HQs Autobiografia revela como Mauricio de Sousa se transformou no autor best-seller do Brasil Em entrevista, quadrinista fala sobre passado, presente e futuro da Turma da Mônica

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 13/06/2017 20:19 Atualizado em: 13/06/2017 20:38

 (Vendas de publicações com o selo Mauricio de Sousa superam a marca de um bilhão de edições. Foto: Márcio Bruno/Divulgação)

 O principal best-seller do Brasil está nos quadrinhos. Com 60 anos dedicados à nona arte, Mauricio de Sousa acumula um bilhão de HQs vendidas com a sua assinatura, embora não necessariamente com participação direta. Afinal, para levar a Turma da Mônica ao nível de popularidade hoje alcançado, o quadrinista contou com a colaboração de centenas de profissionais envolvidos em diversas frentes: revistas, animações para internet, desenhos animados para TV, filmes com atores etc. E após tantas décadas criando narrativas para os personagens, o autor se dedicou a contar a própria trajetória, na recém-lançada autobiografia Mauricio, a história que não está no gibi (Sextante, 336 páginas, R$ 49,90).

O livro, primeira biografia aprofundada do artista, foi feita ao longo de um ano, em conjunto com o jornalista e escritor Luís Colombini, que além de transcrever e organizar os depoimentos de Mauricio, ajudou a preencher eventuais lacunas na memória do biografado, como datas ou nomes. Da infância humilde no interior de São Paulo às dificuldades profissionais na vida adulta, um aspecto destacado por toda a biografia é determinação do artista, por vezes definida de modo menos lisonjeiro. "Me chamaram de teimoso e também de cabeça-dura, principalmente quando eu insistia que minha turminha um dia cairia no gosto das crianças", relembra.

Igualmente desmotivador foi o comentário do chefe de arte da Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo): ao ver os primeiros trabalhos de Mauricio de Sousa, no fim dos anos 1950, sugeriu que ele desistisse e fosse tentar outra ocupação. Se a persistência (ou teimosia) ajudou a alavancar o talento criativo do quadrinista, o sucesso é resultado também de inegável vocação empresarial, caso raro de artista com tino para os negócios, transformando o próprio nome em marca: a Mauricio de Sousa Produções (MSP). O presidente da MSP demonstra empolgação quase jovial ao falar de projetos futuros, indicando que Mônica, Cebolinha, Horácio e tantos outros personagens podem ir ainda mais longe.
Versão adolescente da Turma da Mônica é um dos maiores sucessos editoriais da MSP. Foto: Panini/Divulgação
Versão adolescente da Turma da Mônica é um dos maiores sucessos editoriais da MSP. Foto: Panini/Divulgação

Entre os planos futuros, uma nova incursão dos personagens nos videogames (“estamos atrasados na área de games, mas agora estamos chegando lá, vamos correr para tirar o atraso”) e dois filmes com atores. O primeiro, previsto junho de 2018, adapta a Laços, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, HQ do selo Graphic MSP, linha de histórias em que autores nacionais fazem releituras das criações de Mauricio. O outro, programado para o segundo semestre do próximo ano tem como matéria-prima a linha Turma da Mônica jovem.

A incursão mais ambiciosa para os próximos anos, porém, deve surgir no ambiente original, os quadrinhos, em um título regular da Turma da Mônica na fase adulta. Segundo Mauricio, as histórias terão ambientação calcada na realidade. "Os personagens estarão vivenciando o que ocorre no mundo", diz, ressaltando que a publicação, prevista para 2020, terá toques jornalísticos.

[Mangá caboclo 
Um dos maiores sucessos editoriais da MSP é a Turma da Mônica jovem, versão adolescente dos personagens desenhada no formato mangá, tradicional estilo de quadrinhos japoneses. Publicada desde 2008, a série ganhou, em 2013, uma revista derivada, Chico Bento moço. "É o mangá caboclo", define Mauricio, que viu no formato oriental uma escolha natural.
Sousa e Tezuka mantiveram amizade nos anos 1980. Foto: Acervo pessoal/Divulgação
Sousa e Tezuka mantiveram amizade nos anos 1980. Foto: Acervo pessoal/Divulgação

"Metade da minha equipe sempre foi de nissei e sansei", conta, sobre a presença de artistas de ascendência japonesa, incluindo a esposa, Alice Takeda, diretora de arte da MSP e, por muito tempo, arte-finalista do estúdio. "Sem nem percebermos, isso até influenciou nosso traço, elegante e simplificado", acrescenta sobre o visual dos gibis tradicionais de Mônica, Cebolinha e outros. Outra referência é Osamu Tezuka (1928-1989), considerado o pai do mangá e do animê (animação japonesa) modernos. "Ele foi meu grande amigo nos últimos dias de vida dele", afirma Mauricio, que conheceu o autor em 1984 e sentiu grande afinidade. "Foi uma descoberta, nossos caminhos eram muito parecidos", recorda, acrescentando que chegaram a criar um projeto de misturar personagens de ambos.

Com a morte de Tezuka, a ideia ficou engavetada até 2012, quando o arco Tesouro verde foi publicado em duas edições de Turma da Mônica jovem, um crossover com os personagens Princesa Safiri, Astro Boy e Kimba. Em abril deste ano, as criações dos dois artistas voltaram a se reencontrar no gibi mensal e, em breve, as histórias serão compiladas em um volume no Japão. "Vamos enfrentar o nascedouro do mangá", vibra Mauricio.

[Entrevista Mauricio de Sousa // quadrinista

Você continua acompanhado de perto tudo que sai com o selo Mauricio de Sousa?

Logicamente, não dá para ver tudo da companhia de perto. Mas, na medida do possível, eu tomo conhecimento de tudo que é mais importante dentro da empresa. E, com isso, eu me considero relativamente bem informado. Mas, de vez em quando, dou uma tropeçada em alguma coisa que não vi antes. E fico rezando para que o (material) que não vi saia direitinho, conforme nossa filosofia. Tem havido poucos tropeços. A empresa está conservando o estilo e, principalmente, a qualidade do material. É no que somos mais exigentes.

Sentiu ciúmes quando outros artistas passaram a trabalhar com seus personagens?


No início, eu fazia tudo sozinho, aos poucos fui me cercando de uma boa equipe e hoje temos quase 400 pessoas. Mas, a cada momento em que precisava passar algo, primeiro arte-final, depois desenho, e depois os roteiros, surgiam ciúmes. Com roteiro, foi mais dramático. Ter alguém escrevendo as histórias, com os meus personagens, aqueles que eu tinha criado à minha imagem. Mas eu tive que engolir isso e o desejo de fazer tudo sozinho. Deixei a coisa rolar, a equipe crescer, porque, do contrário, não conseguiria fazer tudo que faço hoje. E o objetivo era fazer essa variedade de produções: histórias em quadrinhos, desenhos animados, merchandising etc. Ainda bem que eu pude deixar de ser ciumento aqui ou ali, mesmo com dor no coração. A coisa andou.

Muita gente compara você a Walt Disney. Você lia quadrinhos Disney? Quais eram os autores favoritos na infância?

Muito pouco Disney. Quando era criança e aprendi a ler nos quadrinhos, eu gostava mais de histórias satíricas, talvez mais adultas. Tanto que o meu ídolo era o Will Eisner, criador do Spirit, que não tem nada de infantil. É até uma história meio violenta. E outras que eu curtia eram Tereré (Oaky Doaks, no original), que quase ninguém conhece, Ferdinando (Li’l Abner), do Al Cap, Popeye e Brucutu (Alley Oop). Eu ia mais para esse lado, de coisas diferentes. O que me atraía em primeiro lugar era o roteiro, o enredo. O Fantasma mesmo, do Lee Falk, tinha um desenho sofrível, mas os roteiros eram cativantes.

Ainda tem a mesma empolgação com a mídia que tinha quando era mais novo?

Talvez eu esteja mais exigente quanto à qualidade, quanto ao esquema que o artista use. Mas, de qualquer maneira, se eu pego uma boa história, com bons desenhos, bons roteiros, uma proposta interessante, eu mergulho e fico lá.


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