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Grafiteiros criticam escolha de Flávio Barra para pintar o Galo e ele ironiza: 'beijo no ombro'

"Ele não tem história no grafite e não faz parte da cena ou da ideologia, então o que ele faz só pode ser chamado de apropriação cultural", diz um dos integrantes do coletivo 33 Crew

Publicado: 15/02/2017 às 19:08

Apresentador e artista plástico Flávio Barra foi o escolhido para grafitar o Galo da Madrugada. Foto: Lucas Emanoel/PCR/

Apresentador e artista plástico Flávio Barra foi o escolhido para grafitar o Galo da Madrugada. Foto: Lucas Emanoel/PCR/

Apresentador e artista plástico Flávio Barra foi o escolhido para grafitar o Galo da Madrugada. Foto: Lucas Emanoel/PCR

Em nota publicada no Facebook nesta quarta-feira (15), o coletivo de grafiteiros pernambucanos 33 Crew criticou a escolha do apresentador e artista plástico Flávio Barra para pintar o Galo da Madrugada, símbolo do maior bloco de rua do mundo. No texto, o grupo expressa insatisfação com a Prefeitura do Recife, responsável pela confecção do mascote, e diz que a curadoria "precisava estar diretamente envolvida com a cena local, procurar opinião de outrxs produtorxs, curadorxs e até artistas, a fim de fazer uma escolha mais legítima". Procurado pela reportagem do Viver, Flávio Barra foi sucinto: "beijinho no ombro", disse.

O grafiteiro Johny Cavalcanti, um dos dez membros do 33 Crew, afirmou que o grupo ficou "decepcionado e triste" com a decisão da prefeitura. "Como é que colocam um jornalista como responsável pela identidade artística do Galo da Madrugada, que é algo que tem uma repercussão nacional?", questionou ele. "A cena do grafite pernambucano é muito forte. Poderiam ter contemplado tanta gente que tem uma história no ramo, mas optaram por uma pessoa que, em termos de trajetória, originalidade, representatividade e trabalho, deixa muito a desejar", disse. Na nota, o coletivo diz que a crítica não é contra "a pessoa Flávio Barra", mas que, como representantes de uma cena que "carece de incentivo", não podem se "abster do debate".

Johny afirmou ainda que a escolha é mais emblemática por conta da situação vivida por São Paulo, onde o prefeito João Doria ordenou a pintura de todos os grafites da cidade. "A gente achou que, com o caso Doria, a gente fosse ter uma exposição ainda maior", contou. "É um momento importante para o grafite pernambucano, ter a oportunidade de pintar o Galo, um dos maiores ícones do estado", disse ele, que chamou de "apropriação cultural" ter Flávio Barra como grafiteiro. "Ele não tem história no grafite e não faz parte da cena ou da ideologia, então o que ele faz só pode ser chamado de apropriação cultural", concluiu. O texto do coletivo diz ainda que "colocar grafiteiros da periferia como protagonistas é não apenas um questão de justiça, mas uma forma de gerar mais representatividade e empoderamento".

 

Confira, na íntegra, a nota do coletivo 33 Crew:

O graffiti que acreditamos é ideológico, estético, artístico, contra-cultural, mas é também livre e aberto a novos diálogos, propostas e mudanças. Porque no mundo tudo muda, e mudanças são sempre bem vindas; muitas vezes abrem portas, dão oportunidades, propõem novas conexões. Depois de tantas discussões sobre a escolha do artista para pintar o Galo da Madrugada, queremos, antes de tudo, dizer que nossa posição não é contra a pessoa de Flávio Barra, se ele é ou não grafiteiro, se pinta ou não na rua. Muito menos julgar o seu trabalho. Mas, nós, grafiteirxs de Pernambuco, não podemos, enquanto integrantes de uma cena que carece de incentivo, nos isentar do debate.

Enquanto coletivo composto por artistas e escritorxs de graffiti, queremos por meio desta nota pública, expressar a nossa insatisfação com a Prefeitura da cidade do Recife, que se emocionou demais com essa história de usar a arte urbana como estandarte da festa. Ao convidar um artista para decorar o ícone do Carnaval do Recife, O Galo da Madrugada, que representa o maior bloco de rua do mundo, a curadoria precisava estar diretamente envolvida com a cena local, procurar opinião de outrxs produtorxs, curadorxs e até artistas, afim de fazer uma escolha mais legítima. Entendemos que não se consegue agradar a todos, mas pontos como representatividade, trajetória e originalidade são indispensáveis quando de uma eleição como essa.

A escolha da Prefeitura, obviamente, pode ser bem recebida pela maior parte do público folião, que, infelizmente, desconhece uma cena composta por grafiteirxs de todas as regiões de Pernambuco, que resistem em meio a falta de incentivo e valorização. Na nossa cidade, existem grandes referências que tentam sobreviver da sua arte, promovendo ações de impacto social. Apesar do esforço, ainda enfrentam dificuldades e sofrem com a marginalização e o preconceito.

Reconhecemos a importância da Prefeitura do Recife ter incluído nomes da arte urbana na decoração do Carnaval do Recife (a exemplo Bozó, Zeroff, Boris, Karina...) mas contestamos a falta de representatividade na intervenção do galo, o grande anfitrião da festa de momo. Também estamos solidários ao artista Sávio Araújo, que foi obrigado a recolher o Galo Maestro por não concordar com a exigência de depená-lo e deixá-lo todo cinza para receber a intervenção. Entendemos seu posicionamento e acreditamos que ele poderia ter sido incluído no processo de concepção. Nos últimos sete anos, Sávio contribuiu não apenas para confecção do maior símbolo do Carnaval pernambucano como para a comunidade de Pirajuí (Igarassu), onde o gigante incrementava a renda de marisqueiras e jovens.

Esperamos que toda essa divulgação e firula em torno da arte urbana se estenda para além do período de Carnaval e reverbere em políticas públicas que incentivem a arte educação como instrumento de inclusão social. O graffiti, em sua origem, é transgressor e não pede licença, mas acreditamos que colocar grafiteiros da periferia como protagonistas é não apenas um questão de justiça, mas uma forma de gerar mais representatividade e empoderamento.

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