Literatura Livro de poemas resgata memórias de preso político da ditadura Cárcere da Memória, de Chico de Assis, foi todo escrito durante os nove anos em que o autor esteve preso

Por: Matheus Rangel

Publicado em: 01/06/2017 16:39 Atualizado em: 01/06/2017 17:55

Extinta Casa de Detenção do Recife, com os presos
políticos que ficaram recolhidos lá até 1973. Foto: Cárcere da Memória/Divulgação
Extinta Casa de Detenção do Recife, com os presos políticos que ficaram recolhidos lá até 1973. Foto: Cárcere da Memória/Divulgação

Da janela de uma cela no terceiro andar da Penitenciária Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, Chico de Assis gostava de observar o movimento dos trabalhadores na rua. Era um vislumbre da liberdade que lhe foi tomada em 16 de julho de 1970, ao ser considerado "aparelho subversivo" por autoridade da ditadura militar. Foram nove anos, quatro meses, 27 dias e 12 horas de reclusão, entre a Casa de Detenção do Recife, atual Casa da Cultura, e o presídio no Litoral Norte do estado, para onde foi transferido após quase sete anos de prisão. As lembranças desse período conturbado foram condensadas no livro Cárceres da memória (Bagaço, R$ 30), que o escritor lança nesta quinta-feira (1º), às 18h30, na Galeria de Artes Digitais do Porto Digital (Rua do Apolo, 235, Bairro do Recife).

"São poemas sobre tortura, amor, arte, poesia. Tudo que eu podia expressar diante de todas as situações adversas vividas", resume Chico. A crueldade dos militares é tema recorrente na obra. "Depois de capturado, fomos torturados por cinco dias na antiga Delegacia de Ordem Social e Política do Estado, na Rua da Aurora. Dentro do presídio isso era menos comum com presos políticos, mas ocorria com certa frequência com os demais detentos", relembra.

Os pensamentos eram rascunhados à mão e finalizados em uma máquina de datilografia que os guardas permitiram deixar na cela. Diante da iminência de batidas e revistas por parte dos carcereiros, os registros eram escondidos em um fundo falso dentro do beliche em que dormia. Apesar do empenho na elaboração e arquivamento dos textos, a intenção nunca foi transformá-los em livro.

"Escrevia pela necessidade de me expressar, pensar melhor, ver como reagir durante o cotidiano. A literatura cumpriu seu papel de servir como contraponto à mesmice. Sem ela, minha vida seria muito mais amarga, insossa e sem graça do que foi", garante. Alguns escritos se perderam ao longo de mudanças de presídio e de casa desde a sua libertação - em 27 de novembro de 1979, só três meses após a declaração da anistia -, mas os que resistiram foram suficientes para resgatar as lembranças escritas, cujo formato inicial foi mantido em projeto gráfico de Eduardo Padrão e Juliano Dornelles. Cárceres da memória é ilustrado com fotografias do espaços em que os presos políticos eram mantidos feitas por Roberta Meira Lins.



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