Games Indústria pernambucana de games mostra amadurecimento e potencial para crescer mais Estúdio local receberá aporte de edital da Ancine para o desenvolvimento de dois novos títulos

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 06/06/2017 21:00 Atualizado em: 05/06/2017 17:49

Arte conceitual de Arani, game com o segundo maior valor disponibilizado pelo edital da Ancine. Foto: Kokku/Divulgação
Arte conceitual de Arani, game com o segundo maior valor disponibilizado pelo edital da Ancine. Foto: Kokku/Divulgação

 
A existência do Porto Digital no Bairro do Recife tornou lugar-comum a associação entre tecnologia e a capital pernambucana. Menos lembrado, um dos braços desse polo está representado no desenvolvimento de games, atividade desempenhada por algumas empresas recifenses. Enquanto os estúdios locais ainda são pouco conhecidos do grande público, o reconhecimento parece em ascensão, com a presença de desenvolvedores locais contemplados no primeiro edital da Ancine dedicado ao segmento. O aporte da agência vai disponibilizar R$ 10 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para jogos nacionais.

Ao todo, o edital abarca 28 títulos, sendo dois de Pernambuco. Um deles, Arani, da Diorama, divisão do estúdio recifense Kokku, recebeu o segundo maior aporte entre as empresas selecionadas: R$ 975.475, valor que será destinado ao desenvolvimento do game. O montante é expressivo para os padrões nacionais, mas muito inferior ao custo dos chamados AAA (Triple A), denominação dada para as grandes produções do gênero. O popular GTA V (2013), por exemplo, teve orçamento superior ao de filmes blockbusters: US$ 266 milhões (R$ 872 milhões). Mais modesto, Gears of war 4 (2016), por exemplo, custou em torno de US$ 100 milhões (R$ 327 milhões). A disparidade entre as cifras de produções nacionais e internacionais na indústria de games é similar às diferenças de valores de produção entre o cinema brasileiro e o hollywoodiano. E, vale destacar, assim como em outros campos do audiovisual, orçamentos inflados em videogames não refletem, necessariamente, qualidade ou apuro técnico.

E mesmo sem títulos próprios entre os grandes lançamentos do meio, os desenvolvedores pernambucanos responsáveis por Arani têm passagem por uma superprodução recente: Horizon zero dawn, lançado para Playstation 4 no início do ano. Instalada no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, a Kokku foi a primeira empresa brasileira a produzir conteúdo 3D para um título AAA do videogame da Sony. A companhia foi responsável pelo design de inúmeros personagens do jogo e mais de 20 profissionais da Diorama estiveram envolvidos no trabalho, que dedicou cerca de 60 mil horas ao projeto. Na avaliação do presidente da Kokku, Thiago de Freitas, a realização do trabalho atesta que o mercado local tem potencial para atender às exigências e especificidades de produtoras internacionais.

A Manifesto é outro nome local que também produz para o mercado externo, emprestando expertise sobretudo no desenvolvimento de títulos para marcas de terceiros, nos chamados games for brands. Um dos maiores sucessos do estúdio pernambucano é Disney Junior appisodes, antologia que mescla minigames e episódios interativos de animações de personagens como Mickey Mouse, Pateta e Rei Leão.

O diretor de produção do estúdio, Túlio Caraciolo, enxerga que a indústria nacional de games está amadurecendo e considera iniciativas como o edital da Ancine mais um passo nesse processo de consolidação. No entanto, o desenvolvedor ressalta que os valores disponibilizados ainda são bastante modestos, principalmente se comparados aos custos de produção exigidos em títulos de maior porte.

Outro entrave, avalia Caraciolo, é a obtenção de crédito para indústrias criativas no país, com juros bastante elevados, em relação aos valores praticados em outros países. [ À moda da casa Arani ainda não teve detalhes sobre a trama ou jogabilidade revelados, mas o título vai abordar elementos da cultura do país, em ambientação pré-colonial. O game deve ser lançado inicialmente para PC e, depois, Xbox One e Playstation 4. Outra informação já revelada é que o título terá uma protagonista feminina.
Título desenvolvido em Caruaru é uma releitura do popular jogo Snake. Foto: Mantus/Divulgação
Título desenvolvido em Caruaru é uma releitura do popular jogo Snake. Foto: Mantus/Divulgação

O segundo título pernambucano incluído no edital da Ancine também é da Kokku e se chama Bacon run!, um jogo no estilo runner, para celular. No game, o jogador controla um fugitivo do Velho Oeste que tenta escapar do xerife acompanhado de um simpático porquinho. Título está disponível em acesso antecipado para aparelhos Android, na Play Store, mas o conteúdo vai passar por melhorias após o aporte da Ancine. A soma disponibilizada pelo edital ao projeto é de R$ 237,5 mil.

[Tapioca Valley

Enquanto a Califórnia tem o Vale do Silício, o Agreste tem o que os desenvolvedores de Caruaru chamam de Tapioca Valley. Apesar do título aparentemente jocoso, o movimento para consolidação de um parque tecnológico e de empreendedorismo criativo na cidade é sério, já contando com pilares no campo dos games, a exemplo da Mantus.

Segundo o desenvolvedor Filipe Rafael Bezerra, a indústria no interior tem se dedicado a criar um ecossistema favorável ao fomento dos games, com palestras, workshops e game jams. Com quase dois anos de existência, o estúdio caruaruense já tem títulos publicados para plataformas mobile, como Boitatá, versão estilizada do jogo Snake, mas protagonizado pela cobra de fogo do folclore e visual com estética de cordel. Apesar da concorrência global e dificuldade em capitalizar empresas do setor, Bezerra acredita que a indústria local deve passar por um salto de desenvolvimento em alguns anos.

2 perguntas // Thiago de Freitas, diretor de Internacionalização da Associação Nacional de Desenvolvedores de Games

O fato de a Ancine criar edital específico para o setor ajuda a fortalecer a produção de games?

É uma grande vitória e um passo importante para consolidação e amadurecimento da nossa indústria. Assim como já aconteceu com o cinema, que teve bastante incentivos governamentais e hoje já é extremamente mais maduro e capaz de produzir belas obras. Também é um bom passo para que possamos enterrar de vez a velha discussão sobre se videogame é audiovisual ou não. Sim, é audiovisual. Sim, é cultura. E está sendo, finalmente, reconhecido em todas as instâncias possíveis.

No que a indústria nacional precisa avançar?
Um passo de cada vez. A nossa indústria ainda carece de outras coisas, como profissionais especializados, cursos voltados para o mercado e mais aproximação com o mundo acadêmico, para que possam entender demandas e preparar os futuros profissionais para ocupar as vagas que não param de surgir, seguindo na contramão da economia atual. Mas tudo isso começa com o primeiro passo, que é dar apoio e incentivar a indústria através de editais próprios e outras iniciativas, como termos acesso a uma linha própria da Lei Rouanet, que é o caso agora. Vale salientar que, ao contrário do cinema nacional, a nossa indústria já nasceu internacionalizada, tendo em vista que a distribuição do produto globalmente é mais fácil e existe quantidade infinita de publishers (publicadoras de jogos) procurando títulos para explorar comercialmente, o que nos garante mais possibilidade de retorno.


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