeitura de Caruaru afirmou ter sugerido a Alok um bloco do set list em sintonia com o período junino. "Eu me adapto ao que a pista se sente melhor ouvindo, se movimenta mais e recepciona da melhor forma. Talvez esse dinamismo em escolher na hora, ou não, deixe as coisas mais interessantes”, ponderou o DJ ao Viver, em entrevista por e-mail (veja a íntegra abaixo). 

O show do DJ goiano fermenta o período turbulento de conflagração artística sobre o São João nordestino. Sanfoneiros da região criaram uma campanha na internet (batizada de Devolva Meu São João) para exigir mais forró na festa e menor presença de ritmos "de fora", sobretudo o sertanejo, massivamente tocado nas rádios, na internet e em eventos pelo país afora o ano inteiro. Representante da música eletrônica, Alok examina o embate com cautela e diz acreditar ser impossível o som gonzagueano sucumbir à força de outros gêneros. "O forró é muito forte, muito raiz.. É eterno", ele aposta.



O tom contrasta com a troca pública de declarações registradas a partir da entrevista concedida pela cantora Elba Ramalho antes de um show dela em Caruaru. A paraibana criticou a presença dos sertanejos na grade de programação da cidade e de Campina Grande, outro reduto junino, e fez uma reflexão sobre delimitar o São João como espaço do gênero e das tradições típicos da época. A colega sertaneja Marília Mendonça rebateu as declarações e sugeriu como critério para abrir ou fechar portas a qualidade do trabalho. O comentário arranhou brios nordestinos, e forrozeiros veteranos como Alcymar Monteiro e Maciel Melo defenderam Elba e apimentaram o confronto. 

Manifesto lançado na internet pelo produtor cultural Afonso Oliveira exige do governo de Pernambuco a adoção de uma política protetiva semelhante à existente no carnaval, do estado, com investimentos nos artistas locais e nas quadrilhas juninas. No carnaval do estado deste ano, houve veto a forró estilizado, brega, suingueira, arrocha, funk e sertanejo no espectro de gêneros de MPB aptos a tocar na folia bancada pelo poder público - medida considerada discriminatória por parte da classe artística. 

Experiente apesar da juventude dos 25 anos, o DJ Alok considera a estreia na Capital do Forró uma oportunidade de popularizar a música eletrônica e o brazilian bass - expressão com a qual define o próprio estilo - entre um público mais acostumado a outros sons. É "a realização de um sonho levar aos quatro cantos do país, quebrando barreiras", diz. O show será em noite dividida com o poeta pernambucano Petrúcio Amorim e a sanfoneira paraibana Lucy Alves. Depois, faz apresentações em outras regiões do Brasil e embarca para turnê na Europa, antes de passar um período de dois meses de trabalhos
na China.

ENTREVISTA

O que representa um DJ tocar no "maior São João do mundo", tradição associada no Nordeste brasileiro a trio pé de serra e músicas de Luiz Gonzaga?
A realização de um dos meus maiores sonhos, levar a música eletrônica aos quatro cantos do país, quebrando qualquer barreira com seu alcance. Isso é sensacional e de uma satisfação sem igual.

Quando você se apresenta em eventos tão enraizados na cultura local, costuma adaptar o repertório à região? Para o show em Caruaru, você montou um set list diferenciado? Como ele vai ser?
Normalmente eu me adapto ao que a pista se sente melhor ouvindo, se movimenta mais e recepciona da melhor forma. Talvez esse dinamismo em escolher na hora, ou não, deixe as coisas mais interessantes. É um desafio me adaptar à cada evento e esse não será diferente.

O São João de 2017 do Nordeste tem vivido um confronto entre o forró (gênero típico da festa) e o sertanejo (em evidência no país). Os forrozeiros reclamam de invasão de uma música "alheia" à tradição. Você é o único DJ na programação junina local e o primeiro a tocar na cidade no período. Enquanto artista renomado internacionalmente, como você analisa esse embate musical? Ele é comum a outras localidades do mundo?
É comum, mas temos espaço para todos. O Brasil é um berço de diversas culturas onde todos deveriam venerá-las sem disputas de espaço. Conseguimos manter tradições respeitando um pouco da cultura de cada um. Acredito que o tamanho da importância do forró não se perderia somente porque um novo estilo dividiria espaço consigo. O forró é muito forte, muito raiz... eterno.

O artista de música eletrônica sofre preconceito no Brasil? É comum que parte do público se refira ao DJ como alguém que somente "leva um pendrive e aperta play". Isso lhe incomoda?
De forma alguma (risos). É algo leve, não prejudicial ao andamento da carreira. Críticas se ouve em todos os lugares, a questão é absorver ou não.

Aos 25 anos, ele já tocou em quatro continentes. Foto: Aloklive.com/Reprodução
Aos 25 anos, ele já tocou em quatro continentes. Foto: Aloklive.com/Reprodução


Ao atingir um outro patamar de popularidade, é natural que o público alcançado por um artista se amplie e torne-se cada vez mais heterogêneo. No seu caso, isso tem representado participar de programas de auditório e se apresentar em festas populares, em que a música sertaneja e o forró são carro-chefe. Como é a interação com esse público mais amplo em comparação àquela com os fãs de música eletrônica?
É um novo patamar, com um público mais assíduo, mais expressivo e mais participativo. Não que o público de balada não seja, mas o público atual é muito mais presente.

Pelo fato de apostar na house music, você pretende firmar outras parcerias com cantores como Marcos Zeeba? Com quem você tem interesse de gravar?
Claro! Tenho diversas músicas saindo com nomes incríveis! Mas só posso divulgar depois de todo o processo burocrático. Mas as parcerias continuarão com vários outros grandes nomes.

Quando se estoura internacionalmente com um hit como Hear me now, há uma pressão muito grande da indústria de entretenimento a respeito dos próximos trabalhos. Por isso, diante de um sucesso estrondoso, alguns artistas se sentem intimidados. Quais seus próximos projetos?
Tivemos grandes hits emplacados, BYOB com alcance internacional, Hear me now, Fuego, conquistando os TOP 10 BR, e agora a Never let me go que está aí muito bem nas paradas. Acredito que isso tenha sido uma escola e o know-how adequado vai contribuir para que isso se torne frequente de acordo com nossos esforços. Estou sempre me atualizando para que isso sejam acertos consecutivos.

Você foi eleito o 25º DJ mais importante do mundo, em um ranking repleto de estrelas internacionais. É o único brasileiro da lista. É possível dizer que a sua música carrega elementos da musicalidade brasileira? Como você utiliza (ou não) esses elementos na criação do seu repertório e como eles são recebidos pelo público?
O brazilian bass é uma vertente na qual definimos por características do bass brasileiro. Um bass mais forte na qual as pessoas não conseguiam definir direito qual vertente era. Minhas músicas sempre terão características desse bass, seja em uma música ou em outra. A recepção do público na pista é incrível sempre.

Como a música eletrônica é vista lá fora? O público e a crítica internacional percebem o DNA brasileiro nas músicas?
Com o brazilian bass, é possível. Artistas como Tiesto inclusive lançaram uma track com muito brazilian bass, em parceria com meus amigos Sevenn. Se tratando disso a recepção sempre foi a melhor possível.



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